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Clara Velloso Borges é escritora, professora de literatura e mestranda em Estudos Literários pela Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: [email protected]  

Adeus, Lygia

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publicado em 08/04/2022 às 07h00
atualizado em 07/04/2022 às 16h15

Foi-se a maior de nossas escritoras, a dama da literatura brasileira, Lygia Fagundes Telles. Em 98 anos de vida, publicou muitas histórias, teve sua obra traduzida para mais de 9 idiomas e venceu notórios prêmios literários, como Camões e Jabuti. A escritora acreditava que a literatura poderia desviar do vício e da loucura, estancando a insanidade por meio do sonho de muitos leitores.

Meu primeiro contato com a profundidade dos personagens elaborados por Lygia foi com o conto Venha ver o pôr do sol, lido na escola por um professor cuja teatralidade trazia ainda mais malícia e ingenuidade aos protagonistas, prendendo a difícil atenção de uma turma de pré-adolescentes. Desde então, os livros de Lygia ocupam lugar cativo na minha estante. Passei por um fascínio por Antes do Baile Verde, por uma aversão à falsa moralidade representada em Ciranda de Pedra e por um par de leituras de As meninas. Recentemente, durante a pandemia de Covid-19, encantei-me novamente pela obra de Lygia devido ao podcast da Revista 451, que dedicou um episódio aos seus textos, parcialmente interpretados pela atriz Adriana Esteves.

Além de transformar a percepção de vida dos seus leitores, Lygia também viveu. Frequentou a faculdade de Direito da USP quando mulheres não costumavam se matricular – na turma de mais de 100 estudantes, constavam apenas ela e outras 5 alunas. Sabia que a vida era a melhor matéria-prima da arte. Por isso, em um congresso sobre criação literária, propôs à escritora Clarice Lispector, que a acompanhava, uma fuga da palestra para um bar. Afinal, as duas sabiam desempenhar o ofício da escrita, mas não explicá-lo.

Em um de seus contos, personagens avaliam a estrutura da bolha de sabão. Talvez também não saibam explicá-la: “realmente imprecisa, nem insólita, nem líquida, nem realidade, nem sonho”. Por ter examinado o banal e o estrondoso com o olhar aguçado que só grandes escritores possuem, Lygia ainda estourará muitas bolhas sociais, mesmo após a sua morte.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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