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Ana Karla Lucena  é bacharela em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba. Servidora Pública no Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba. Mãe. Mulher. Observadora da vida.

Descrevi meu pai

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publicado em 13/08/2023 às 13h44

Cabeça dura, turrão, teimoso… só fazia o que tinha vontade…

Inteligente, perfeccionista. Sabia desmontar e montarnovamente um carro, um ônibus, um caminhão, cada pecinha no seu lugar, mecânica e eletronicamente.

Nasceu para as estradas e me recordo bem das viagens para as quais ele nos levava quando éramos pequenos. Minha mãe dizia: pede a painho! Se vcs pedirem, ele leva! Dito e feito! Minha mãe, eu e minha irmã, que era bem pequena, talvez não se lembre. Meu irmão , à época, ainda não era nascido. Ele separava o melhor lugar do ônibus para que pudéssemos ver bem as paisagens. Nessas cidades por onde passávamos, nos hospedávamos nas casas de amigos, amigos que ele fazia por onde andava. Era expansivo, amigável, conversava com todos! Só não pisassem nos seus calos…Acho que herdei um pouco dessas características dele…rsrsrsrsrs.

Ainda lembrando das habilidades que ele tinha, lembro-me bem de que nunca precisamos de um eletricistaou de um encanador… ele era o “faz tudo”. Desde a cortina que precisava ser posta na janela (e tinha que estar impecavelmente alinhada), até a construção de mais um vão da casa, o qual ficaria perfeitamente em pé debaixo do prumo que ele usava várias e várias vezes, só pra ter a certeza de que ficaria perfeito.

Amava crianças! Fomos filhos criados debaixo de muito amor. Ele, muitas vezes não conseguiu nos dar tudode que precisávamos, financeiramente falando. Mas, amor… amor nunca faltou. E os netos então? Como ele amava esses netos…! Era o típico avô que dava escondido ao neto o copo de coca-cola gelada que a mãe tinha dito pra o menino não beber… ai, ai… Aos domingos, sempre ia montar e desmontar alguma coisa em casa, sob os olhos atentos do neto mais novo a quem ele “presenteou” com uma chave de fendas, ora vejam só! Chave esta que a mãe teve que confiscar ao chegar em casa, vcs já devem imaginar o por quê. É, o neto herdou dele o amor por montar e desmontar as coisas.

Era um ser humano extremamente desprendido do material! Era o tipo de pessoa que amava ter a mesa farta e as portas abertas para receber quem quer que fosse. Na hora das refeições, se você estivesse sentado à mesa e colocasse uma concha de sopa em seu prato, ele fazia questão que mais uma fosse colocada. Não, as portas da casa dele nunca estavam fechadas. Nunca. Ele e minha mãe eram iguaizinhos neste aspecto! Impressionante!

Não estou descrevendo um ser humano perfeito. Ele era cheio de defeitos como, aliás, todos nós somos, em maior ou menor proporção. Fez coisas muito boas por muita gente. Fez algumas pessoas sofrerem. Aquela velha finitude humana… tipo a do apóstolo Paulo: “aquilo que quero, não faço. Aquilo que não quero, é o que faço.” Coisas das quais tenho certeza de que ele se arrependeu profundamente.

Também não descrevi nenhum homem digno de receber um Nobel ou de ter o rosto estampado na Forbes. Nenhum diploma pendurado na parede. Nenhuma estátua ou placa com seu nome escrito. Descrevi um homem simples, filho de agricultores, vindo do sertão. Descrevi um homem que batalhou e trabalhou muito para cuidar da família, da família a quem amava. Não era um homem de palavras eloquentes, mas nunca saiu de sua boca nenhuma palavra rude, torpe ou desrespeitosa contra nenhum dos filhos. Nunca um tapa sequer. A única vez em que ensaiou me bater, nem chegou a fazê-lo, contava minha mãe que ele não foi trabalhar, de tanto que chorou arrependido e triste. Nunca um cigarro. Nunca um copo de bebida alcoólica. Não na nossa frente. Acho que, no fundo, ele sabia que não estava “sendo”, estava “mostrando”. Sempre respeitou nossas decisões, mesmo que estas não o agradassem. E, quando o que decidíamos nos fazia mal, as portas estavam abertas, assim como os braços.

Ele se foi. Não nos deixou herança pecuniária, mas herdamos dele o amor e o cuidado pelos nossos; herdamos a simplicidade e expansividade que nos faz ter amigos por onde passamos. Herdamos a coragem de batalhar pela vida. Em seus últimos dias ele dizia: vou ficar bom e voltar a trabalhar. Eu dizia: o senhor não precisa mais disso, pai! O senho vai ficar bem, mas para descansar e aproveitar a terceira chance… Ele não ficou bom! Pelo menos não fisicamente. Pelo menos, não neste plano. Maseu estava certa no que falei: ele ficou bom para descansar. Para aproveitar, no melhor lugar que existe, ao lado da pessoa a quem ele escolheu para viver sua vida e com quem ele cumpriu a promessa de “até que a morte nos separe”.

Descrevi um grande homem. Descrevi meu pai.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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