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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

Como é triste Veneza

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publicado em 15/09/2021 às 10h31
atualizado em 15/09/2021 às 16h22

Hoje, abrimos espaços na coluna do K para publicar texto da professora de Filosofia, a paraibana  Maria das Neves Franca, (foto) que faz uma analise sobre o novo filme de Miguel Falabella. Com sensibilidade e magia, Falabella consegue trazer um clima lúdico e poético ao novo filme, Veneza (2021), o qual dirigiu e roteirizou. Estrelado por Carmen Maura, musa conhecida dos filmes de Pedro Almodóvar, Dira Paes, Eduardo Moscovis, Carol Castro e Danielle Winits, Veneza conta a história de Gringa, dona de um bordel, mulher cega e muito doente, mas com o sonho de viajar à Itália em busca de um antigo amor. Leiam o texto e assistam o filme. (Kubitschek Pinheiro)

Como é triste Veneza – Maria das Neves Franca – Especial para o MaisPB

A velha canção de Charles Aznavour dizia que “c’est trop triste Venise au temps des amours mortes / c’est trop triste Venise quand on ne s’aime plus”… Ah, Veneza, mas ainda nos resta o sonho.

Nesse tempo difícil, em que tudo é grosseiramente simplificado para alcançar seguidores e likes; tempo em que parece triunfar e conquistar o gosto do público tudo que é vulgar e de baixa qualidade, nesse tempo em que tudo parece provir da ignorância ou do ressentimento, é revigorante, revitalizante, restaurador, renovador mesmo ver “Veneza”, o filme dirigido por Miguel Falabella, disponível nas plataformas de streaming. Já viu?

Que Falabella já era um excelente ator e um excepcional diretor de TV e teatro, ninguém tinha dúvida. Agora, na linguagem cinematográfica, demonstra o seu habitual talento também.

Puro e comovedor, o filme, baseado numa peça do argentino Jorge Accame, é uma das melhores e mais belas realizações do cinema brasileiro dos últimos anos. Personagens impecáveis vivendo papéis ousados, fortes, complexos e profundos, fazendo desfilar pela tela temas atualíssimos – discriminação, intolerância, machismo, prostituição, velhice, transfobia – com tanta delicadeza e poesia, tanta ternura e magia que logo somos convidados a compreender e discutir esses mesmos temas envolvidos por uma atmosfera de beleza, serenidade e amor, que recusa qualquer componente de violência ou hostilidade nos nossos diversos modos de olhar o outro.

O filme é centrado na história da cega, velha e doente prostituta Gringa, espanhola dona de um bordel de interior, protagonizada pela veterana atriz Carmen Maura – a preferida de Almodóvar –, que alimenta o sonho de ir a Veneza reencontrar o velho amor. À sua história se entrelaçam outras, das meninas do prostíbulo, de seus frequentadores, de artistas do circo. De todas elas, e como grande protagonista do filme, eclode o poder do sonho e a força de sua realização para tornar suportável a realidade.

O roteiro bem cuidado e dirigido por Falabella, inspirado em gigantes como Fellini e Visconti, é um mergulho no realismo fantástico, tão presente em grandes autores da América Latina, como Garcia Márquez, Borges, Cortázar e Vargas Llosa. É um belo filme; um filme de uma beleza que entusiasma, encoraja e emociona fortemente. Difícil controlar as lágrimas nas surpreendentes cenas finais, uma forte defesa da persistência no sonho e sua realização. “Veneza”, com a sua carga de sentimento, é uma ode ao sonho, à fantasia, à ilusão. Nesse sentido, penso que chega num momento oportuno. Muitos já disseram que a beleza não elimina a tragédia, mas a torna suportável.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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