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Magistrado, colaborador do Diário de Pernambuco, leitor semiótico, vivendo num mundo de discos, livros e livre pensar. E-mail: [email protected]

O sonho do imóvel próprio

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publicado em 15/10/2020 às 08h07

Viver toda uma existência em dificuldade nunca foi fácil para ninguém, e para Telêmaco não poderia ser diferente. As tentativas de melhorar de vida nunca davam certo. Nunca tivera tino para negócio e a opção de sobrevivência que lhe restara foi o serviço público municipal. Afora os caraminguás (foto), nunca conseguira amealhar bem imóvel. Por isso que diziam que ele não tinha onde cair morto.

Leitor assíduo dos matutinos da cidade era nos classificados onde detinha maior tempo, lendo pacientemente todos os anúncios; seja de venda de automóveis ou serviços até de grandes áreas rurais. Também não desprezava a coluna de obituários cuja leitura lhe dava um certo prazer mórbido ao se deparar com a notícia da morte de algum figurão, como a repetir para si mesmo que, ao final, todos vão para o buraco.

E por falar em morte foi justamente um anúncio relativo à indesejada que lhe aguçou a esperança. Sim! Ali estava a oportunidade de sua vida: a de possuir um bem de raiz que lhe garantiria o sossego eterno, embora fosse ele mesmo a própria raiz a ocupar aquele pedaço de terra. É que uma certa viúva, por motivo de viagem (sabe Deus para onde), estava pondo à venda um jazigo perpétuo no aprazível Cemitério Senhor da Boa Sentença e por um preço que não era da hora da morte. Se vendesse alguma quinquilharia e completasse com um consignado teria condições de adquirir o dito imóvel.

Recortou o anúncio e guardou na carteira. Foi ao banco empunhando o contracheque para fechar o empréstimo consignado. Vendeu a televisão ao vizinho e alguns livros no sebo de Heriberto. Todos os dias conferia os classificados e ali estava à sua espera os sete palmos que seriam seus para toda a eternidade. Vinte mil reais! Esse era o preço de sua felicidade. Faltava pouco para completar a dinheirama.

Ao final de quatro semanas tinha concluído o empréstimo e amealhado uns trocados com os teréns que vendera. Radiante, buscou o recorte do anúncio e conferiu o número do telefone informado e o nome da viúva vendedora: Olindina Penacho Tibiriçá dos Anjos. Ligou e se apresentou como comprador do túmulo anunciado, pagamento à vista em dinheiro vivo!

Mas como diz o adágio popular, alegria de pobre dura pouco. Dona Olindina com voz roufenha informou que já vendera o sepulcro e que esquecera de retirar o anúncio do jornal. Desse dia em diante parou de ler classificados e, decepcionado, passou o resto da vida ouvindo dos colegas de trabalho que ele continuaria sem ter onde cair morto.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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