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Poeta, escritor e professor da UFPB. Membro da Academia Paraibana de Letras. E-mail: [email protected]

O prazer das listas!

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publicado em 27/04/2022 às 07h00
atualizado em 26/04/2022 às 14h13

Lista. Toda lista é falha, subjetiva, precária e lacunar. Poderia arrolar outros atributos para demonstrar que a lista, qualquer lista, não tem sustentabilidade nenhuma, a não ser o prazer de tocar as margens da experiência lúdica. Listar é brincar, e brincar é preciso, pois a brincadeira põe em prática a verdade inadiável do princípio do prazer.

Foi nesta base que fiz, dia desses, a pedido do cronista Gonzaga Rodrigues (foto), a listinha de meus 10 livros essenciais da literatura brasileira, numa gostosa e salutar emulação com meu amigo e mestre de cultura clássica, Milton Marques júnior.

Algumas preferências coincidem; outras, nem tanto!

De Graciliano Ramos, por exemplo, Milton Marques escolhe Vidas secas, enquanto eu vou de São Bernardo. De Zé Lins, escolho Fogo morto, Milton prefere Banguê. O Dom Casmurro, de Machado de Assis, tem o nosso voto em comum, assim como o Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa.

Depois, os caminhos e as escolhas são outros, na estranha e inexplicável geografia do gosto. Do gosto e do habitus, para me valer de um curioso termo latino moldado por São Tomás de Aquino e muito utilizado por Pierre Bordieu na sua pertinente sociologia.

Fico pensando por que não listaria certos títulos que meu mestre listou, e, mais ainda, por que meu mestre não listou nem listaria aqueles que listei. Ora, quem tem razão? Quem não tem? Quero crer que ambos erramos e que ambos acertamos, dentro daquela natural flexibilidade das apostas cognitivas.

Afinal, o mundo das leituras e, consequentemente, o mundo das preferências, é um mundo livre, aberto, venturoso. Para me pegar com Jorge Luís Borges, outro diletante das listas livrescas, diria que a leitura é uma aventura infinita. E nesta aventura infinita, ninguém perde; somente ganha.

Em certo sentido admito que a lista também é o homem, assim como o estilo é o homem; como a palavra é o homem, como o corpo é o homem, como a terra é o homem, como a morte é o homem!

A ser veraz tal premissa, o que há do homem, Milton Marques Júnior, na sua lista? O que haveria, por exemplo, do homem, Gonzaga Rodrigues, na sua lista ainda não publicada?

O Gregório de Matos, que aparece na lista de Milton, poderia muito bem ilustrar sua verve irônica e sarcástica, combinando perfeitamente com a métrica rigorosa de seu ritmo didático e pedagógico. O que se dá também, se observo certos ingredientes de livros, como Macunaíma, A tenda dos milagres e Viva o povo brasileiro.

O riso, por exemplo; o riso como elemento embutido no movimento das tramas, com sua energia demolidora, com seu faro entrópico, costura o andamento destas obras e é uma marca forte da personalidade de Milton.

Fico imaginando quais seriam os livros de Gonzaga. Aposto que algum traria o sabor da cana doce do lirismo e a umidade espessa das glebas brejeiras. Livros com segredos de botija, mas também com a genealogia da fome e das ausências.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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