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Titular em Letras Clássicas, professor de Língua Latina, Literatura Latina e Literatura Grega da UFPB. Escritor, é membro da Academia Paraibana de Letras. E-mail: [email protected]

Nepotismo até quando?

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publicado em 16/03/2023 às 07h00
atualizado em 16/03/2023 às 11h25

Sou contra o nepotismo. Não importa de onde venha. Não importa se é nepotismo direto, indireto, cruzado ou descarado, prática constante no nosso país. O nepotismo é uma praga que já deveria ter sido extinta há muito tempo do mundo civilizado. E não se trata apenas do nepotismo da indicação de parente para cargo público, mas também daquele que permite o filho, a mulher, o primo, o sobrinho, o neto, o agregado, o papagaio e o cachorro entrarem para a política, escorados na carreira do papai e financiados pelo dinheiro público. Já disse várias vezes que continuamos a fazer política do modo errado. Persistimos na má política que, deliberadamente, confunde, no sentido literal do termo, o público com o privado. Não avançaremos enquanto esta mentalidade permanecer.

É sempre bom fazer um exercício de etimologia e lembrar que o termo nepotismo vem do latim nĕpōs, nepōtis, palavra da terceira declinação, que tanto pode significar “sobrinho” como “neto” ou, ainda, “os descendentes”. O termo latino é aparentado à palavra grega anepsiós (ἀνεψιός), com o sentido de “primo-irmão”. Há, no entanto, no latim, um emprego particular com o sentido de “dissipador de bens e de patrimônio”. Como se vê, a nossa língua-mãe nos dá as pistas do que realmente significa nepotismo, praticado às escâncaras na política brasileira.

Como não se trata de nenhuma novidade, um caso famoso de nepotismo foi, sem dúvida, o de César escolhendo Otaviano para ser seu sucessor, embora fosse prática consuetudinária, em Roma, a adoção de um sucessor, quando o poderoso de então não tinha filhos. Roma era ainda uma república, ainda que nos estertores, visto que César já tinha sido conduzido pelo povo à ditadura perpétua. Morto César, em 44 a. C., nos famosos idos de março (dia 15 de março), para a surpresa de Marco Antônio, que se acreditava seu sucessor político natural, o testamento de Divo Júlio, nomeava Otaviano, seu sobrinho-neto, tornado, em seguida, filho adotivo, seu herdeiro dos bens e do poder político.

A ascensão de Otaviano ao poder levaria a uma nova guerra civil em Roma, tendo por interregno o segundo triunvirato (43-33 a. C.), mas cujos embates só terminariam com a derrota de Marco Antônio, em Actium, em 31 a. C. Otaviano, por sua vez, tornar-se-ia, Otávio César e ganharia o título de Augusto, em 27 a. C. tornando-se o Princeps, primeiro homem do Senado e, portanto, de Roma. Não precisa dizer que a república vai desaparecendo e dando origem ao império. Mesmo que se possa dizer que o governo de Augusto tenha sido bom para Roma, as consequências do nepotismo são sempre ruinosas. Como não tinha filhos, Otávio fez de Tibério, filho de sua segunda esposa, Lívia, seu filho adotivo, que deu continuidade ao poder da Gens Júlio-Claudiana.

Com mil faces e nuances, o nepotismo é também um acinte, permitido pelo abuso de poder. Veja-se, por exemplo, o que ocorre na Roma de Calígula. Segundo Suetônio (Livro IV, Calígula, 55), o louco imperador (37-41 d. C.) tinha a intenção, não se sabe se a realizou, de indicar seu cavalo, Incitatus, ao senado. Com o andar da carruagem, sem trocadilhos, talvez cheguemos lá, pois não importa de onde parta ou de como se configure, o nepotismo jamais é compatível com os ideais republicanos, cujo fulcro é afastar de quem ocupa cargo ou função pública qualquer laivo de suspeição.

E o exemplo mais famoso de suspeição é o que nos traz Plutarco, na Vida de César (10,6). Pompeia, mulher de César, aceita a corte de Clódio, jovem intrépido, que se veste de mulher e penetra em sua casa, para vê-la e obter o que deseja. Depois de Clódio ser expulso, sem ter tido êxito na sua empreitada, Júlio César nega-se a testemunhar contra ele, alegando nada saber sobre a atitude ousada do possível amante da mulher. César, no entanto, não deixa de repudiá-la. Ao ser questionado sobre o aparente paradoxo, César responde que o repúdio se deu, pelo fato de que a sua mulher não deveria sequer ser objeto de suspeita. Em outras palavras, ninguém pode alegar honestidade se sequer aparenta ser honesto.

Nos meandros da vida republicana do Brasil sabemos não ser só honestidade que nos falta. Além dela, existe uma suspeição em abundância em todos os poderes, em que a prática odiosa e odienta do nepotismo reforça um privilégio, sequestra aos outros oportunidades legítimas e legais, fere de morte o princípio da equidade e, sobretudo, garante a submissão do beneficiado a quem o indicou, porta aberta para a corrupção e para a impunidade.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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