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Odilon Fernandes – advogado, escritor, professor e procurador federal aposentado.

A lentidão da Justiça

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publicado em 25/11/2017 às 15h24

Ao longo de nossa vida profissional, tivemos a experiência de advogar na vigência de dois Códigos de Processo Civil — e estamos advogando já na vigência do terceiro, o que representará a existência simultânea de três Códigos. Tudo isto, segundo se diz, em busca da celeridade, com vistas à agilização do andamento das questões que tramitam no Judiciário.

No entanto, a açodada busca de celeridade estabelece, antes de tudo, certa insegurança jurídica. Se já é difícil para o profissional entender e trabalhar com três Códigos, além de centenas de reformas que se sucedem no tempo, torna-se evidente que o jurisdicionado, aquele que ingressa na Justiça, tem muito mais dificuldade em compreender tanta instabilidade normativa. Esta inconstância normativa traz, sem dúvida, muitas consequências nefastas para as empresas, para a economia, para a família. Enfim, todos são danosamente atingidos, ao se evidenciar grande mutabilidade, diríamos mesmo volubilidade (ou até casuísmos), nas regras que presidem aos processos judiciais.

Há, naturalmente, em todos os Códigos e reformas, em andamento ou já realizadas, muitos equívocos na análise e interpretação das supostas razões que atravancam o andamento dos processos no Poder Judiciário. Mas, em todas as tentativas de reforma, sempre se esquecem elementos fundamentais que sabemos responsáveis pela lentidão da prestação jurisdicional. Dentre estes elementos, nos deparamos com aqueles que dizem respeito ao “tempo morto dos feitos” — item que alude àquilo que, numa linguagem popular, traduz-se por “chá de gaveta”. Ou seja: é muito comum verificar-se, no andamento de tais ou quais demandas, que o feito se encontra “concluso ao Juiz”; vale dizer, foi “remetido ao juiz”, para despacho. Assim, frequentemente, o operador do Direito enfrenta esta realidade inacreditável: a de uma demanda passar seis meses (ou mesmo um, dois, três anos) aguardando um despacho — sem se saber, absolutamente, por quanto tempo se terá ainda que esperar pelo devido impulso para que as coisas voltem a andar ou seguir seus trâmites.

Observamos, noutra vertente, aqueles casos nos quais as partes esperam pela expedição de um alvará (digamos, a liberação de dinheiro já depositado, já com o processo encerrado) — e, na maioria das vezes, o julgador passa 30, 180 dias ou até mais de um ano para escrever uma pequena fórmula (“Expeça-se o alvará”) no requerimento que pede a liberação da quantia. Em muitos casos, depois do tardio despacho, também o Cartório gasta exagerado tempo para expedir um simples alvará — a ordem de liberação do dinheiro — ou até mesmo para que seja consignada uma assinatura.

E há mais. Sabe-se que, em quase todos os alvarás a serem liberados, existe a chamada verba alimentar, equivalente ao salário do advogado que vive de seus honorários. De tudo isto se deduz inexistir qualquer observação de prioridades — prioridades que se constituem até mesmo em preceitos fundamentais, constitucionais até.

Muitos são, portanto, os aspectos que revelam procedimentos abusivos de serventuários e juízes, para os quais os prazos nada significam. Tomemos, por exemplo, o estabelecido pelo artigo 226 do Novo Código de Processo Civil, que fixa 5 dias para que o magistrado profira despachos de expediente e 10 (dez) dias para que prolate as decisões. Por absurdo que pareça, trata-se de prazos “impróprios”, pois o descumprimento não acarretará qualquer sanção ou uma simples penalidade contra o servidor-juiz infrator. O art. 228 da mesma Lei fixa prazos para o serventuário, dispositivo que também cai no vazio por falta de coercibilidade quando descumprido.

A mesma coisa verifica-se quanto ao serventuário. Basta ler o artigo 228 do Novo Código de Processo Civil e seus incisos, para se comprovar, a todo momento, que não há a menor punição para os que não cumprem prazos. No entanto, o advogado sofre graves penalidades se não observar os prazos estabelecidos nos Códigos Processuais. São consequências também suportadas pelos clientes dos advogados, isto é, pelos jurisdicionados, pelos que buscam o socorro da Justiça. Por exemplo: se o advogado ou seu cliente não apresentar defesa em 15 dias úteis, configura-se revelia: a parte perde a questão; o advogado pode sofrer penalidades disciplinares fixadas pela OAB; e também pode ser acionado pelo constituinte, em face de sua responsabilidade civil.

Enfim, todos os prazos não cumpridos pelo advogado têm consequências nefastas, ao contrário do que ocorre com os atrasos de responsabilidade dos juízes e serventuários, os quais nada sofrem por causa de sua desídia quanto à observação dos prazos. Muitas outras são as impropriedades, neste particular, como é o caso das audiências de “instrução e julgamento”, nas quais, com raras exceções, nunca existe julgamento.

E ainda se poderia falar de muitas outras falácias, leis mortas, normas impróprias, como as que dizem respeito à preferência na tramitação dos processos de idosos e doentes graves, conforme estabelece o artigo 1.048, do novo CPC, sabendo-se que é muito comum ocorrer a morte do idoso e do doente grave sem que seja observada a preferência a que tinham direito. Trata-se de absurda indiferença ante o destino humano, um autêntico descaso para com aqueles que vivem, a cada dia que passa, com a certeza da antecipação de sua própria morte.

Tais problemas ocorrem em todos os graus de jurisdição. Patrocinamos questões (como mandados de segurança) no egrégio Superior Tribunal de Justiça — processos que ali se encontravam mortos há seis anos, como é o caso do de número 18.213, conhecido como “Remédio Heróico”… Imagine-se o que acontece com os que não requerem heroísmo…

Tínhamos outro caso, o REsp 694102, também tramitando naquela Corte há seis anos e cujas partes eram nonagenárias, sendo uma delas portadora de cardiopatia grave e já falecida. Assim, como entender, como compreender isto, ante a clara preferência dada pelo artigo 1.048 do Novo Código de Processo Civil?!
Há que citar, por fim, mas não em último lugar, o problema estrutural: não se investe no que é fundamental: o treinamento dos serventuários que chegam aos Cartórios sem saber lidar com arquivos — e, com muito maior frequência do que se pensa, sem saber sequer o que seja um processo!

Juízes há, como afirmou o ex-presidente do STJ, ministro César Ásfor Rocha, que podem ser considerados verdadeiros autistas: vivem desconectados da vida social, econômica e política; desconhecem os problemas e as necessidades mais prementes dos jurisdicionados, pois, lamentavelmente, não se importam com as prioridades. Assim, para muitos deles, lamentavelmente, é coisa bastante comum que se passem 15, 30, 60 dias antes de ser despachada uma liminar — mesmo já estando implícito, quase sempre, o conceito de urgência, na própria definição do termo.

A obstruir o Judiciário, temos ainda os processos que envolvem o Estado (Governos Federal, Estadual e Municipal). Tais processos representam 70% de tudo o que tramita na Justiça. De outra parte, não se pode esquecer os feitos em que o Setor Público é parte — e que gozam de absurdos privilégios, como prazos em quádruplo para contestar; em dobro para recorrer; intimações pessoais de seus Procuradores; e grande maestria na manipulação do tempo para pagamento das condenações que lhes são impostas.

Há, certamente, gratificantes exceções. Mas, concluindo, não se pode esconder o fato de que necessitamos, todos, de medidas que tornem efetiva a legislação. De providências capazes de atacar, frontalmente, os procedimentos que realmente possam contribuir para agilizar o andamento dos processos na Justiça.

E observe-se: este não é um libelo acusatório. Representa, apenas, o clamor que temos ouvido de milhares de clientes e de colegas advogados. Foi isto o que nos encorajou a trazer tais ideias para o debate público.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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