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Odilon Fernandes – advogado, escritor, professor e procurador federal aposentado.

Não existe “Crime de Obstrução da Justiça”

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publicado em 27/10/2017 às 12h43
atualizado em 01/11/2017 às 08h57

Este é o titulo do artigo escrito pelo jurista Nixonn Freitas Pinheiro, em julho do corrente ano, publicado no dia 04 do referido mês, e que por ser assunto dos mais relevantes, para conhecimento público, passamos a transcrever:

“De plano, deve ser dito que não existe no Código Penal brasileiro o “Crime de Obstrução da Justiça”. O que existe, de fato e de direito, são os “Crimes contra a Administração da Justiça”.

Do art. 338 ao 359, o nosso Código Penal elenca os “Crimes contra a Administração da Justiça”, não tratando do “Crime de Obstrução da Justiça”. Veja os tipos penais: Reingresso de estrangeiro expulso (art. 338); Denunciação caluniosa (art. 339); Comunicação falsa de crime ou de contravenção (art. 340); Auto-acusação falsa (art. 341); Falso testemunho ou falsa perícia (art. 342 e 343); Coação no curso do processo (art. 344); Exercício arbitrário das próprias razões (art. 345 e 346); Fraude processual (art. 347); Favorecimento pessoal (art. 348); Favorecimento real (art. 349 e 349-A); Exercício arbitrário ou abuso de poder (art. 350); Fuga de pessoa presa ou submetida a medida de segurança (art. 351); Evasão mediante violência contra a pessoa (art. 352); Arrebatamento de preso (art. 353); Motim de presos (art. 354); Patrocínio infiel e Patrocínio simultâneo ou tergiversação (art. 355); Sonegação de papel ou objeto de valor probatório (art. 356); Exploração de prestígio (art. 357); Violência ou fraude em arrematação judicial (art. 358); e Desobediência a decisão judicial sobre perda ou suspensão de direito (art. 359).

Obstruir a Justiça é apenas um fato jurídico. Relevante ou não, dependendo do caso concreto. E, como tal, deve encaixar-se em algum dos crimes previstos contra a Administração da Justiça. Não se encaixando, o fato pode ser imoral, abjeto, indecente, repugnante,… Mas, não é crime!

Por ser um fato jurídico de extrema repercussão negativa, ao longo do tempo, o crime de “Favorecimento Real”, por exemplo, foi cognominado de “Obstrução da Justiça”: “prestar a criminoso, fora dos casos de co-autoria ou de receptação, auxílio destinado a tornar seguro o proveito do crime”.

Como qualquer outro que atrapalhe ou cause embaraço nas investigações e na instrução criminal. Exemplo disso vê-se também da previsão do art. 351, do Código Penal, quando preceitua que é crime “promover ou facilitar a fuga de pessoa legalmente presa ou submetida a medida de segurança detentiva”.

E que ainda são crimes considerados como “Obstrução à Justiça” a “Sonegação de Papel ou Objeto de Valor Probatório” (art. 356) e a “Exploração de Prestígio” (art. 357), qual seja “solicitar ou receber dinheiro ou qualquer outra utilidade, a pretexto de influir em juiz, jurado, órgão do Ministério Público, funcionário de justiça, perito, tradutor, intérprete ou testemunha”.

Portanto, é “Crime Contra a Administração da Justiça” e não “Crime de Obstrução da Justiça” quando o agente ou outrem procede para obstruir, atrapalhar, emperrar, bloquear, embaraçar, travar, interromper, manipular ou dissimular ação da autoridade judiciária, acometendo-se e afoitando-se contra a dignidade processual-institucional.

Para ilustrar, nos Estados Unidos há regulamentação para os crimes de “Obstrução à Justiça” que implicam em agredir a integridade do sistema judicial. Para manter a integridade do processo, é crime mentir ao juiz, tentar constranger uma testemunha, encorajar ou participar da destruição de provas, promovendo intimidações e retaliações de toda ordem contra quem participa do processo, interferindo de maneira inadequada no trâmite das investigações ou no trâmite processual, etc., etc. São, portanto, alguns exemplos de ‘obstrução da justiça’ no Direito norte-americano.

Em que pese o Brasil não dispor de uma legislação específica sobre a questão, o Procurador de Justiça Criminal do Ministério Público de São Paulo, Ricardo Antonio Andreucci, Doutor e Mestre em Direito, trás a seguinte colocação: “percebe-se, portanto, que, sob o manto da “obstrução da justiça”, se encontram vários crimes contra a administração pública e contra a administração da justiça, que, no Brasil, já são tipificados no Código Penal, tais como resistência (art. 329 do CP), desobediência (art. 330 do CP), coação no curso do processo (art. 344 do CP), falso testemunho (art. 342 do CP), favorecimento pessoal (art. 348 do CP), favorecimento real (art. 349 do CP), fraude processual (art. 347 do CP), dentre outros.

Segundo ainda o procurador, “merece destacar que, no Brasil, o Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006, promulgou a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 31 de outubro de 2003 e assinada pelo Brasil em 9 de dezembro de 2003. Referida convenção, em seu artigo 25, estabelece que cada Estado Parte deve adotar as medidas legislativas e de outras índoles que sejam necessárias para qualificar como delito a obstrução da justiça. Assim, não obstante já conter a legislação penal pátria inúmeros tipos penais que poderiam muito bem abrigar as condutas configuradoras da “obstrução da justiça”, tramita na Câmara dos Deputados, aguardando apreciação do plenário, o Projeto de Lei nº 3.180-A, de 2004, de autoria do então deputado federal Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ), inclusive com aprovação pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, que propõe seja inserido no Código Penal o art. 329-A, sob o nomen iuris obstrução, com a seguinte tipificação: Art. 329-A – Impedir, embaraçar, retardar ou de qualquer forma obstruir cumprimento de ordem judicial ou ação de autoridade policial em investigação criminal”.

Mesmo não tendo o fato jurídico cunhado de “Obstrução à Justiça” uma tipificação na legislação penal brasileira, deve-se reconhecer, no entanto, que no processo-crime as condutas típicas que impliquem em atrapalhar, embaraçar ou influenciar indevidamente o bom andamento da persecução penal, da instrução criminal, seja na fase inquisitorial ou processual, constituem, sim, obstrução à regular ação da Justiça na busca da verdade real e da punição estatal.

“Na medida que as operações de combate à corrupção foram adquirindo proporções ineditamente épicas, os envolvidos têm reagido com a mesma ênfase, utilizando-se de todas as armas disponíveis às mãos, desde o redimensionamento estratégico de discursos políticos-ideológicos, amparados pelo avançadíssimo marketing político elaborado sob medida, até a infeliz utilização de meios escusos, muitas vezes criminosos, visando obstar a concretização da responsabilidade criminal iminente de seus atores políticos”, diz Rodrigo Felberg, advogado Criminalista, Sócio do HARTMANN E FELBERG ADVOGADOS ASSOCIADOS. Graduado Pela Pontifícia Universidade Católica De São Paulo (PUC/SP).

Alvos do Ministério Público e do Judiciário, agentes públicos, empresários e políticos estão no sacrifício constante para encontrar qualquer meio para burlar o funcionamento da Justiça e contaminar as investigações e as provas nos processos-crimes, tramando equações de custo e benefício onde a audácia e a prepotência para obstruir a Justiça se sobrepõem até mesmo aos riscos dos porões das prisões.

Então, o que pretende a legislação com as prescrições dos “Crimes contra a Administração da Justiça” definidas no Código Penal pátrio é proteger a regularidade, a harmonia processual e o equilíbrio probatório, impedindo condutas atípicas e tendentes a causar transtornos ao exercício jurisdicional e à aplicabilidade da lei”.

Os Crimes Contra a Administração da Justiça que se conhece como Crime de Obstrução da Justiça,  podemos dizer que têm o alcance e o poder muito mais nefasto do que se imagina. Particularmente neste momento de tão ostensivos escândalos até alguns Magistrados são flagrados, com muita freqüência, cometendo estes delitos. Para nós a corrupção no nível praticado em nosso país é um crime de genocídio e seus autores quando políticos e empresários poderosos com a prática de tais delitos atingem mortalmente milhares e até milhões de pessoas e lamentavelmente muitos Juízes são lenientes para com essas pessoas que deveriam receber a mais rigorosa aplicação da Lei, interpretando-se a legislação em favor da sociedade, com equidade e Justiça, para extirpar entre nós a sensação de impunidade, da tolerância, que estimulam a reincidência da prática criminosa. Entendemos que crimes de corrupção, crimes violentos, devem ser tratados rigorosamente, especialmente se seus autores são poderosos, com poder de influência em vários setores da sociedade além de possuírem grande poder econômico com condições de subornar, intimidar, chantagear, praticar tráfico de influencia, dissimular, destruir provas e tudo fazer para prejudicar a apuração dos fatos criminosos que cometem.

É por isso que ousamos dizer que “Crime Contra Administração da Justiça” do ponto de vista de uma análise profunda também é praticado por Magistrados que as vezes se chamam de legalistas quando deixam de utilizar a hermenêutica de forma a adequar suas decisões a vitais necessidades da sociedade. Há outras atitudes de Magistrados que também atentam contra a administração da justiça, contra a própria Constituição, como a morosidade, principalmente da apreciação de processos que devem ter prioridade na sua tramitação que parece até desconhecerem o princípio segundo o qual igualdade é tratar desigualmente os desiguais. Não se justifica, por exemplo, que o Ministro do Supremo, peça vistas de um processo com 25 anos de tramitação quando este é pautado para julgamento. Não se justifica que um Ministro do Supremo viva a julgar fora dos autos pela imprensa e que as vezes ajam partidariamente ou como se fossem advogados de uma das partes, e é por isto e muito mais  que identificamos “O Crime Contra Administração da Justiça”, também cometido no âmbito do poder Judiciário.

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