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Titular em Letras Clássicas, professor de Língua Latina, Literatura Latina e Literatura Grega da UFPB. Escritor, é membro da Academia Paraibana de Letras. E-mail: [email protected]

De Asnos, Cavalos e Leões

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publicado em 28/02/2023 às 14h51
Margaret Thatcher, British Conservative Prime Minister from 1979 to 1990, circa 1990. (Photo by Terry O'Neill/Hulton Archive/Getty Images)

Margareth Thatcher, (foto) em discurso histórico, afirmou não existir dinheiro do Estado. Governo algum tem dinheiro, todo dinheiro é captado das pessoas que pagam impostos, e se o governo quiser gastar mais, ou toma sua poupança emprestada ou aumenta os tributos. E não adianta pensar que alguém vai pagar esse dinheiro. Este alguém é você, contribuinte. O governo deveria, na realidade, gastar bem o dinheiro tomado com os impostos, promovendo o bem-estar de todos. Eis a verdade cruel.

O fato é que a palavra contribuinte tomou um rumo diferente da palavra contribuição, apesar de serem da mesma família etimológica. De imposto pago ao Estado, contribuição tomou um sentido figurado de “colaboração voluntária”. Já o termo contribuinte, apesar de ter um significado de “alguém que contribui”, no sentido mais próximo de “contribuição voluntária”, com o passar do tempo ficou marcado como o que se vê espoliado pelo Estado gastador.

Lembremos que, na sua origem, o verbo contribuircontribŭo, contribuĕre, derivado de tribŭo, tribuĕre, repartir o imposto entre as tribos, o chamado tributo (tributum) –, por conta da preposição com (cum), ganha o significado de reunir estes impostos em favor dos que governam.

Os Estados não podem se sustentar sem tributar os seus cidadãos. Do mesmo modo, os Estados não têm o direito de escorchar os contribuintes, com aumento de impostos, para gastar mal e à larga. Todo imposto deve voltar aos cidadãos como benefício na infraestrutura social, o que resulta na melhoria de vida da população como um todo. Não é o que vemos, pelo menos no Brasil, onde a prática do desvio público se alia à prodigalidade de um Estado malversador, que aposta naqueles incautos que acreditam ser o governo um distribuidor de dinheiro, capaz de dar alguma coisa a alguém, que não seja tirado do bolso do próprio incauto.

Victor Hugo, bem antes de Margareth Thatcher, em O homem que ri (1869), dizia com grande ironia o que a primeira-ministra inglesa disse de maneira dura e sem meias palavras. Talvez, por ser um romance, talvez por acreditar na máxima castigat ridendo mores, o autor de Os Miseráveis preferiu a mordacidade, porque o riso público fere mais do que a chibata. Vejamos o trecho, em tradução nossa (Segunda Parte, “Por ordem do Rei”, Livro Primeiro, Capítulo V, subcapitulo III):

“Um hábito idiota que os povos têm é de atribuir ao rei o que eles fazem. Eles guerreiam. De quem é a glória? do rei. Eles pagam. Quem é magnífico? o rei. E o povo o ama por ele ser tão rico. O rei recebe dos pobres um escudo e devolve aos pobres um centavo. Como ele é generoso!

[…]

A estátua equestre, reservada somente aos reis, figura muito bem a realeza; o cavalo é o povo. Só que este cavalo se transfigura lentamente. No começo é um asno, no fim é um leão. Então, ele joga por terra o seu cavaleiro, e temos 1642, na Inglaterra, e 1789, na França; e algumas vezes, ele o devora, e temos 1649, na Inglaterra, e 1793, na França.”

O termo escudo (écu) é uma antiga moeda de ouro ou de prata, que chegou a valer três libras ou cinco francos, o que representava, na época, muito dinheiro. Já o que traduzimos por centavo (liard) valia, na realidade, três quartos de um centavo. No original, evidentemente, o texto fica mais forte, apontando o desequilíbrio da balança entre o que o Estado arrecada e o que ele devolve à população.

Igualmente, podemos ver uma referência à revolução na Inglaterra, em 1642, o chamado Commonwealth republicano, que incluía a Irlanda e a Escócia, encabeçada por Oliver Cromwell, que determinou a decapitação do rei Charles I, em 1649. Vemos também a referência à revolução francesa, em 1789, que, em 1793, guilhotinou Luís XVI, rei de França, dando início ao período do Terror (1793-1795).

Os cavalos não só teriam jogado por terra os seus cavaleiros, como também haviam se transformado em leões, devorando-os. Nesta história toda, enquanto os apaniguados da “realeza”, leia-se república de mentira, se inebriam com o que vem do erário para encher as suas burras, a população complacente, leniente e conivente, encontra-se na condição do asno, levando nas costas o obeso Estado, em troca de alguma pouca palha de milho,

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