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Sem adoção, aos 18 anos jovens deixam abrigo

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publicado em 08/07/2018 às 12h08
atualizado em 09/07/2018 às 05h58

Por fora, uma casa normal. As conversas que acontecem por trás dos muros brancos evidenciam a mesma coisa. A discussão de quem vai arrumar o quarto ou o que vai ser o almoço é como em qualquer família. Mas nessa residência também há muitas histórias especiais. Como a de Daniela – nome fictício – que vai completar 18 anos e terá que deixar o conforto do lar, em João Pessoa, destinado a abrigar adolescentes que aguardam adoção.

O motivo não é uma viagem dos sonhos ou independência financeira. A casa de Daniela tem um regulamento: só pode ficar até os 18 anos. E isso não vale somente para ela. Em 2011, mais de 30 mil crianças e adolescentes viviam em casas de acolhimento no Brasil. Depois dos 17, o adolescente precisa ser ‘desligado’, e deixar o local.

O acolhimento institucional (ou programas de acolhimento) pode ser oferecido em diversas modalidades e gerido por diferentes instituições governamentais ou não governamentais. Essas casas têm o objetivo de acolher crianças e adolescentes de até 18 anos que tiveram seus direitos violados e quando a convivência com a família de origem for considerada prejudicial.

Daniela (nome fictício) completa 18 anos em setembro.

 

Daniela vive em casas de acolhimento desde os 6 anos de idade. Foi abandonada pelo pai ainda bebê, e durante a infância, sua mãe se envolveu com drogas e ela precisou ir para uma casa de acolhimento. Entre idas e vindas a esse tipo de lar, a adolescente vive há 11 anos nessa realidade.

Nascida no ano de 2000, ela completa 18 anos em setembro. Pela lei, deve deixar a casa. Situação em que se encontram pelo menos outros cinco jovens somente na Capital.

Daniela faz planos e pretende ter seu espaço, mas teme o desconhecido. “Aqui a gente é privado de muita coisa: não pagamos conta, não temos muita responsabilidade, temos tudo pronto. Lá [fora da casa] a gente tem que fazer tudo, a gente não sabe como vai ser”, revela ao Portal MaisPB.

O medo da vida fora dos locais de acolhimento é percebido por quem acompanha os adolescentes. “Eles são inseguros para sair da proteção da instituição. O adolescente vai enfrentar o mundo, andar com as próprias pernas, vai ter que se virar mesmo. A gente sente uma certa resistência, eles falam que tem medo”, conta ao Portal MaisPB a coordenadora do  Setor de Acolhimento Institucional da 1ª Vara da Infância e Juventude da Capital, Vitória Régia de Oliveira Gonçalves.

No caso de Daniela, a situação não é de desespero. Cursando o 1º ano do ensino médio, ela trabalha há mais de um ano em uma empresa como menor aprendiz e ganha um pouco mais de R$ 800 por mês. Parte do dinheiro tem sido poupado para o futuro, que se torna cada vez mais próximo. “Quero alugar uma casa, já tenho geladeira, fogão e algumas outras coisas”, conta.

No meio das inseguranças, Daniela tem uma certeza: adotar o irmão, que vive com ela na casa de acolhimento.  Com o garoto de 8 anos, ela quer ter a chance de ter contato e se manter perto, coisa que não aconteceu com outros dois irmãos que foram adotados. Hoje, Daniela conta que não sabe mais como anda a vida deles, nem tem notícias de um outro irmão que está preso.

Os planos dela são otimistas. Apesar das dificuldades, a jovem conquistou autonomia e já vê como possível sua independência financeira. Mas isso nem sempre acontece e pode ocorrer do adolescente completar 18 anos e não ter tantas perspectivas, muito menos independência financeira. De acordo com a coordenadora, Vitória Régia de Oliveira Gonçalves, ainda nesses casos, o jovem não fica desamparado.

Vitória Régia, coordenadora do Setor de Acolhimento Institucional da 1ª Vara da Infância e Juventude da Capital.

“Quando a gente detecta que aquele adolescente que não foi adotado e não tem mais nenhuma possibilidade de ser adotado por conta da idade, a casa já começa a trabalhar a autonomia dele, no sentido de conseguir um emprego ou uma capacitação para que ele trabalhe as habilidades”, explica.

De acordo com o juiz titular da 1ª Vara da Infância e Juventude da Comarca de João Pessoa e coordenador da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça da Paraíba, Adhailton Lacet, em casos excepcionais, onde o jovem completa 18 anos e não tem para onde ir, ele pode ficar na instituição até os 21 anos.  O juiz também pode solicitar a inserção deste adolescente em programas habitacionais e ele pode ganhar uma casa pelos programas do Governo ou um auxílio-moradia.

“Repúblicas são promessas, mas desligamento do adolescente é certeza”

Ao estar prestes a completar 18 anos, o relógio vai marcando um momento forte e delicado de desvínculo entre o adolescente que vive em casa de acolhimento e os órgãos públicos. Essa ruptura com os órgãos públicos que oferecem algum tipo de suporte poderia demorar um pouco mais para acontecer.

Soraya Escorel,promotora de Justiça da Criança e do Adolescente

Caso o município de João Pessoa tivesse uma república de acolhimento, os jovens entre 18 e 21 anos teriam um local para estarem resguardados e acompanhados de forma mais efetiva até uma autonomia que lhes garantisse um maior preparo para enfrentar o mundo e todos os seus desafios.

De acordo com a promotora de Justiça da Criança e do Adolescente da Capital, Soraya Escorel, na capital paraibana já existe a necessidade de implantação de duas repúblicas – e elas já deveriam ter sido instaladas há pelo menos três anos.

“Na verdade, essa problemática faz parte da história do acolhimento não só aqui no município de João Pessoa, como no Brasil. A angústia para todos é na prática saber o que fazer com os acolhidos que estão prestes a completar 18 anos nos serviços de acolhimento”, destacou Soraya.

Segundo a promotora do Ministério Público da Paraíba, a solução de manter os adolescentes que completam 18 anos nas casas de acolhimento é inevitável devido à falta de um serviço específico, mas a implantação da república é o ‘único caminho’ para solucionar situação atual. Em João Pessoa, são necessárias uma república feminina e uma masculina.

A promotora ainda lembrou que há cerca de quatro jovens com 18 anos nas entidades de acolhimentos de João Pessoa e outros seis que estão prestes a completar a maioridade. “As repúblicas ainda são promessas, mas o desligamento do serviço é uma certeza”, analisa.

O MPPB tem cobrado à Prefeitura de João Pessoa a implantação das repúblicas. De acordo com Soraya, caso o diálogo não seja eficiente, uma ação poderá garantir o serviço, e ela deve ser finalizada ainda este mês. “O Ministério público acredita que o bom senso prevaleça, até porque o poder público já está em atraso com a disponibilização de tal serviço”, explica.

Implantação de república é planejada

Em contato com o Portal MaisPB, o secretário de Desenvolvimento Social de João Pessoa (Sedes-JP), Eduardo Jorge Rocha Pedrosa afirmou que a implantação de uma república faz parte do planejamento da Prefeitura Municipal, mas evitou dar prazos e citou crise econômica no país.

Segundo ele, o município tem feito estudos e levantamentos para a criação de uma república na cidade e a demora também é por conta da burocracia que um serviço desta demanda requer.

O secretário ainda citou um auxílio-moradia de R$200 que é dado por seis meses para jovens que saem das casas de acolhimento. “Os adolescentes não ficam desamparados pelo município. A gente acolhe com auxílio-moradia, programas de capacitação e inclusão”, informou.

Ciente das falhas e deficiências dos poderes públicos, Daniela prefere não acompanhar a Copa do Mundo e aconselha população: “O povo brasileiro deveria pensar mais na sociedade e esquecer do futebol. Todos os jogadores têm dinheiro e depois que acabar a Copa vai ficar todo mundo com o bolso cheio e a gente aqui, no mesmo canto”, desabafou.

Caroline Queiroz – MaisPB

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