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Magistrado, colaborador do Diário de Pernambuco, leitor semiótico, vivendo num mundo de discos, livros e livre pensar. E-mail: [email protected]

A vida é…

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publicado em 16/09/2021 às 07h32

Convidou o amigo para jogar conversa fora. Melhor seria se  essa conversa fosse acompanhada de umas cervejas. Afinal, a beleza da vida está nessas pequenas coisas. Tudo certo, logo após sair do trabalho no horário do lusco-fusco, um barzinho na orla cairia bem. E assim foi feito. Ambos se encontraram e conversaram, beberam, comeram, discutiram geopolítica; eleições locais; voto digital e impresso e tudo o mais que estivesse circulando nas mídias digitais, inclusive fake-news, afinal de conta a vida tem suas verdades e suas mentiras.

Ele dizia que estava tudo ótimo, porque  a vida é sempre bela! Ela o olhava contemplativa, misto de admiração e piedade, pois ele sempre resoluto em seus pontos de vista. Ela, gostava de viver, embora não tivesse medo da morte, mas tinha medo das dores que conduzem à morte. Para ela a morte era apenas um sono sem sonhos. Não tinha coisa melhor. Ele sequer cogitava morrer: afinal, a vida é bela!

Mas naquele olhar contemplativo dela havia um tom opaco, não o brilho peculiar dos olhos de quem realmente admira o interlocutor; uma opacidade que encobria algo que seu olhar poderia denunciar. Suas pupilas dilatavam quando ele reiterava sua máxima: a vida é bela! Cerrou os olhos e enxergou dentro de si seu passado, o momento em que se insurgia contra as investidas  lascívias do seu interlocutor; parecia sentir novamente aquela mão de pele seca e grossa deslizar por entre suas pernas, tateando trêmula sua genitália, enquanto sussurrava, quase lambendo seus ouvidos: a vida é bela! E os dedos fustigavam sua vagina por cima da calcinha. Ela adolescente, não sabia como reagir.

Abriu os olhos e ali estava seu colega de trabalho, prestes a ser tornar seu superior hierárquico, dizendo que em breve seria seu chefe e que tudo poderia voltar a ser como antes, ia depender dela. E ao dizer isso desenhava com os lábios um sorriso cínico que somente os cafajestes sabem fazer. Ela assentiu com um sorriso – também cínico – e pediu mais dois chopes. Ele levantou-se dizendo vou ao banheiro lindinha, sabia que não ia me decepcionar.  Nossa vida será bela!

Ele vai ao banheiro, ela tateia os dedos nervosos no interior de sua bolsa de couro, encontra um frasco e derrama todo o conteúdo dentro do copo de cerveja do futuro chefe e ex-abusador.  E pensou por que fizeram isso com Sócrates? ele não merecia. Ele volta galanteador e propõe um brinde aos novos dias. Ela ergue o copo, fita os olhos dele e diz: por dias melhores! Ele retruca: a VIDA É BELA! E entorna de um só gole todo o copo de cerveja. Arregala os olhos em desespero e diz que o gosto está estranho.

Ela responde: é cicuta, (foto) porque a vida é bélica, seu cretino!

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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