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Antônio Colaço Martins Filho é chanceler do Centro Universitário Fametro – UNIFAMETRO (CE). Diretor Executivo de Ensino do Centro Universitário UNIESP (PB). Doutor em Ciências Jurídicas Gerais pela Universidade do Minho – UMINHO (Portugal), Mestre em Ciências Jurídico-Filosóficas pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto (Portugal), Graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Autor das obras: “Da Comissão Nacional da Verdade: incidências epistemiológicas”; “Direitos Sociais: uma década de justiciabilidade no STF”. E-mail: [email protected]

Máquina do tempo

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publicado em 02/11/2020 às 17h01
atualizado em 02/11/2020 às 15h02

Para Mário Quintana (foto), o animal doméstico mais feroz é o relógio de parede. O poeta gaúcho relatou haver conhecido um que lhe devorou três gerações da família.

Um desses seres vorazes flutua na parede da sala de jantar de meus pais, após tragar quatro gerações de uma família do Piauí.

Há casos, entretanto, em que o homem se faz mais longevo do que a máquina. Diz-se que a idade de uma costureira pode ser estimada com considerável precisão pela quantidade de máquinas de costura Singer que lhe fizeram companhia.

Atualmente, não é exagero dizer que os smartphones, smartwatches, seus apps e redes sociais ditam nossa rotina e consomem nosso tempo com muito mais voracidade do que os objetos de outrora.

Além do tempo diário despendido com o brilho dos écrans, vale a pena refletir sobre a memória digital que se forma a partir do uso dessas tecnologias. A relação que os nativos digitais têm com a memória é muito diferente das gerações anteriores. O registro de imagens e vídeos de forma digital os torna mais duráveis, fidedignos, acessíveis e maleáveis, em relação à nebulosa e onírica memória biológica. A alta fidelidade com que a memória digital registra os eventos e o uso reiterado desses recursos ao longo da vida nos impelem a  recorrer cada vez menos à memória individual, no exercício da recordação.

Ocorre que a memória digital das redes sociais não é livre e desinteressada, mas dirigida por algoritmos que são desenhados para servir aos interesses comerciais dos gigantes conglomerados econômicos de tecnologia. As recentes censuras manejadas pelo Twitter e Facebook contra o New York Post no caso Hunter Biden (para ficar apenas com esse exemplo) atestam que não existe neutralidade política por parte desses veículos. Portanto, ao nos fiarmos cada vez mais na memória digital, aumentamos o risco de sermos manipulados por organizações que fazem uso do mundo virtual para conseguirem mudanças no mundo real.

A nosso sentir, do ponto de vista individual, o antídoto para essa situação reside na definição e na constante reavaliação dos propósitos de vida.

Para escapar da programação urdida pelas redes, convém que nos programemos diariamente para alinhar as nossas atividades cotidianas ao que realmente almejamos como pais, filhos, estudantes, profissionais, amigos, entre outros papéis que desempenhamos. Impende, outrossim, criar mecanismos legais e tecnológicos que garantam a liberdade de expressão, o direito à privacidade e ao esquecimento, bem como a persecução penal daqueles que fazem uso abusivo da memória digital. Em suma, é necessário que exerçamos permanente vigilância para que a memória digital se torne cada vez menos sujeita aos interesses comerciais e políticos de terceiros.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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