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Médico. Psicoterapeuta. Doutor em Psiquiatria e Diretor do Centro de Ciências Médicas da Universidade Federal da Paraíba. Contato: [email protected]

Cenas milenares

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publicado em 09/03/2021 às 07h00
atualizado em 08/03/2021 às 19h32

Um ser humano, ao se sentir preso, seja por qual motivo for, não pode pensar em outra coisa, senão na sua própria liberdade. Por conta da prisão domiciliar ( sem tornozeleira!) e mais tempo a ser preenchido, afora estudar, ler, ver filmes, seja lá o que for, acabamos por dar mais atenção aos aparelhinhos em nossas mãos; e, também, aos seus personagens. Mas aí, mesmo eu sendo um sujeito relativamente calmo, comecei a me incomodar com os efeitos colaterais do confinamento. Tenho razão. O que acha o leitor de receber um pedido de amizade de Irly Chilack e, no lugar da fotografia, um branco total.

A foto de uma criancinha solicita outra amizade. Uma amiga antiga? Vamos que seja, e tenha me encontrado. Olho atentamente a criança, e não consigo, pelos traços fenotípicos, adivinhar quem era mesmo a possível amiga a ser aprovada. Pior quando a foto do perfil é um cachorro, um gato, uma paisagem, um nada.

Tem outros, que já são amigos, e começam a contar uma estória, de doença grave, que, do meio para o fim, diz que não está acontecendo nada, era somente para saber se você, ou eu, lemos mesmo as postagens até o fim. Quando noto, o tamanho da bobagem, me dá uma raiva danada. Não basta de notícias devastadoras, ainda mais pegadinhas para fazer testes com a gente?

Eu sei que tem gente que não lê. E daí? Essa semana, minha amiga botou uma foto ao lado de sua mãe, que partiu há uns cinco anos, com uma bonita mensagem; lamentando o fato dela não mais está aqui. O primeiro comentário: parabéns! Feliz aniversário. Rosas, velas acesas, balões! Essa não olhou nem a foto. Deu vontade de rir, mas não ri em respeito ao que estava postado. Sei, quase tudo é exibição, um big brother sem direção. Nem sempre se sente o que se diz. O importante é ser “eu mesmo(a)”.

Existe, entre as desgraças, os gracejos que também são bons para nos divertir. E as coisas sérias. Os textos do K, Ana Adelaide Peixoto, Silvio Osias ( tantos outros!), gente que aproveita a ferramenta para opinar, fazer uma ponte entre o que pensa e os que os leem; ou os que os seguem em seus blogs e jornais. Textos, gentilmente compartilhados com seus amigos virtuais. Eles criam, e fazem existir, um espaço de grandes e valiosas opiniões; como escritores, cronistas e seres humanos. Um resumo de bons pensamentos, do que veem acontecer, e, tudo isso, como manifestação honesta do sentir e da arte de escrever que influenciam a articulistas intrusos como eu.

Depois do parêntese. Já que estamos tanto tempo longe uns dos outros, não dá para nos comunicarmos melhor? Exibir nossa cara sem disfarces, sem pegadinhas infantis, sendo objetivos no que queremos comunicar e, principalmente, respeitando nosso interlocutor? Reconheço que sou um estrangeiro nesse negócio. Nem da geração X sou. Me botaram na geração Baby Boomers. Ou seja, um ser ultrapassado. Esse negócio aqui pertence às gerações Y, Z e à geração Alpha que é quem dominará o mundo e se comunicará através de figurinhas. Não será mais preciso alfabeto, nem textos, nem leituras como se faz necessário para nós, os pré-milenares(foto). Inteiramente dispensável, será perder tempo para selecionar uma palavra amável na língua portuguesa; quiçá, a mais bonita, como TERNURA, para dar a tonalidade do seu afeto ou do nosso sentimento.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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