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Dori Caymmi e Mônica Salmaso lançam “Canto Sedutor” em homenagem ao Brasil

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publicado em 02/07/2022 às 12h09
atualizado em 02/07/2022 às 15h17

Kubitschek Pinheiro – MaisPB

Fotos Lorena Diniz

“Canto Sedutor” é um grande disco de Dori Caymmi e Mônica Salmaso. O registro está nas plataformas e físico com selo da Biscoito Fino. Esse é o quinto álbum de Dori só com músicas de Paulo César Pinheiro.

Dessa vez, as canções são acompanhadas pelo canto de Mônica Salmaso – algumas inéditas, a que dá nome ao disco, Raça Morena e Água do Rio Doce. O show de estreia de Dori e Mônica Salmaso aconteceu em junho, no Sesc Pinheiros.

São 14 faixas, todas parcerias de Dori e Pinheiro, com os clássicos: Velho Piano, Desenredo, Estrela de Terra e História Antiga. Por fim, os dois se debruçam sobre a safra mais recente Vereda’, Voz de Mágoa, Delicadeza, Quebra-Mar e À toa, além de composições que nasceram instrumentais e foram posteriormente letradas, como O Passo da Dança’ e Flauta, Sanfona e Viola.

Essa novidade chega “ao Brasil chão”, lembra Dori Caymmi. A música de Dori se fez à feição desse Brasil. A de Pinheiro também. A parceria entre eles chega aos 53 anos, e é impregnada de gêneros musicais como toada, baião, frevo e samba-canção.

Foi de Mônica a ideia do álbum. A coragem, segundo a cantora, apareceu depois que ela convidou o compositor para participar da série “Ô de Casas”, publicada em seu perfil no Instagram, durante a pandemia. Mônica cantou, a distância, com inúmeros convidados. Só com Dori, foram quatro duetos. Tinha que nascer um disco. O encontro de Dori e Mônica celebra a admiração mútua que nutrem um pelo outro.

A direção musical é assinada por ambos em companhia do músico Teco Cardoso, marido de Mônica, que trabalhou com Dori nos Estados Unidos nos anos 1990. Com eles, estão os músicos Tiago Costa (piano), Sidiel Vieira (baixo acústico), Neymar Dias (viola caipira), Lulinha Alencar (acordeom), Bré Rosário (percussão) e o Duo Imaginário, formado por Adriana Holtz e Vana Bock (cellos). As cordas, escritas por Dori, foram executadas pela St. Petersburg Studio Orchestra.

A capa do disco é uma xilogravura do artista pernambucano Marcelo Soares, um dos mais significativos poetas cordelistas da atualidade.  Natural de Olinda, Marcelo veio morar em João Pessoa, depois que os dois filhos passaram no vestibular para a Universidade Federal da Paraíba. A artista gráfica carioca Ruth Freihof, que faz as capas dos álbuns de Mônica, fez uma releitura da arte de Marcelo Soares, que aparece no encarte original.

Com Chico Buarque

Mônica Salmaso vai cantar em João Pessoa, nos dias 6 e 7 de setembro próximo na turnê ‘Que tal um samba? de Chico Buarque, que estreia nacionalmente no Teatro Pedra do Reino. Mônica fará números solo e em dueto em todas as apresentações da turnê.

Os artistas conversaram com o MaisPB e revelam essa ligação, o elo da humana música. Mônica agradece e Dori a coloca num pedestal.

MaisPB – Como aconteceu esse disco?

Mônica Salmaso – A coragem nasceu do projeto “Ô de Casa”, mas a vontade já existe há muitos anos. Eu sou fã do Dori. Quando descobri Dori Caymmi ele já morava em Los Angeles e não era fácil achar os discos solo dele. Uma história liga a outra, é que nesse tempo, o Teco Cardoso (flautista marido dela) morava em Los Angeles também e quando chegou à cidade para trabalhar, o Dori foi incrível com Teco. Sabe aquela pessoa que abraça o outro que está chegando de fora? Dori é uma delas e logo começaram a tocar juntos.

MaisPB – E o encontro com Teco Cardoso, seu marido?

Mônica Salmaso – A primeira vez que o vi o Teco tocar foi num concerto de Dori com a Orquestra Jazz Sinfônica, no Memorial da América Latina, em São Paulo, no início da década de 90. Eu trabalhei durante anos com Teco, fizemos parte do mesmo grupo Orquestra Popular de Câmara e por aí aconteceu essa mudança de rota e veio o amor. É curioso, porque o Teco estava com Dori em Los Angeles e eu nem sabia.

MaisPB – Seu encontro com Dori Caymmi já estava marcado, né?

Mônica Salmaso – Eu tinha e tenho essa adoração. Eu tinha uma adoração anterior nessa árvore, pelo pai dele, Dorival Caymmi. Eu já falei mil vezes que tem duas estruturas iniciais na minha formação não só musical, mas também emocional – Dorival Caymmi e Chico Buarque. São os compositores que eu ouço desde que nasci. Quando eu descobri o Dori, eu me apaixonei completamente pela música dele.

MaisPB – Mas como aconteceu a participação dele no Projeto “Ô de Casa”?

Mônica Salmaso – Mostrei uns vídeos para ele e convidei para participar, mas disse logo, que não tinha nenhuma intimidade com esse negócio de celular. Até que o convidei outras vezes e ele topou. Ele é uma referência. Quando chamei os músicos, eles tiveram uma noção do grande Dori Caymmi. Acho que ele não sabe da importância que tem na formação dos músicos brasileiros. Dori é um presente na vida da gente.

MaisPB – Ele está sempre envolvido com o trabalho, né?

Mônica Salmaso – Ele é o soldado da música. Ele está sempre trabalhando. Ele é do ofício da música.

MaisPB – A canção que dá nome ao disco Canto Sedutor, é inédita?

Mônica Salmaso – Sim, Canto Sedutor, e tem  A Água do Rio Doce que fala da tragédia de Brumadinho, e a terceira Raça Morena.

MaisPB – O bom é que vocês cantam juntos?

Mônica Salmaso – Isso é fundamental. Eu falei pra ele, que eu só ia cantar se ele cantasse. Sem a menor chance de ele não cantar. Esse não é um disco meu, é um disco do nosso encontro.

MaisPB – É um casamento das vozes?

Mônica Salmaso – Eu falo que ele cantando é a voz de um pai, ele pega a música com a mão, oferece e o coração esquenta na mesma hora.

MaisPB – A sensação é que ele deu esse disco a você?

Mônica Salmaso – Por mim ele cantaria o disco todo comigo, mas ele dizia: “eu vou cantar só um pouquinho”. Ele pode ter cantando menos, mas esteve em todos os arranjos, toca em todas as músicas. Ele concebeu o disco e foi totalmente aberto e chegou pra mim e disse: “você escolhe o quer cantar. Isso é com você”. Meu marido Teco fez a produção musical. Passamos os cinco dias mais felizes da minha vida, gravando esse disco com Dori Caymmi.

MaisPB – Vamos falar da canção Rio Doce, que retrata a tragédia de Brumadinho, (Minas) que teve repercussão mundial?

Mônica Salmaso – O governo é responsável por isso, todas essas tragédias. Como é pode a gente assistir a montanhas serem engolidas pela mineração? Cria-se uma situação onde a natureza se desequilibra e a gente sabe disso. Todo ano tem uma tragédia. O valor da nossa vida não é nada para os políticos. O planeta é nossa casa, nós temos filhos, teremos netos. E vão precisar do planeta para viver. Essa música diz tudo, que a água do rio tem medo de gente…

MaisPB – E o frevo O Passo da Dança?

Mônica Salmaso – Essa música o Dori gravou primeiro instrumental e “Flauta, Sanfona e Viola” . Mas também com letra, bem depois do tema. É um desafio maravilhoso.

MaisPB – A capa é uma xilogravura do artista gráfico pernambucano, Marcelo Soares?

Mônica Salmaso – É de Marcelo Soares, sim. Ele é pernambucano e mora há anos na Paraíba. A capa é feita sobre uma xilogravura (foto) que está dentro do projeto gráfico. A artista carioca Ruth Freihof, que faz meus discos, fez essa bela releitura. Eu gostei muito.

Dori Caymmi

MaisPB – Que disco, hein Dori?

Dori Caymmi – Pois é. Ela me convidou e eu gostei. As pessoas mais jovens têm projetos bons na cabeça. Ela é maravilhosa. O Teco Cardoso que é marido dela, bom músico e tocou muito comigo em Los Angeles. Somos amigos há mais de trinta anos. Eles acharam os músicos em São Paulo e fui pra lá, no estúdio, (no estúdio Monteverdi) fomos mudando o formato. Ela disse que eu ia cantar e cantei, não muito, acho que canto numas oito canções.

MaisPB – Poesia, prosa e melodia se agigantam nesse álbum?

Dori Caymmi – Sim, primeiro pelo meu parceiro que é o compositor Paulo César Pinheiro. Ele é um brasileiro que como poucos. Ele escreve como o pernambucano, o paraibano, o carioca. É impressionante a beleza das palavras de Paulo César Caymmi.

MaisPB – O disco lembra as canções de seu pai?

Dori Caymmi – São as influências que a gente tem. As minhas influências estão nesse disco, a minha influência primeiro vem de meu pai, depois da geografia brasileira, das coisas que eu conheci, a música brasileira, do Ary Barroso, do Braguinha, do Noel Rosa e do Villa-Lobos. Quando eu encontrei a letra de Paulo César Pinheiro, vi logo – esse escreve o Brasil, como se ele tivesse nascido em todos os estados. Ele é gênio escrevendo.

MaisPB – Algumas canções que estão em Cantor Sedutor, você já tinha gravado, né?

Dori Caymmi – Eu já tinha gravado quase todas. Quando meus pais morreram, eu comecei a sentir dificuldades e até tristeza de pegar no violão para cantar e fazer música, até para passar para Paulo César colocar letra. Esse lado meu começou a desaparecer e só foi reaparecer nas letras bem depois.

MaisPB – Vamos falar da canção  A Água do Rio Doce?

Dori Caymmi – Sim, a letra é magnífica. A água do rio tem medo de gente, é uma pancada, viu? Muito boa a sacada de Paulinho.

MaisPB – Cantor Sedutor, aparece como inédita no disco?

Dori Caymmi – Ninguém gravou não, é a primeira gravação dela.

MaisPB – Você participa de quase todas, né?

Dori Caymmi – Eu fiz todos os arranjos, eu cantei em algumas.

MaisPB – E a canção Desenredo 9ª faixa, fala em Minas?

Dori Caymmi – Essa canção nos leva para longe. Primeiro lugar dessa coisa toda. A Mônica me chamou e por sorte eu não sei se teria participado dessa maneira, com uma cantora se não fosse ela, como eu me esforcei pra fazer. Eu já estou cansado, vou fazer 79 anos. Eu sou fã da voz dela, é uma grande cantora, pra mim dessa geração, ela é a maior. Mônica está entre as grandes Bethânia, Nara, Nana e Elis. Mônica impressiona e eu não estava nada impressionado com ninguém no Brasil. Ela é musical, trabalhamos na melhor maneira de cantar, a interpretação da canção antiga, respirar e cantar. Mônica é uma voz sem fim.

MaisPB – E ela arrebenta nesse trabalho, né Dori?

Dori Caymmi – Sim, eu fiquei maravilhado do jeito que ela entendeu meu trabalho. Ela canta todos os estilos, e isso é impressionante. Eu sempre digo para ela, que tem que subir e ser maior, prestigiada por Chico Buarque, Edu Lobo e por mim.

MaisPB – Vamos falar da canção Quebra-Mar, a sétima faixa?

Dori Caymmi- Quebra-Mar, ela canta sozinha, eu ficava olhando. Tem coisa muito bonita como Raça Morena. Também Água do Rio Doce e Canto Sedutor, tudo ela canta muito bem. E ela quis gravar coisas antigas como Desenredo, que eu fiz faz tempo.

MaisPB – Você tem uma ligação com Minas Gerais?

Dori Caymmi – Eu tenho um lado mineiro, minha mãe era mineira, estudei em Minas num colégio interno, em Cataguases. Minha mãe cantava no rádio, com Laurindo de Almeida, o Garoto. (violinista e compositor brasileiro)

MaisPB – Fala mais de seu pai?

Dori Caymmi – Tem uma cena que ele me contou, que chegou na rádio com Carmen Miranda, ela tinha uma hora de programa e mamãe estava cantando antes. Ela disse: “bota 15 minutos a mais pra essa moça, que é boa demais”. Meu pai ficou doido e acabou se casando com ela, dona Stela, mas aí ela parou de cantar.

MaisPB – Tem duas canções que você tinha gravado instrumental, Passo da Dança, Flauta e Sanfona e Viola e agora apareceram as letras…

Dori Caymmi – São músicas mais antigas. Paulinho escreve tão nordestino, parece que ele é paraibano, o pai dele nasceu na Paraíba. A família da mulher dele (Luciana) Rabello, é também da Paraíba. Letras muito bonitas.

MaisPB – As letras chegam antes das melodias?

Dori Caymmi – Quando chegam eu me apaixono na hora. Eu por sorte tenho o dom de acertar musicalmente algumas letras dele.

MaisPB – E o Brasil que você gosta?

Dori Caymmi – Ah! Eu não sou um conservador, sou um amante do Brasil, o Brasil eu gosto que é teatral, literário, musical. Esse disco é extremamente brasileiro. É esse Brasil que vem da tradição de uma música popular do nosso país, a música brasileira, que vem da geração do Ary (Barroso), do Noel (Rosa), do Pixinguinha, que vem da Chiquinha Gonzaga, que vem de tanta gente. Brasil é de uma importância geográfica linda, mas estou vendo que a política maltratou o país esse tempo todo, desde quando era Distrito Federal lá no Rio de Janeiro. Os governos sempre maltratam os pobres”.

MaisPB – Vereda, a terceira faixa, é a cara dos mares do Nordeste?

Dori Caymmi – É o Nordeste. Eu tenho no sangue o Nordeste, a Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro e, por sorte minha, essa parceria fala como quem vem dos rincões do Brasil. Eu já conhecia ele (Paulo César Pinheiro) desde 1969. Eu já o conhecia da música com Baden Powell, eles têm uns sambas lindos, que Elis gravou. Quando eu ouvi o nome de Paulo César Pinheiro, ele estava com 13 anos e já tinha composto Viagem, que Marisa Gata Mansa gravou. Aquela: “ô tristeza me desculpe, estou de malas prontas… (Cantarola Dori ao telefone)

MaisPB – Você viu o anúncio da última turnê de Milton Nascimento?

Dori Caymmi – Eu li. Ele está com problemas de saúde. Eu sei que a contribuição de Milton Nascimento para a música brasileira é formidável. Sou fanático pelo Milton. Quem tem saúde boa, graças a Deus, é o Caetano Veloso. Ele tem um irmão adorável, o Rodrigo. Papai falou pra Rodrigo e pra mim: “que beleza, o Caetano não envelhece nunca”. Eu já estou andando mal. Sem falar das raivas que as pessoas têm das outras, umas da direita, outras da esquerda. Tem as agressões contra a cultura. Eu nunca pensei que eu antes de morrer, fosse ver essas coisas.

 Escutem aqui  Desenredo | Dori Caymmi e Mônica Salmaso

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