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Professora Emérita da UFPB e membro da Academia Feminina de Letras e Artes da Paraíba (AFLAP]. E-mail: [email protected]

Coisas do amor

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publicado em 22/07/2021 às 07h53

O casamento ou matrimônio, como conhecemos, é uma instituição criada pelo processo civilizatório para solidificação da harmonia conjugal, fortalecendo a relação tornando-a prazerosa e duradoura. Estabelece um vínculo entre duas pessoas, mediante o reconhecimento oficial, cultural, religioso ou social e que pressupõe uma união interpessoal de intimidade, cuja representação arquetípica é a coabitação. Teve várias funções no decorrer da história, além da troca de alianças que simboliza compromisso firmado entre noivos. É uma das tradições mais antigas da humanidade. Na época medieval implicou alianças políticas, militares e membros da nobreza, reis, príncipes, rainhas e princesas. Envolveu interesses conciliadores de poder econômico visando estabilidade e dividir riquezas. Encontra-se muito associado ao cristianismo, em especial à igreja católica que teve sua evolução através dos anos, segundo contexto de tempo e lugar. A união carnal indissolúvel, consequência do consentimento entre um homem e uma mulher, é o espaço de santificação dos esposos celebrada por um sacramento. Símbolo da união indissolúvel entre Cristo e a Igreja.

Na atualidade é visto como uma ação, contrato, formalidade ou cerimônia em que a vida em comum envolve o compartilhamento de interesses, atividades e responsabilidades entre as partes envolvidas. A problemática do casamento no mundo pós-moderno é grande. Existem outros tipos de casamento e muita discussão, cujo propósito não é abordar aqui. Casais se separam, outros permanecem num casamento, mas não se identificam com o sentimento de amor que deveria os unir, embora a relação esteja estragada, mas permanece de forma silenciosa. Hoje, há cursos para que o casamento seja fortalecido e prazeroso e possa se fazer correções de problemas conjugais evitando os desgastes e se alcance a felicidade conjugal.

O motivo maior para se realizar um casamento passa pelo sentimento mais nobre que é o amor. Este norteia e viabiliza todas vicissitudes que se passam num relacionamento, como também oportuniza compartilhar a estabilidade econômica e social, para formar família, procriar e educar os filhos, legitimar o relacionamento sexual. Uma obra de Deus.

Por que dizer, num preâmbulo, todos esses atributos sobre o casamento? Conheço um casal que sempre me encantou a sua união e o proceder em seu matrimônio. Ao completarem recentemente bodas de ouro, Camila e Bernardo viveram um conto de fadas, casaram e tiveram seis filhos, dois homens e quatro mulheres. Ele, alto funcionário de um banco, e ela, pedagoga, dedicada ao ensino da alfabetização por paixão. Sempre trabalhou um expediente na Repartição, à tarde, fazia banca com os filhos e com crianças da vizinhança, tornando o aprendizado agradável e motivador. Os filhos hoje encontram-se muito bem; um é da Policia Federal, o segundo é arquiteto e mora em Brasília. Uma, jornalista, vive nos USA, outra é odontóloga aqui em João Pessoa, e as demais moram em Natal e exercem cargos em bancos. Todos casados. Camila e esposo estão aposentados há oito anos. Possuem uma grande fazenda no Rio Grande do Norte, de criação de gado leiteiro e fornecem leite para a região.

As coisas corriam muito bem e Bernardo sempre esteve à frente da casa e dos negócios. Cabia a Camila cuidar da educação dos filhos e do lar, o que a fez manter-se distante das transações empresariais da agropecuária. As providências e resoluções eram tomadas mediante iniciativa do esposo. Até hoje residem aqui em João Pessoa, em uma residência confortável no Bairro dos Estados, pois gostam da cidade e acham-na muito acolhedora. Mantinham a fazenda no Rio Grande do Norte o que os fazia viajar toda semana, em um permanente ir e vir. Bernardo sempre no comando. Uma vez ou outra e somente nas férias Camila o acompanhava.

Um dia, Bernardo foi para a fazenda, numa quinta-feira para voltar na sexta o que terminou não acontecendo. Camila acionou os filhos estranhando aquela ausência o que a fez ir à propriedade. Chegando ao local soube que ele lá não estivera. Entrou em desespero com a família. Acionaram a Polícia Federal e a Estadual, percorreram os nosocômios e encontraram-no num corredor de hospital público em estado deplorável. Tinha sofrido um acidente na estrada. Como estava sem cinto de segurança, fora jogado do carro, batera a cabeça numa pedra perdendo a consciência. Os familiares providenciaram logo a transferência para outro lugar e depois para São Paulo, iniciando um longo tratamento que provocou progressiva melhora em seu estado físico e mental. Todavia, a demora no pronto atendimento causou-lhe lesões que não foram possíveis reverter.

Hoje, aos 77 anos e ela com 65 anos, vivem no mesmo ambiente, mas a situação é bem diferente. Bernardo virou uma criança para ser cuidada, tem algum momento de lucidez, não vive acamado, mas não lembra muita coisa, é esquecido. Precisa de assistência e tornou-se muito dependente de Camila que lhe devota todo carinho e paciência. Ele a vê como uma mãe. Ela lembra dos tempos em que era cuidada e zelada por ele. De ser cuidada, passou a ser cuidadora do seu amor. A situação impôs que tomasse conhecimento e seguisse à frente dos negócios e da empresa. Mantém uma estrutura de apoio logístico que lhe deixa mais tranquila. Pensou em se desfazer da fazenda e de outros bens. Porém, ajudada pelo filho que mora aqui, conseguiu conciliar e tocar os empreendimentos. Constata que essa ocupação preencheu seu tempo, movimentando-a e entretendo-a, tornando a vida mais amena. Às vezes seu marido também a acompanha sem, no entanto, participar de quase nada.

Duas coisas neste caso chamaram-me atenção; a falta de assistência médica especializada demonstrada pelo atendimento no hospital público, que procrastinou as intervenções necessárias que o caso traumático requeria e o processo de socorro que ocorreu de maneira incorreta. Penso: O que aconteceu com Bernardo poderia suceder com qualquer um de nós. Talvez tivesse ido a óbito se não possuísse as condições econômicas que detém, o que fez sobreviver mesmo prejudicado pelo resto vida. Diante disso, o que se observa? O amor incondicional, completo e absoluto, amor esse que não impõe condições ou limites e nada espera em troca. Esse amor continua através de sua dedicação, assistência, carinho e toda atenção àquele homem, motivo de viver de sua amada. Hoje, mais amigo e companheiro, a faz feliz com sua presença, mesmo que não a identifique como mulher e esposa. É a razão do seu viver. A família, grande, sempre enche a casa, com os netos trazendo a euforia de momentos. E, assim, Camila vai tocando a vida ……

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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