João Pessoa, 23 de dezembro de 2023 | --ºC / --ºC Dólar - Euro

ÚltimaHora
maispb entrevista

Dez anos depois, Zeca Baleiro lança seu álbum autoral de sambas

Comentários: 0
publicado em 23/12/2023 às 16h24
atualizado em 23/12/2023 às 14h00

Kubitschek Pinheiro

Fotos Necka Ayala

Exatamente dez anos depois – em 11 de abril de 2013, quando Zeca Baleiro completou 47, o artista decidiu que iria gravar um disco só de sambas autorais. Deu largada ao projeto O Samba Não É de Ninguém”. O tempo passou e naquele ano foram gravados seis sambas ao vivo no estúdio, acompanhado de um quinteto da área do samba, sobre a batuta do produtor e parceiro Swami Jr., mas o projeto foi deixado de lado na lista de prioridades do artista.

Em 2019, Baleiro decidiu voltar ao disco. Recrutou a mesma banda e mais alguns convidados, e gravou outros cinco sambas. O Samba Não É de Ninguém é o nome do álbum que resultou dessas duas sessões distantes no tempo, e que só agora vem a público. O álbum está nas plataformas digitais pelo selo do próprio artista, Saravá Discos, com distribuição da ONErpm.

O álbum tem 11 canções, todas de Baleiro, três delas em parceria – “Casa no Céu” (com Eliakin Rufino); “Eu pensei que você fosse a lua” (com Salgado Maranhão); e “Duas Ilhas”(com Swami Jr.). A instrumentação é acústica e tradicional, sem nenhuma modernização, pelo contrário, o disco parece ter sido gravado há muitos anos.

Discos de Roberto Ribeiro, Clara Nunes e Guilherme de Brito serviram de guia e inspiração musical e sonora à produção de O Samba Não É de Ninguém.

A capa do disco, que terá versão em vinil, é uma obra de arte do artista Elifas Andreato, responsável por capas clássicas de artistas da música brasileira, sendo Martinho da Vila, Paulinho da Viola e Zeca Pagodinho. Elifas faleceu no ano passado e esta deve ser uma de suas últimas “capas” de disco, do trabalho que ele se esmerou.

O Samba Não É de Ninguém faz parte das comemorações dos 26 anos de carreira de Baleiro, que incluiu também o álbum “Mambo Só”, que chegou nas plataformas digitais em julho. A celebração ainda engloba um álbum com Chico César, um livro de memórias e o talk show “Evoé”.

 Em conversa com o MaisPB, Zeca revela a demora do álbum, mas quem ganha somos nós, com a chegada de O Samba Não É de Ninguém e não é mesmo.

MaisPB – Depois de tanto tempo prometido, agora comprido, o belo disco de samba. Vamos começar por aqui?
Zeca Baleiro – Pois é, foram longos dez anos, o maior tempo que já passei fazendo um disco. Em parte, pela avalanche de compromissos e projetos no meio do caminho, em parte por um medinho de mexer na igreja sagrada que é o samba. Mas ao fim, a coragem venceu rs.

MaisPB – “O Samba Não É De Ninguém”, é  um título muito bom, mas dizem que o samba começou com Tia Ciata, lá no recôncavo baiano ou seria no Rio?

Zeca Baleiro – Isso sim é o que a história conta, que teria nascido no Rio com origem baiana, do samba de roda do Recôncavo Baiano. Mas, como ouvi outro dia um pensador falar, “toda tradição é inventada”. E se já existisse algo parecido com o samba em Pernambuco ou na Paraíba ou no Maranhão e ninguém soube ou registrou? Mas o álbum não pretende cavucar isso, apenas dizer que o samba não tem dono. Há um samba muito bom sendo produzido em Porto Alegre, Belo Horizonte e Curitiba, por exemplo. Se você falasse isso há alguns anos, pareceria mentira, mas é verdade.

MaisPB –  Adorei Santa Luzia,  que abre o disco, a sensação que a gente tem é de você nos levar para um samba sem fim. Às vezes eu penso que tenho os olhos da santa, nas mãos, nos pés e nas costas. Ou seja, um samba não deixa ninguém sentado, né?
Zeca Baleiro – O samba tem aquilo que Vinícius definiu com exatidão, que é “a tristeza que balança”. Mesmo triste, induz à dança. Isso é aliás uma característica bela do samba. Como é também do forró.

MaisPB – Tentando inverter o ditado, quem me vê assim não sabe o que passei, a segunda faixa parece um samba de Paulinho Viola. Estou certo?

Zeca Baleiro Se você diz, acredito, muito me honra. A inspiração veio mais dos chamados “afrossambas”, de Baden Powel e Vinícius, mas o disco tenta dialogar com toda a tradição rica do nosso samba, de Candeia a Wilson Batista, de Noel a Martinho.

MaisPB – Casa no Céu ( de Baleiro e Eliakin Rufino) é demais, os instrumentos fazem a festa, a festa no céu, só que uma festa permanente – seria o samba da paz?
Zeca Baleiro – A batucada é linda ali, não? Tem muita ironia na letra do Eliakin, que é um formidável compositor roraimense. Mas pode sim ser o “samba da paz”.

MaisPB – Chegamos a faixa que dá nome ao disco, que vc faz várias homenagens… do tema de Lara a Paulinho da Viola, Gilberto, Nogueira e tantos outros. Vamos falar dessa canção que tocou, bateu?

Zeca Baleiro- É, essa canção é quase um manifesto, a dizer “todos podem cantar, dançar, fazer samba”… A gente sabe que não é tão simples assim, mas é esse o grito, a ideia do samba como música maior do imaginário brasileiro.

MaisPB — Rapaz, as vozes do coral, milhares de auxílios que dão uma extensão para as músicas desse disco?

Zeca Baleiro – Samba sem coro não é samba, né? É o que se chamava no passado de “pastoras”, embora no disco haja vocais masculinos também. O coro que dá o tom “épico” ao disco.

MaisPB – A sexta faixa Pedra Fria, é tão bonita, um piano, um violão, tanta coisa na junção dessa canção – ir às vias de fato, e você diz que tem medo da morte do amor. Fala aí?

Zeca Baleiro – Ah, poesia, né?, um tanto inexplicável, acho. Fiz essa letra pro Macalé, mas antes de enviar, eu mesmo musiquei, e gostei tanto que deixei assim mesmo. Fica pra outra nossa parceria.

MaisPB – Já na sétima faixa, a morte deste amor começa pelo jardim, e tem o cachorro sem dono. O que fazer, meu caro ZB?

Zeca Baleiro – Essa música fala do desencanto do mundo, e a busca de felicidade em lugares talvez “errados”, como livros de autoajuda, presunções à parte. Divaga sobre isso, o abandono e a tristeza do mundo de hoje.

MaisPB –  A Voz da Morro é com certeza um samba antigo – de cara. Estou certo? 

Zeca Baleiro Sim, evoca os sambões mais antigos e homenageia o querido e imenso Zé Kéti, uma grande figura, que eu tive o prazer de conhecer.

MaisPB   Essa canção fala da Lua, vestida de azul, quase dolente, sem norte e sem sul. Parece que já nasce um clássico?

Zeca Baleiro – A letra é do poeta conterrâneo Salgado Maranhão, também parceiro de Paulinho da Viola, entre outros tantos parceiros. A letra me inspirou a fazer um samba com essa pegada lírica, antiga, dolente…

MaisPB – Triste Lupicínio parece uma provocação  ao mestre LR, dizendo com outras palavras, as dores de Lupi – oh Dio como te amo, cortar os pulsos, bom demais. E ainda traz as casas Bahia da canção do Chico César, né?

Zeca Baleiro – É uma louca mistureba esse samba. Escrevi isto sobre ele no faixa a faixa que irá no encarte do vinil, a ser lançado em breve: “Certa vez me veio a ideia de escrever uma letra longa que trouxesse propositadamente referências e citações diversas, algumas sutis ou mesmo subliminares e outras explícitas, mas como um jogo criativo, não como ostentação de uma suposta bagagem cultural (o que também não seria um imenso pecado para um criador, é preciso dizer). Era para ser uma espécie de enigma, mas como não estamos em tempos de enigmas e charadas, aqui vai. Nesta canção estão juntos e misturados Leonel de Azevedo e J. Cascata (compositores do passado), Machado de Assis, Revolução Russa, Aldir Blanc, bailes funk, Gigliola Cinquetti, Noel Rosa, Ismael Silva, Vinícius de Moraes e, como o título deixa claro, Lupicínio Rodrigues. Na hora de musicá-la, me ocorreu esta melodia de samba malandro e lírico”.

MaisPB – E ai, Zeca, vamos sambar?

Zeca Baleiro – Vamos. Já fizemos show de lançamento dia 16 de novembro na Casa de Francisca, aqui em São Paulo, e foi lindo, uma celebração. Meus sambas, mas também clássicos de Nelson Cavaquinho, Martinho, Paulinho, Cartola, Fundo de Quintal, Benito etc. Voltamos pra uma temporadinha lá antes do carnaval e pretendemos viajar com essa roda de samba pelo Brasil.

Leia Também