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Médico. Psicoterapeuta. Doutor em Psiquiatria e Diretor do Centro de Ciências Médicas da Universidade Federal da Paraíba. Contato: [email protected]

Minha distinta Antônia

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publicado em 20/07/2021 às 07h46

Quanto mais queiramos nos distanciar do que somos, ou fomos, mais nos desentendemos consigo mesmo. É aquela história que se fala no interior: saiu do mato, mas o mato não saiu dele. Porque quanto mais tento ser chique, no sentido de ser diferente, de não ser confundido com minha comunidade, ou região, mais bola fora vou dar. É o caso da Fontenelle.

Paraíba é o pejorativo de nordestino no RJ. Minha prima carioca, apresentava-me como de João Pessoa. Ela não engolia que a mãe era paraibana, a avó outra paraibana, então, o primo era demais, para ela que morava em Ipanema. É simples. Assim como no Rio tem paraíbas, tem baianos em Sampa.

Já falei, em outro texto, da minha convivência com paraibanos, piauienses, cearenses e baianos que trabalhavam numa padaria de frente ao flat em que eu morava. Minha chegada era uma festa. Chegou o paraíba! Era o jeito deles me colocarem próximo a eles; mas, ao mesmo tempo, como se isso reforçasse o desejo interno: – Eu sou de São Paulo.

Pois é. Submetidos ao medo, às tensões, às discriminações xenofóbicas, o sujeito tenta de desligar da sua cultua. Arranja trejeitos de paulista, sotaque, e se distancia absurdamente daquilo que é. O queque ele é? Em sua maioria, pessoas de origem rural (como eu!), trabalhadores de sítios próprios ou fazendas alheias. Sentem-se, ali, privilegiados com relação aos seus familiares que aqui permaneceram.

É uma espécie de Síndrome de Estocolmo, em que tenta se identificar com aquelas pessoas, e absorver a cultura delas como se sua fosse, numa forma de dissimular e esconder sua verdadeira origem. Claro, que esse processo, ocorrerá, aos poucos, com todos que passam a morar em outro estado, em outro país. Para isso, no entanto, não preciso renegar minha própria cultura.
Quando isso acontece de maneira canhestra, terei indivíduos confusos com suas identidades próprias e bem mais vulneráveis a transtornos mentais que a população em geral. É fácil entender. Onde está minha estabilidade? Em mim mesmo e naqueles em quem me apoio. Para manter meu próprio equilíbrio, preciso que tenha armadores onde possa armar a rede do meu passado, descansar o cansaço do presente e balançar os sonhos que acalento dentro do meu ser.

Ao quebrar pilares que me sustentam, quebro a mim mesmo, ao meu eu essencial. Entroncho-me todo. Viro um ser torto, por mais que tente me manter sem rusgas. Antônia traz, no próprio nome, a marca nordestina, que, para ela, lhe mancha a imagem de mulher fatal, atriz, estrela, seja lá o que for. Por isso se referiu a um agressor de mulher paraibano, como um “paraíba”.
Segundo ela, não no sentido pejorativo, mas no sentido de quem faz “paraibadas”. Antônia lavou, assim, qualquer resquício de sua piauiensidade. É uma “carioca”, envolvida com figuras globais e, portanto, livre dessa pecha que lhe acompanhou por algum tempo, de ser de origem pobre e nordestina.

Para isso, paga o preço do seu desequilíbrio, da sua intempestividade, do seu modo bélico de lidar com as circunstâncias. Não vou repetir aqui, como fizeram tantas postagens, de enaltecer o Nordeste através dos seus grandes nomes. Na visão dessa gente de lá, ou “estocolmizadas”, nós somos atrasados e ponto. E fazem como se lá não existissem famintos nas ruas. Pobres, desabrigados e suas comunidades violentas; entremeando a ostentação de celebridades, artistas e milionários.

Queria só lembrar a Antônia Fontenelle: você é uma “paraíba”. Você era uma menina saída do sertão do Piauí. Uma nordestina como eu. Porém, não tenho a pobreza de identidade que você carrega. Felizmente, minha distinta Antônia.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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