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Francisco Leite Duarte é Advogado tributarista, Auditor-fiscal da Receita Federal (aposentado), Professor de Direito Tributário e Administrativo na Universidade Estadual da Paraíba, Mestre em Direito econômico, Doutor em direitos humanos e desenvolvimento e Escritor. Foi Prêmio estadual de educação fiscal ( 2019) e Prêmio Nacional de educação fiscal em 2016 e 2019. Tem várias publicações no Direito Tributário, com destaque para o seu Direito Tributário: Teoria e prática (Revista dos tribunais, já na 4 edição). Na Literatura publicou dois romances “A vovó é louca” e “O Pequeno Davi”. Publicou, igualmente, uma coletânea de contos chamada “Crimes de agosto”, um livro de memórias ( “Os longos olhos da espera”), e dois livros de crônicas: “Nos tempos do capitão” …

O meu amigo Jonas

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publicado em 23/04/2021 às 06h33

O tempo é bicho caprichoso que, muitas vezes, encalacra as amizades, deixando-as imersas em um limbo cujo nome é saudade. Fomos amigos muito cedo, desde o dia em que, ao casar, minha irmã mais velha se passou para a casa dela, ao pé do Riacho Caititu. Eu, que vivia agarrado no rabo da saia de Dedé, praticamente me passei para aquela casa toda caiada de branco, arrumada com móveis novinhos em folha e de portas avermelhadas, doravante abertas para toda a vizinhança.
Após molhar os pés no redemoinho formado pelo remelexo das águas acanalhadas nas raízes do pé de mulungu, que morava dentro daquele riacho barrigudo, e seguindo pelo caminho que levava até aos Dudus, passando ainda por debaixo de uma canafístula que derramava as suas flores amarelas por cima da cerca de arame, logo além, a uns cem metros da casa de Dedé, à direita da estrada, em uma ladeira um tanto íngreme, ficava a casa de Seu Chagas Lucas. Ali morava o meu novo amigo, quatro anos mais velho do que eu, que tinha uns cinco ou seis anos de idade.
Decerto, aquele garoto era tão solitário quanto eu, mas, a partir dali, construímos uma amizade duradoura. Avançávamos pelas águas friíssima do leito do Riacho Caititu em busca de pedrinhas coloridas, caçávamos cacos de vidros pelos monturos, quebrávamos tudo em uma massa uniforme em busca de alguma coisa encantada que não sabíamos o que era, ou se, de fato, existia.
E não dávamos descanso à nossa curiosidade. Cavávamos buracos debaixo do pé de juazeiro situado no monturo da casa de Dedé; fazíamos bola de meia ou de plástico e arrebentávamos os dedos dos pés nos pedregulhos do terreiro da casa velha onde ficava a bodega de Seu Né Leite; confabulávamos algumas estratégias, para pegar algum passarinho bobo ou desavisado; fazíamos carrinho com lata de sardinha ou de óleo mavioso, sujávamos a parede branquinha com caroço de oiticica e ficávamos desconfiados pela carranca de Padrinho Antônio.
Mas, a vida das pessoas corre por dentro do tempo de maneira diferente. De repente, nossa idade se distanciou demais. Ele, já adolescente, hormônios estourando as suas veias, as necessidades que, à época, eram bem maiores do que as minhas, batendo às portas de um menino que rapidamente se tornara, pelo carbureto da vida sertaneja, um homem que havia de se sustentar sozinho. Casou-se muito cedo. Menino-homem que amadureceu de vez e esparramou-se pelas engrenagens da vida afora.
Eu, um moleque, ainda tinha a meninice pululando nas minhas células. Uma parte da minha mente estava em uma batalha, para conseguir estudar; a outra só pensava nos jogos de bola, no pião de goiabeira, nas bolas de gude e nos jogos de castanha. Foi assim que fiquei ruminado as brincadeiras que ainda fascinavam os meus trezes anos.
Então, a distância entre nós cresceu até os olhos se perderem de vista. Quarenta e três anos sem saber por onde Jonas de Chagas Lucas andava. E como perambulou pelo país o meu amigo! E como a vida revirou os seus sonhos, castigou as suas carnes, aviltou a sua dignidade! Mas, seu caráter era irretocável, sua paciência ganhou resiliência, sua calma, pelo passar do tempo, que tudo cura, usou toda a potencialidade da sua inteligência, que era privilegiada.
Inteligência privilegiadíssima, por isso o nosso reencontro virtual me mostrou um homem maduro, autoconsciente, feliz consigo e com a família, ciente da sua responsabilidade social, um líder comunitário na maior cidade do Brasil, ajudando o seu povo, regozijado pelo seu trabalho e pela sua paz, porque assim estava escrito: Avante!
Do meu lado, a vida também me sacolejou pelo avesso. Deu-me, em pouco tempo, a cota das intempéries e agruras de quem, naquela época, nasceu no Sítio Saco Sinhazinha, no alto sertão da Paraíba. Ocorre que o vento tem muitas curvas, e, dentro dele, carreiras de vento benfazejo, vez ou outra, correm em direção aos esforçados, porque também está escrito: “Antes de tudo, o sertanejo é um forte”.
Meu amigo, Jonas, como foi bom reencontrá-lo, ainda que virtualmente. Tenha certeza: Foi um grande regozijo ouvi-lo cantar ao telefone: “Lembranças, só lembranças, lembranças e nada mais…”

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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