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Exclusivo: autora de biografia conta intimidade de Tarsila do Amaral

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publicado em 27/05/2023 às 14h51
atualizado em 27/05/2023 às 14h32

Kubitschek Pinheiro – MaisPB

A premiada historiadora Mary Del Priore lançou com selo da Editora José Olympio, a biografia “Tarsila, uma vida doce-amarga”, que conta tudo ou quase, da vida,  da arte e das agonias da pintora Tarsila do Amaral ((1886-1973). Aliás,  tudo começou na empresa sueca Storytel – uma das líderes globais em streaming de audiobooks e e-books -, que lançou antes o audiobook “Tarsila, uma vida doce-amarga”.

É um livro para diversas gerações com aspectos íntimos de um dos nomes mais importantes das Artes Plásticas Brasileiras. E já está no mundo todo.

Tarsila do Amaral, criadora de pinturas icônicas, que se confundem com uma estética canônica da representação do Brasil – a paisagem, a gente, as festas, o trabalho e os costumes -, Tarsila é revelada  na obra de Mary Del Priore, sua vida pessoal, pouquíssimo conhecida. Na biografia, Mary a parte da identidade revelada.

O livro mostra quem é a artista por trás do quadro Abaporu, a mais famosa e valiosa obra dela, e resgata a vida da pintora modernista em todas as suas fases, desde menina até os casamentos e a maternidade.

Filha do fazendeiro José Estanislau do Amaral e Lydia Dias de Aguiar do Amaral, Tarsila do Amaral nasceu em 1º de setembro de 1886, no Município de Capivari, interior do Estado de São Paulo. De família abastada, Tarsila passou a infância nas fazendas de seu pai, estudou no Colégio Sion, em São Paulo, e, anos mais tarde, em Barcelona, na Espanha. Em 1904, pintou a sua primeira tela, intitulada ‘Sagrado Coração de Jesus’, ainda em Barcelona.

Só um spolier

Em 1906, assim que retornou da Europa, após a conclusão de seus estudos, Tarsila do Amaral casou-se com o médico André Teixeira Pinto, com quem teve sua única filha, Dulce do Amaral Pinto, nascida no mesmo ano do casamento. O marido abandonou a pintora e foge com a cunhada.

MaisPB – Você já esteve algumas vezes  aqui em João Pessoa, né?

Mary Del Priore – Sim, adoro essa cidade, as praias, as pessoas, sou membro do Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba. Amo essa cidade de vocês, que é nossa também.

MaisPB – Você conhece a coleção de arte africana que temos aqui no IHGP?

Mary Del Priore – Vocês têm uma biblioteca maravilhosa, uma coleção de arte africana que é um espetáculo, adoro João Pessoa, pra mim é uma cidade civilizadíssima.

MaisPB – “Tarsila uma vida doce-amarga” marca sua estreia na Editora José Olympio?

Mary Del Priore – Não, meu primeiro livro “Ao Sul do Corpo na Sexualidade no Brasil Colonial”, foi publicado pela José Olympio, minha tese de doutorado também. Eu gosto muito do Grupo Editorial Record.

MaisPB – Como veio a ideia de escrever a biografia de Tarsila do Amaral?

Mary Del Priore – Eu fiz um audiolivro para a empresa sueca Storytel e sugeri, como era o bicentenário da independência, o aniversário da Semana de 22, aí fiz a Tarsila. Me debrucei sobre um material de jornais que está todo na Biblioteca Nacional do Rio, ao alcance de qualquer historiador e que não tinha sido utilizado por nenhum biógrafo da Tarsila. A editora da José Olympio me pediu para comprar os direitos do texto e veio o livro impresso.

MaisPB – Seu livro deveria chegar às escolas públicas do Brasil, para que os estudantes conheçam Tarsila do Amaral, não apenas pela ótica do Abaporu?

Mary Del Priore – Eu concordo com você e tive muita dificuldade de achar bibliografia, porque não se escreveu sobre Tarsila. Tive dificuldade de entrevistar contemporâneos, que já morreram todos. Se Menotti Del Picchia, (membro da semana de 22)  estivesse vivo, ou Oswald (de Andrade), essa geração foi desaparecendo…

MaisPB – Esse povo vem da década de vinte, né

Mary Del Priore – A gente esquece mas Tarsila veio depois da abolição.

MaisPB – É verdade,  seu livro começa com a abolição…

Mary Del Priore – Sim, essa mulher era do império, durante a juventude ela estava no Brasil Império, ela passou pelo golpe republicano. Passeava com os pais pela Europa, mas é uma mulher do império, de uma família rural, extremamente conservadora e ainda diria: de uma formação religiosa arraigada, que do meu ponto de vista foi o que deu a essa mulher o poder de continuar sorrindo numa cadeira de rodas.

MaisPB – Quase nada sabemos da vida de Tarsila…

Mary Del Priore – Mas trabalhei com material que ninguém tinha trabalhado até então, isso é importante dizer – a imprensa me ajudou muito, o que ninguém tinha feito antes. Foi nessas fontes que eu consegui levantar informações e também pelo que soube através de uma sobrinha dela, que comercializa a obra da Tarsila –  ela tem o nome da tia e é chamada de Tarsilinha.

MaisPB – Se tinha a impressão de uma mulher rica, a Tarsila?

Mary Del Priore – Quando aparece aquele autoretrato dela, com o vestido vermelho do Jean Patou – todo mundo imagina a Tarsila, aquela mulher exuberante, sensual e rica. Não, ela perde tudo rapidamente. O pai não era milionário, era agricultor, tinha um pedaço da terra, não tinha a fortuna dos cafeicultores paulistas. Tarsila era apaixonada pelo Oswald (de Andrade). Ela não era bonita, nunca foi.

MaisPB – Mas o Oswald modela a Tarsila, né?

Mary Del Priore – Sim, ele exige que ela se arrume, compre roupas caras, ele dá ordens, – está no livro “não cometa gafes”. Ele quer que ela vá aos melhores costureiros, ele faz ela gastar uma nota. E essa mulher desaparece…

MaisPB – Aliás, dizem que Oswald de Andrade era mau caráter. Ele espalhava que o amigo Mário de Andrade era homossexual…

Mary Del Priore – Era sim, abominável, ele disseminava fofocas sobre todo mundo. Chegou a brigar com Drummond. Mas Tarsila nunca falou mal dele e chegou, mesmo separada, a ilustrar suas obras.

MaisPB – Chegou a chamar Mário de Andrade de Miss São Paulo…

Mary Del Priore – Esse cara era crapula. Você não lembra daquele momento em Belo Horizonte, quando Pedro Nava dizia quem sabia das coisas era o Mário? Essa passagem é importante. Marinete Prado, mulher do Paulo Prado pegava Oswald na mentira – ele dizia citações como se fossem suas e a Marinete Prado (que deu a ideia da Semana de Arte Moderna de 22)  o desmacarava  -eu citei lá no meu livro. Oswald tinha mania de aproveitar das ideias dos outros, mas ela (Marinete) sabia das mentiras de Oswald.

MaisPB – Tarsila viveu com um psiquiatra, não é?

Mary Del Priore – Sim, Osório César

MaisPB – Ela se envolveu na Ditadura de Vargas?

Mary Del Priore – Isso depois de ter sido presa, é quando ela volta da União Soviética, e conhece Osório César, depois de ter tomado um pé de Oswald de Andrade, que se apaixona pela Pagu (1910-1962, escritora, jornalista, produtora cultural e militante política brasileira) Tarsila  foi a primeira mulher brasileira a ser presa política no século XX) Aliás, ela se separa com um ano de casada, eu fiquei sabendo depois pela Maria Adelaide Amaral, o marido abandona ela  com um ano e uma criança nos braços e foge com a cunhada.

MaisPB – E tem as humilhações, né?

Mary Del Priore – Tarsila é uma mulher humilhada, teve quatro homens que a abandonam, o primeiro marido  que foge com  a cunhada, o Oswald que faz aquela palhaçada com Pagu, o Osório César quando eles voltam da União Soviética – os dois vão presos e a união ali se desfaz. O Osório era um homem sofisticado, de origem humilde, um melômano, ele conhecia de música clássica profundamente. Era muito engajado com o Partido Comunista. Ela passa dois meses presa urrando na cadeia, pedindo para o pai tirá-la dali – ela não se via como uma militante comunista.

MaisPB – Tarsila teve  a carreira como pintora aclamada?

Mary Del Priore – Não, muito pouco sucedida, ela  vai ser reconhecida depois que morre.  Quando ela está com Luiz Martins, a última relação dela, é que vai ser acusada de ser uma mulher que circulava nos meios mais abastados, junto com outras, para dedurar  para a ditadura do Getúlio.

MaisPb – Seu livro tem cento e poucas páginas, mas traz tudo…

Mary Del Priore – Não tem nada sobre ela, é impressionante, consegui muitas coisas nos jornais. Uma mulher que passou em branco, hoje todo mundo conhece a obra, mas não conhece a artista.

MaisPB – Ela morreu abandonada?

Mary Del Priore – Sim, muito sozinha. Ela deve o sucesso a Aracy Amaral, eu digo isso no livro, ela é reabilitada numa Bienal. Mas termina sozinha, numa cadeira de rodas, essa mulher que viajou muito,  complementante inutilizada, num bairro muito simples, perde a filha e vira uma pessoa mística.

MaisPB – Ela viveu tudo ao mesmo tempo?

Mary Del Priore  – Ela rompe com a  família numa São Paulo dos anos 30 e 40, rompe com o meio social, onde ela já era considerada uma artista,  rompe sempre. Quando casa com Oswald, (ele é visto como arrivista), um aproveitador, de péssima fama, e depois ela rompe novamente:  ela fica duas vezes desquitada. Vai viver com o nordestino, o Luiz Martins, que era conhecido como o homem da Tarsila. Ele não tinha nem nome. Os irmãos  dela ficaram furiosos e viravam as costas para ela nas ruas. Tarsila vai rompendo os grilhões, laços sociais – o que eu procuro mostrar no livro, é que ela não perde o sorriso. Ela se agarra no espiritismo e ao catolicismo, que foi sua formação inicial

MaisPB – O que ela ganhou com o catolicismo e o espiritismo?

Mary Del Priore – O espiritismo, o consolo de encontrar seus entes queridos e o catolicismo, (ela  sempre foi católica), recebia padres em casa para rezar missas e distribuía tanto para Chico Xavier quanto para o padre, os seus quadros.

MaisPB – E o quadro que ela pintou das crianças no orfanato?

Mary Del Priore – Eles moravam ao lado do Orfanato Romão Duarte , no Rio, que eu trabalhei lá. Ela pinta as crianças brincando no orfanato que ficava ao lado do apartamento onde ela morava com o Luiz.

MaisPB – Ela pintou Jesus, Maria…

Mary Del Priore – Muito. Pintou Jesus, Maria. Para sobreviver, ela pintou muita coisa – a pessoa chegava com um retrato da mãe, ela pintava. A pintura dela declina muito. Fez casais surrealistas na beira da praia. Ela estava apaixonada de novo, uma mulher velha apaixonada por um garoto.

MaisPB – Até onde Tarsila aguentou ser abandonada pelos homens?

Mary Del Priore – O último marido, Luiz Martins, ele a largou, pela segunda vez, com a sobrinha dela, que era viúva e tinha 25 anos. Um terror. As cartas dessa sobrinha para o Luiz (Martins) mostram que os dois estão estilhaçados. As cartas estão publicadas  – de Luiz Martins com a Ana Maria Martins. Ele ficou constrangido de deixar Tarsila.

MaisPB – Então, seu livro segue o caminho…

Mary Del Priore – Eu nunca posto nada, acho que livros, é como disse o editor Gallimard: “são como gotas que se transformam em rio e correm para o mar ou morrem na areia”. Eu acho que a biografia de Tarsila está correndo para o mar. Eu quero agradecer o que você falou, que muito  me honra e quero completar, que meu livro deve chegar às escolas brasileiras. Meu livro traz a superação, a história de uma mulher que consegue através da fé ver o mundo cor-de-rosa: a frase dela, sentada na cadeira – “eu vou chegar aos cem porque eu amo a vida”,  é uma declaração de amor à vida. Isso é muito bonito. Como é que ele engoliu tanto sapo e continuava sorrindo?

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