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Entrevista: Vinícius Cantuária e Zeca Baleiro lançam “Naus”

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publicado em 13/08/2022 às 13h14
atualizado em 14/08/2022 às 06h17

Kubitschek Pinheiro MaisPB

Fotos – Simone Kontraluz

A parceria dos cantores e compositores Vinícius Cantuária e Zeca Baleiro é o encontro da arte,  e teve início meses antes da pandemia, que se estendeu durante os meses de isolamento. O resultado é o primoroso álbum “Naus”, que está nas plataformas digitais.  

Naus” traz 11 faixas assinadas pela dupla e foi sinalizado durante um encontro dos artistas no Aeroporto de Santos Dumont, no Rio de Janeiro, seguido de bate-papo durante o voo. Vinícius Cantuária, 71 anos, e Zeca Baleiro, 56, haviam se visto somente uma vez.

Naus” seguiu o itinerário dos artistas, que em setembro de 2021, se encontraram no estúdio Sonastério, (selo) em Nova Lima, em Belo Horizonte, onde deram início às gravações. A produção é de Walter Costa, amigo dos dois, que já havia sugerido a Cantuária fazer um trabalho com Baleiro.

Um álbum de canções, com letras belas, vocais e instrumentação (violões, guitarras, baixos, percussões, de uma  sonoridade ampla, tem o samba (“Chuva na Guanabara”), música latina “Flores de Inverno”, e a bossa (“Alma Bossa Nova”).

Chuva na Guanabara” é uma poesia em formato de crônica, uma das marcas da produção poética de Baleiro. Aqui, os citados são Gilberto Gil e a percussionista Lanlan, (que esteve no palco do Vivo Rio, se apresentando no show de aniversário de Maria Bethânia, em junho passado), além de uma percussão vocal que nos remete a Naná Vasconcelos.

 O álbum contou com participações de Flávio Venturini, que gravou órgão em “O dia em que Jeremias Vaqueiro viu o mar pela primeira vez”. “Tenho uma ligação profunda com ele. Na primeira vez na vida que fui a Belo Horizonte, uns 40 anos atrás, fui defender uma música em um festival. Por acaso, ela era do Flávio, que estava no festival também. Anos depois ele entrou para a banda que fundei (O Terço, em que integrou a primeira formação, como baterista)”, lembra Cantuária.

Também de BH, e há muitos anos colaborando com Baleiro, Rogério Delayon gravou as guitarras de “Sol da Beleza”, que conta ainda com o baixo de Dadi, o, Leõazinho da canção de Caetano Veloso. Radicado desde os anos 1990 nos Estados Unidos, Cantuária convidou Ryuichi Sakamoto, com quem já trabalhou lá fora, para registrar o piano da faixa-título.

O MaisPB conversou com os dois que mostram o quanto o disco “Naus” é necessário, clássico, ao homenagear em “Alma Bossa Nova” Jobim, Carlos Lyra, João Gilberto, além de”Sol da Beleza”, “Carona”, “Flor do Beijo” e “Retirada”, entre outros

Vinícius Cantuária

MaisPB – Tão bonito esse disco e é triste, já que ainda estamos enfrentando atropelos desde o confinamento da Covid 19. . Como aconteceu essa parceria fundamental para a música brasileira?

Vinícius Cantuária  – Esse disco é muito interessante, um encontro muito musical e poético entre eu e o Zeca. Esse encontro se deu de uma forma muito inusitada, no aeroporto Santos Dumont. Durante a viagem conversamos um pouco, trocamos telefone e aquele clássico – vamos fazer uma música? Quando você encontra um músico ou alguém que você admira, pela primeira vez, sempre tem aquela troca de contatos e a promessa de fazer música. Só que dessa vez levamos a sério. Eu liguei pro Zeca, mandei uma música pra ele, que logo em seguida me mandou a letra. Mandei outras músicas, ele também e a gente formou esse repertório. Assim surgiu a nossa parceria. E tem uma pessoa por trás disso também, Walter Costa, engenheiro de som que produz discos de Zeca e com quem já gravei várias vezes. Durante muitos anos Walter falou comigo e com Zeca, ele sempre dizia “você e Zeca tem tudo a ver”. Essa parceria passa muito por aí também. Walter, lá atrás, cantou essa pedra. 

MaisPB – Você fez as músicas…

Vinícius Cantuária  –  Basicamente, eu fiz as músicas e Zeca escreveu as letras. Duas pequenas exceções, em “Chuva na Guanabara” – eu já tinha o início da música e um pedacinho da letra “caía uma chuva insana / do céu da Guanabara”. Zeca pegou esse mote, fez uma segunda parte da música e acabou a letra. E “Relento” – eu já tinha toda a música pronta e o comecinho dela “viajante solitário na curva do tempo”.

MaisPB – “Alma Bossa Nova” é sua cara. Linda canção que homenageia Jobim, Carlos Lyra e João Gilberto. Vamos falar dessa canção?

Vinícius Cantuária – Essa música realmente é linda. Eu adoro. Eu fiz essa música quando a gente já estava trabalhando. Então, é uma música muito inspirada no nosso próprio trabalho juntos e Zeca colocou Jobim, Carlos Lyra, João Gilberto, que é a turma que eu amo na música do Brasil. Zeca foi muito feliz em colocar os nomes dessas pessoas, teve essa sensibilidade. A gente conversa sobre a música brasileira, sobre quem a gente gosta… É uma combinação muito bonita entre música e letra.

MaisPB – Vocês só se conheceram em 2019, casualmente, no aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro. Trocaram telefones e a partir daí a parceria se consolidou. É assim que as amizades e parcerias acontecem. Valeu, né?

Vinícius Cantuária Foi exatamente isso. As amizades e parcerias acontecem, o que é muito legal. E nesse caso mais ainda, porque a gente fez essas músicas todas, fizemos esse trabalho e continuamos fazendo música e ainda vamos fazer muitas coisas juntos.

MaisPB– “Flores de Invierno” sexta faixa – é o diferencial desse disco?

Vinícius Cantuária  – É uma canção realmente linda, que Zeca escreveu em espanhol por gostar da sonoridade da língua. Eu concordei e ficou muito interessante. Fica diferente dentro do disco, até por ser em outra língua, mas tem tudo a ver. Ela faz parte dessa produção e é uma das que a gente curte muito.

MaisPB –  Sua arte está na voz de muitos Fagner, Gal Costa, Evandro Mesquita, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Simone, Fábio Jr., Chico Buarque, Tim Maia, Capital Inicial, Jussara Silveira e Elba Ramalho. Vamos falar dessa alegria?

Vinícius Cantuária  – Realmente é uma grande alegria pra mim, porque eu sou músico, instrumentista, cantor, mas eu sou mesmo é compositor. Eu gosto de compor, fico com meu instrumento, com o violão, às vezes no piano… basicamente, eu vivo para fazer música. E fico mais feliz de ter todo esse pessoal que você falou e mais alguns ainda, que gostam e gravaram minhas músicas. Realmente é uma super alegria.

MaisPB- Caetano gravou “Lua e Estrela” em 1981 e ali você já despontava. Aliás, você já tocou em shows com ele, participa de Meu Coco, o disco dele, gostou? Pode comentar?

Vinícius Cantuária – Eu tenho uma ligação muito forte com o Caetano. São anos de amizade, de música, de parceria e ele gravou “Lua e Estrela”. A partir desse momento tudo mudou pra mim, porque me colocou numa posição que eu já vinha batalhando e a projeção que essa música teve abriu as portas para mim. As gravadoras, o meio artístico me reconheceu como compositor. É de uma importância vital pra mim. Também fiquei muito feliz de ter participado de “Meu Coco”. Caetano sabia que eu estava no Brasil, me convidou e obviamente eu fui e participei de duas gravações. Caetano é simplesmente o máximo, pra mim e pro Brasil inteiro. Salve Caetano Veloso! “Lua Estrela” foi um grande presente na minha vida.

MaisPB – Quem é a menina do anel?

Vinícius Cantuária – Eu sempre falo que essa é uma história muito simples e verdadeira. Eu ainda não tocava com Caetano e morava na casa do Arnaldo Brandão, que na época tocava com os Doces Bárbaros – aquele encontro de Gal, Caetano, Gil e Bethânia. Um sábado, Arnaldo me avisou que depois do show no Canecão ia ter uma festa, que ele iria com a Claudinha (sua esposa na época) e me pediram para tomar conta do filho pequeno, o Rodrigo (que hoje é um músico incrível e toca na banda Leela). Quando eles chegaram, quase de manhã, eu fui pra praia… a gente morava no Leblon e fui andando até o Arpoador. Chegando lá tinha pouca gente e tinha uma menina a alguns metros de mim, que eu não conhecia, mas era incrível… todo mundo que chegava na praia, eu conhecia e ela também. A gente acabou se aproximando por causa disso. Eu me lembro que ela foi dar um mergulho, eu estava indo também, e quando ela mergulhou eu vi que brilhou alguma coisa no dedo dela. Eu cheguei mais perto e vi que era um anel de lua e estrela. Eu não sabia quem era ela, continuei não sabendo e voltei pra casa andando com aquela coisa na cabeça… “menina do anel de lua e estrela”. Como eu não a conhecia… “quem é você? qual o seu nome?”. Aí eu cheguei em casa, peguei o violão e a música saiu toda… música e letra. Essa é a verdadeira história da menina do anel de lua e estrela. Anos depois, eu estava fazendo um show solo na Bahia, estava no restaurante do hotel e de repente apareceu uma menina. Quando eu olhei era ela, a gente conversou e finalmente eu a conheci.

MaisPB – A 8ª faixa “Chuva na Guanabara” parece um samba antigo, que vai de Oxum Maré e Iansã, Lanlan e Gilberto Gil e ainda passa por Manaus, onde você nasceu. Vamos falar dessa boa sacada?

 Vinícius Cantuária  –Chuva na Guanabara”, como eu já tinha falado anteriormente, foi uma das músicas que eu já tinha uma introdução e um pedaço da música. Aí entra o lance da parceria. Zeca sacou a ideia, fez uma segunda parte da música e ainda colocou todas essas citações que você comentou. Eu curti muito. Salve nossa parceria!

MaisPB – Desde 1994 divide-se entre o Rio e Nova York, onde gravou com David Byrne, Sean Lennon, Angelique Kidjo, Bill Frisell, Naná Vasconcelos, Ryuichi – Vamos falar desse tempo e produção?

Vinícius Cantuária – Sim, a partir de 1994 eu mudei pros Estados Unidos e fiquei exclusivamente lá por mais de 20 anos. Agora divido meu tempo entre Rio e Nova Iorque porque tenho trabalho nos dois lugares. Essas parcerias são maravilhosas e eu mantive o nível das parcerias que eu tinha aqui, lá fora também. É um tempo muito rico pra mim, pra minha música e pra música brasileira. Sou um dos representantes da música do Brasil, viajo o mundo inteiro, já fui no Japão 18 vezes, vou pra Europa toda hora, toco na Austrália, em Singapura… toco no mundo. O fato de eu ir morar nos Estados Unidos colocou o meu trabalho de uma maneira muito legal fora do Brasil. Foi super importante, corajoso da minha parte, vale a pena e eu adoro fazer a música que eu faço e essa música ter uma aceitação lá fora, as pessoas gostarem do meu trabalho… isso é muito gratificante pra mim.

MaisPB – É tão bonito você cantando Jobim. Diz aí?

Vinícius Cantuária – Um dos discos que gravei lá fora é “Vinícius canta Tom”, uma homenagem ao Tom. Eu tenho feito bastante esse show fora do Brasil e é um acontecimento. É um show só de voz e violão, eu toco em teatros lindos, lugares de shows incríveis e as pessoas fazem um silêncio…. e adoram. A música do Jobim, por si só, já é uma beleza. Então, eu subo no palco com meu violão e canto, toco e as pessoas adoram. Eu também tive o prazer de conhecer o maestro de perto e isso me encanta… E fico feliz de ser um dos músicos no mundo que dá continuidade, que a música do Jobim vai ficar aí para sempre. Eu adoro, por isso é tão bonito.

MaisPB– Vocês vão cantar “Naus” pelo país afora?

Vinícius Cantuária  –Claro! Nosso objetivo é que “Naus” saia navegando pelos palcos brasileiros. E vai ser lindo, porque eu e Zeca vamos cantar canções de “Naus” e também de nossos repertórios, que as pessoas já conhecem. A gente vai entregar nosso coração, nossa música e “Naus” vai navegar pelo Brasil e, quiçá, pelo mundo.

Zeca Baleiro

MaisPB – “Naus” nasceu na pandemia, mas já existia essa conexão entre vocês, a sua admiração pela arte de Vinicius Cantuária?

Zeca Baleiro– Não nos conhecíamos. Eu sou fã do Vinícius desde o início de sua carreira. Já ele, conheceu meu trabalho através do Walter Costa, produtor e amigo comum.

MaisPB – Como começou o projeto, você fez uma canção, ele outra e foram formando o disco?

Zeca Baleiro– Nos encontramos em 2019 no Aeroporto Santos Dumont no Rio, trocamos contatos e começamos a compor. Ele mandava melodias, trechos de letras, eu também enviava a ele e fomos costurando tudo juntos. 

MaisPB – A canção que abre o disco, “Relento”, conta a história  de um homem triste, mas livre, que busca se acalentar com o amor. Foi uma das primeiras?

Zeca Baleiro – Foi a primeira que nasceu, e foi composta meses antes da pandemia. Ele tinha o primeiro verso e a melodia. Eu completei a letra e dei meus toques na melodia, arranjo etc. Mas tudo foi feito a quatro mãos. “Relento” é uma música sobre a solidão, mas uma solidão altiva, bem resolvida, sem autocomiseração.

MaisPB –  A segunda faixa, “Sol da Beleza” , traz outra batida, define bem essa parceria que mistura signos e exalta o amor, o fim das trevas, é tão bonita. Vamos falar dessa canção?

Zeca Baleiro⁃ “Sol da Beleza” é um hino solar. É uma exaltação ao amor, à música, às coisas positivas e boas da vida. É um contraponto a este tempo de trevas que estamos vivendo no Brasil e no mundo, de uma confusa adesão a posturas neofascistas, que são a negação de todos os valores civilizatórios e humanistas nos quais acreditamos.

 MaisPB –   Muitos músicos abrilhantam o disco  – Ryuichi Sakamoto (piano em “Naus”), Sacha Amback (piano e synths em “Alma Bossa Nova”), Dadi e Rogério Delayon (baixo e guitarra em “Sol da Beleza”), Swami Jr. e Bebê Kramer (violão 7 cordas e acordeon em “Chuva na Guanabara”), Tiquinho (trombones em “Flor do Beijo”) e Cosme Vieira (acordeon em “Carona”). Flávio Venturini,  parceiro seu, Baleiro, toca órgão em O Dia em que Jeremias Vaqueiro viu o mar pela primeira vez”  Vale a pena agradecer, né?

Zeca Baleiro⁃ Vale muito rs. Foram muitas participações incríveis e luxuosas. Flávio é meu parceiro e amigo e contemporâneo do Vinícius. Ambos tocaram n’O Terço, uma das bandas mais importantes do rock nacional. É um craque e um amigo muito querido.

 MaisPB – Vocês produziram 14 canções, três ficaram de fora?

Zeca Baleiro⁃ Compusemos 14, mas produzimos 11 apenas. Não queríamos um disco longo, prolixo, mas nada impede que venhamos a gravar essas três e outras, que certamente virão.

 MaisPB – Naus é um tratado geográfico, mas o amor é o tom, sempre o amor, né?

Zeca Baleiro ⁃ Sim, o amor, o sonho de igualdade, a saudade, a ode às origens, a celebração da amizade, a fé num mundo mais amoroso e colaborativo, a dor e a glória do amor, “Naus” é isso tudo , disse o artista rindo

MaisPB – Jeremias Vaqueiro é um clássico, poderia até ser o roteiro de um curta. O que acha?

Zeca Baleiro⁃ Olha, interessante! rs. O título entrega tudo, né? Eu adoro essa, é das minhas preferidas, é muito poética. E a “cena” é muito bonita, acho, de um homem sertanejo que vê o mar pela primeira vez.

MaisPB – Aliás, na canção “Carona”, vocês deixam no ar – onde essa vida doida vai dar?

Zeca Baleiro– Rapaz, eu não tenho a menor ideia. Prefiro seguir vivendo e fazendo música, até onde for possível.

Assista aqui o clipe de Retirada

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