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Clara Velloso Borges é escritora, professora de literatura e mestranda em Estudos Literários pela Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: [email protected]

 

Vacina para expectativas

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publicado em 03/06/2022 às 07h56

Dois anos após os primeiros sintomas da pandemia de Covid-19, as narrativas literárias que envolvem doenças parecem até enfadonhas. Nem precisam ser epidêmicas: a mistura de relato pessoal e estudo que Eula Biss faz no livro Imunidade era tão cabível em março de 2020 que a editora Todavia disponibilizou o e-book gratuitamente. Na obra, a autora, que não é profissional da área, propõe reflexões sobre saúde, a partir de pesquisas que fez para de melhor proteger seu filho recém-nascido. Entretanto, hoje, é exaustivo acompanhar a jornada de quem chega a questionar a vacinação.

Só os escritores de maior talento conseguem não esgotar um tema. Philip Roth, em Nêmesis, livro publicado em 2010, não precisa de muito: o livro é curto e a prosa é direta. Em cerca de 180 páginas, nos situa em uma epidemia de poliomielite em uma comunidade judaica durante a 2ª Guerra Mundial. O protagonista, Bucky Cantor, é um professor de Educação Física para crianças que queria mesmo era estar na guerra, mas sua estatura e miopia impediram o alistamento.

Indo além da pólio, Nêmesis é um livro sobre o que se sente durante um surto viral. Os pais das crianças que morrem de pólio são tomados por uma tristeza profunda. Bucky é tomado por culpa: por não servir ao exército, por ver seus alunos morrerem, por não saber o que fazer. Não que pudesse fazer muito: Cantor não trabalha na Secretaria de Saúde, como muitos acreditam no romance. É um educador cuja doença que se manifesta no seu âmago é a culpa. Diante das tragédias da vida, é difícil para ele aceitar que talvez nós nunca consigamos corresponder àquilo que desejamos ser. Não há vacina para as expectativas. Entretanto, hoje, para a pólio, doenças infantis levantadas por Eula Biss e, claro, para Covid-19, há.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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