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Médico. Psicoterapeuta. Doutor em Psiquiatria e Diretor do Centro de Ciências Médicas da Universidade Federal da Paraíba. Contato: [email protected]

Minha voz na escuridão

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publicado em 27/10/2020 às 07h01

Anitta (foto) andou reclamando do assédio de fãs em torno da sua casa. Anitta tem 34,8 milhões de seguidores no Instagram. Anitta reclama de críticas e diz que não suportam uma artista sul americana fazendo sucesso. Anitta diz o que quer. Eu acho que esses seguidores, fãs, admiradores são muito exigentes e falam muito. Uns verdadeiros trollers.

Pois eu vim aqui, para mandar um recado a Anitta. Faça o que você quiser. Com 770 milhões de caixa, eu também faria. Mas não posso. Durante todo esse isolamento, por exemplo, fiquei me escondendo, aqui no apartamento. Sem ninguém para nos ajudar, porque a funcionária, segundo entendo, tinha os mesmos direitos que eu. Estava usando umas máscaras mal feitas que, por sorte, consegui comprar, e quase me amputam as orelhas. Álcool gel e álcool 70%, só depois de muito perambular e pedir a ajuda de amigos.

Sem trabalhar? Não, Anitta. Fiquei trabalhando on-line para a UFPB. Assalariado não pode se dar ao luxo de esquecer o trabalho. Estou reclamando não, que grande parcela dos brasileiros foram mandados para casa com metade do salário. Ou sem. . A UFPB já foi boa demais, em me retirar da rua, dos riscos de ir e vir, e ainda me deixar longe de hospital. Continuei atendendo aos pacientes on-line, que assim preferiam, por medo, como eu, de contaminação. Em uma ou outra necessidade presencial, foi de cabeça enrolada, duas máscaras e um face shield.

Não estou escrevendo para reclamar de seus tantos milhões. Não, Anitta. Embora a gente viva dizendo que o que vale é aquilo que somos; eu sei que continua valendo o que temos. O que podemos comprar. Escutam-nos mais. E, aqui prá nós, eu vendendo tudo que tenho, inclusive os meninos, não conseguiria ficar numa mansão, chamar alguns amigos para ficarmos em festa, tomando os melhores champanhes, longe das pessoas comuns e ditando comportamentos. Imagina descansar do estresse em Paris.

Eu não posso fazer muitas coisas, Anitta. Eu grito: nós, seres humanos, valemos pelo que somos! Mas é a você que escutam. Repetem suas palavras cheias ou vazias. Destacam-nas nas manchetes. Assim, você tanto pode, como manda. Então, gaste o que puder, mostre tudo que quiser, reclame o quanto achar que deve, com essa gente chata que fica te perseguindo. A gente, pessoas cinzas normais, vai continuar onde ficou. Tem mais: posso reclamar não. Eu sou um privilegiado. Estou em lugar confortável da pirâmide social. E, embora conheça, embora conviva com a base da pirâmide; não consigo, como gostaria, me colocar no lugar do outro, como nos pedem tanto, porque nunca vivenciei tantas necessidades. Você, nem pensar! Jamais saberias como é viver uma pandemia entre ficar escondido, salvar sua própria pele, e a obrigação de não abandonar afazeres. Pergunta a essa gente da saúde. Há outros piores. Desempregados, expondo-se nas filas para conseguir uma ajuda emergencial do Governo. Tu reclamas de tudo que mendigaste: sucesso, dinheiro e fama. Conquanto, esqueceste. Se, em algum momento, entendeste os normais; daí, de onde olhas o nada, tu nunca mais entenderás. E minha voz é contida na escuridão do deserto.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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