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Educador físico, psicólogo e dvogado. Especialista em Criminologia e Psicologia Criminal Investigativa. Ex-agente Especial da Polícia Federal Brasileira, sócio da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas e do Instituto Brasileiro de Justiça e Cidadania. Autor de livros sobre drogas.

Por que a inalação de desodorantes e similares pode matar?

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publicado em 06/05/2025 ás 09h46

Os solventes, de forma geral, também chamados de inalantes ou substâncias voláteis, possuem componentes psicoativos que podem ser extremamente danosos ao ser humano quando inalados.

Estes representam um grupo de substâncias psicoativas, quimicamente bastante diversificado, e envolve uma grande variedade de produtos, como: gasolina, cola, solventes, tintas, vernizes, esmaltes, aerossóis, removedores, fluido de isqueiro, gás de botijão, benzina, inseticidas, extintores de incêndio, laquês, acetonas, tinner, lança-perfume, “cheirinho da loló”, desodorantes etc.

Tais produtos muitas vezes são inalados involuntariamente por trabalhadores da indústria ou de ambientes domésticos, e também utilizados como drogas de abuso por algumas pessoas.

O fenômeno da inalação voluntária de produtos químicos com fins recreativos não é recente, tendo surgido com o próprio desenvolvimento industrial. Esta “mania” acontece em vários países do mundo, sobretudo com crianças, adolescentes e jovens adultos marginalizados e que vivem pelas ruas dos grandes centros urbanos. Contudo, tal comportamento também tem sido praticado, embora de maneira menos frequente, por crianças e jovens de classe média e alta, em ambientes festivos públicos e privados e ou até mesmo na solidão dos seus próprios quartos na residência dos seus pais, com muitos desses usuários praticando tal comportamento, estimulados por personagens e ou grupos das redes sociais.

É importante acrescentar que, por serem muitos destes produtos utilizados na indústria em geral, na limpeza doméstica e também na higiene e embelezamento pessoais, estes são legalmente vendidos e por baixo custo, portanto, de fácil acesso, haja vista que, geralmente, se encontram disponíveis dentro dos próprios lares, contribuindo para dificultar o controle e a fiscalização por parte dos pais e ou responsáveis.

Segundo o Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas – CEBRID, os solventes em geral estão entre as drogas mais utilizadas por estudantes de escolas públicas do nível fundamental. E, em se tratando de crianças e adolescentes em situação de rua, tal consumo aparece em primeiro lugar, prevalecendo o seu uso nas regiões Nordeste e Centro-oeste.

Estudos indicam que o uso desses inalantes geralmente se inicia entre os 9 e 12 anos de idade, frequentemente entre estudantes do sexo masculino. Essa idade só não é menor que a do uso inicial do álcool (o qual é culturalmente aceito e às vezes até estimulado, em todas as camadas da sociedade brasileira).

Os solventes em geral têm propriedades comuns: suas moléculas são pequenas e de baixo peso, o que facilita sua penetração e distribuição pelo organismo. Desta forma, são rapidamente absorvidos pela corrente sanguínea e pela rica superfície capilar dos pulmões. Consequentemente, atingem os tecidos mais vascularizados, dentre estes, o cérebro e o fígado e armazenam-se em depósitos de gordura como: os sistemas nervosos: central e periférico, o fígado e os rins. Os picos de concentração dessas drogas ocorrem em minutos e os efeitos são praticamente imediatos, durando de 5 a 15 minutos em média, daí o costume de repetição do consumo várias vezes em um curto espaço de tempo.

Diversas teorias continuam sendo estudadas visando explicar os mecanismos de ação dos solventes. Em princípio todas concordam que a intoxicação se assemelha àquela produzida pelo álcool: euforia inicial seguida de depressão. Contudo, tais efeitos podem ser divididos em quatro fases: a primeira – são os sintomas mais procurados pelos usuários e incluem euforia, excitação, exaltação e alterações auditivas e visuais. Podem ocorrer sintomas desagradáveis como, vertigens, tonturas, náuseas, vômitos, espirros, tosse etc. Na segunda fase – ocorre a depressão inicial do Sistema Nervoso Central – SNC, produzindo confusão, desorientação, obnubilação, perda do autocontrole, turvação da visão, cólicas abdominais etc. Ás vezes também cefaleia e palidez. Na terceira fase – há uma depressão média do SNC, com redução acentuada do estrado de alerta, dificuldade de coordenação ocular e motora, fala pastosa, reflexos diminuídos etc. Já a quarta e última fase é caracterizada por depressão profunda ou tardia do SNC, podendo ocorrer inconsciência, convulsões, paranoia e comportamento bizarro (extravagante). Essa fase ocorre com frequência em usuários que inalam a substância em um saco plástico, não conseguem afastá-lo do nariz, agravando a intoxicação, que pode levar à morte por asfixia mecânica.

A intoxicação aguda, geralmente acontece por ingestão oral de quantidades excessivas, é relativamente rara e costuma ser fatal.

Segundo alguns especialistas do tema em comento, o uso de solventes além dos prejuízos neurológicos e psicológicos, está associado com a síndrome da “morte súbita”, ocasionada por falha cardíaca, que pode ocorrer em razão da sensibilidade do miocárdio à estimulação pela norepinefrina. Além disso, também existe o risco de prejuízos crônicos ao coração, aos pulmões, aos rins, ao fígado e aos nervos periféricos.

Concluindo pode-se afirmar que, além do abuso e da dependência, os solventes são drogas com alto potencial de morbidade e mortalidade. Há muitas evidências que o uso abusivo destas substâncias é mais danoso ao cérebro e outros órgãos que o daquelas drogas que normalmente chamam mais a atenção do público (cocaína, maconha etc.). O risco de uma fatalidade também é muito maior.

E, se é para inalar algo que lhe dê prazer, contente-se como o ar puro da natureza, que é gratuito e só faz bem à saúde.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB