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Antônio Colaço Martins Filho é chanceler do Centro Universitário Fametro – UNIFAMETRO (CE). Diretor Executivo de Ensino do Centro Universitário UNIESP (PB). Doutor em Ciências Jurídicas Gerais pela Universidade do Minho – UMINHO (Portugal), Mestre em Ciências Jurídico-Filosóficas pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto (Portugal), Graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Autor das obras: “Da Comissão Nacional da Verdade: incidências epistemiológicas”; “Direitos Sociais: uma década de justiciabilidade no STF”. E-mail: [email protected]

Goya entre pais e filhos

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publicado em 06/07/2020 às 09h15

A obra “Saturno devorando a un hijo”, uma das “pinturas negras” do espanhol Francisco Goya (1746-1828), dá cores a um dos muitos infanticídios atribuídos ao deus romano. Atualmente, como em represália ao canibalismo da divindade, os filhos dos mortais devoram o tempo dos seus genitores, com a mesma voracidade do titã.

A proibição estatal da realização de atividades escolares presenciais, por força da pandemia covid-19, acentuou ainda mais a sensação de escassez temporal já presente no cotidiano dos pais.

Subitamente, os pais dos infantes de mais tenra idade fomos impelidos a conciliar ligações telefônicas profissionais com pintura, recorte e colagem de papeizinhos para fins didáticos. Nada como duas horas de atividade online com crianças de cinco anos para interromper o mais incipiente fluxo mental que os pais trabalhadores ousem ensaiar. A professora adverte que os microfones devem permanecer fechados até segunda ordem. Eu desligo o microfone e o meu pupilo desliga a cabeça.

Tutorear os miúdos nas aulas é como pernoitar com ente querido em hospital – se foi possível realizar outra tarefa (dormir, realizar um relatório, por exemplo), além de assistir o paciente, é bem provável que a assistência não tenha sido eficaz.

Na minha experiência pessoal, professores e coordenadores prepararam, além das costumeiras tarefas de casa, um criterioso repertório de vídeo-histórias, jogos, brincadeiras e outras atividades cujo valor didático exala o cuidado e o amor pela educação de uma escola quase centenária.

Pelo volume e pela qualidade, a adoção de tais atividades preencheria todos os momentos livres da vida familiar. Em que pese a qualidade do material fornecido aos pais e o fato de que a educação é responsabilidade também da família, entendo que os momentos de lazer devem ser preponderantemente não dirigidos, espontâneos e receptivos ao “dolce far niente”.

Em um ambiente tecnológico que nos expõe a milhares de marcas comerciais por dia, não nos é dado subestimar os benefícios de permitir que a mente dos infantes vagueie, sem comandos externos explícitos. Nesses momentos, a imaginação e a criatividade florescem no espírito dos futuros “youtubers”, “digital influencers”, escritores, pintores, juristas, médicos, donos de casa…

Saturno, que corresponde ao deus grego Cronos, era senhor absoluto do tempo. A nós mortais, resta enfocar questões mais fundamentais (sustento, saúde, bem-estar) e sermos gratos por ainda nos restar o mais valioso ativo: tempo.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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