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Educador Físico,  Psicólogo e Advogado. Especialista em Criminologia e Psicologia Criminal Investigativa. Agente Especial da Polícia Federal Brasileira (aposentado). Sócio da ABEAD - Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas e do IBRASJUS - Instituto Brasileiro de Justiça e Cidadania. É ex-presidente da Comissão de Políticas de Segurança e Drogas da OAB/PB, e do Conselho Municipal de Políticas sobre Drogas do município de João Pessoa/PB. Também coordenou por vários anos no estado da Paraiba, o programa educativo "Maçonaria a favor da Vida". É ex-colunista da rádio CBN João Pessoa e autor dos livros: Drogas- Família e Escola, a Informação como Prevenção; Drogas- Problema Meu e Seu e Drogas - onde e como lidar com o problema?. Já proferiu centenas de conferências e cursos, e publicou dezenas de artigos em revistas e livros especializados sobre os temas já citados.

O papel da família na dependência química

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publicado em 30/04/2024 às 07h00
atualizado em 29/04/2024 às 16h38

 

O grupo familiar poderá exercer um papel de prevenção, ou até mesmo de risco em relação ao uso indevido de drogas e ou a dependência química, face a complexidade deste mal. O pressuposto básico preconiza que as pessoas que usam drogas estão dentro de um contexto no qual seus valores, crenças, emoções e comportamentos influenciam os comportamentos dos membros da família e são por eles influenciados. Por isso, é importante que o enfoque terapêutico e de cuidados englobe toda a família e não apenas o dependente.

A constituição familiar e a própria definição de família dependem de aspectos como movimentos históricos, contexto cultural, gênero, religião, etnia e tempo. Esses aspectos são moderadores de papéis e regras familiares que afetam e influenciam cada indivíduo e seu sistema. Os núcleos familiares existem dentro de um amplo contexto social constituído pela rede de amigos e comunidades. São o que chamamos sistemas abertos e que estarão em constante intercâmbio, numa troca de relacionamentos que se alimenta desta interação entre indivíduo, família e comunidade. Assim, deve-se compreender que às relações do usuário e ou dependente de drogas não se limita apenas aos seus familiares, mas sim a toda uma rede definida e constituída frequentemente por ele mesmo.

Em geral, quando uma família descobre que um de seus membros está envolvido com o uso indevido de drogas, especialmente as ilícitas, esta sofre um grande impacto pois, tal fato foge àquela programação de vida e de planos futuros idealizados e esperados para o grupo familiar. Esse impacto, acompanhado de decepção, normalmente passa por estágios progressivos e subsequentes, tais como: tentativa de negação e de não querer acreditar no que está ocorrendo, deixando assim de discutirem entre si o que realmente pensam e sentem sobre o fato; no segundo estágio, a família tende a preocupar-se com o problema, mas quase sempre mantém-se a regra de não falar sobre o assunto, fingindo que aquele comportamento indevido do ente querido não está causando problemas para a família. No terceiro estágio, normalmente instala-se uma desorganização familiar intensa, em que alguns membros da família passam a assumir compromissos que não são seus, numa tentativa de suprir as lacunas e responsabilidades que o usuário / dependente deixou de cumprir com seu comportamento irresponsável. Desta forma, às vezes a esposa passa a assumir toda a responsabilidade de casa em virtude do alcoolismo do marido, ou a filha ou filho mais velho passam a cuidar dos irmãos em consequência do uso de drogas pela mãe etc. Por último, o quarto estágio, caracteriza-se pela exaustão emocional, aqui podem surgir, a separação do casal, a expulsão do filho usuário de casa e o aparecimento de graves distúrbios de comportamento e até psiquiátricos em vários membros da família.

Os sentimentos mais comuns presentes em famílias que convivem com usuários ou dependentes de drogas são: raiva, ressentimentos, descrédito das promessas de parar feitas pelo usuário, impotência, medo do futuro, solidão diante do resto da sociedade, culpa e vergonha pelo estado em que se encontra etc. É importante afirmar que nem todas as famílias passam por este mesmo processo, mas é muito comum que muitas percorram este caminho.

O motivo de muitas famílias se sentirem culpadas e envergonhadas diante de tal “tribulação”, deve-se principalmente ao fato destas considerarem que demoraram muito tempo para admitir o problema e procurar ajuda externa e profissional, o que colabora para agravar o desfecho do caso.

É importante registrar, que seria simplista e até cruel e irreal se reduzir a etiologia da dependência química apenas à influência do contexto familiar, haja vista ser este um problema cuja origem é comprovadamente multifatorial, mas não há como negar, que uma família bem estruturada, cuja educação aconteça num ambiente social adequado, sem violências, com clareza de regras, amor e limites, é sempre um porto bem mais seguro em relação ao uso indevido de drogas e ou outros desvios de comportamento. Mesmo assim, é necessário admitirmos que não existe uma regra infalível de educação.

Certamente, a adolescência é a fase da vida do ser humano em que o mesmo está mais vulnerável em relação aos comportamentos inadequados. Portanto, precisamos estar conscientes que este período exige mudanças estruturais e renegociação de papéis nas famílias, pois é nesse ciclo que ocorrem as mudanças não apenas físicas dos filhos, mas também tem início a transição psicológica da infância para a idade adulta, e estes têm inúmeras dúvidas e inseguranças, embora não queiram admitir.

Faz-se necessário termos em mente que, muitas vezes, tal comportamento de consumo indevido é apenas uma fase em que estes jovens tentam se auto afirmarem e demonstrarem independência frente aos seus pares.

Portanto, precisamos estar atentos para não transformarmos o usuário no único problema familiar, em quem são depositados todas as atenções, cobranças e expectativas. Este é um problema sim, mas a solução está em mantermos a paciência e a persistência, nos esforçando para que o diálogo não seja interrompido por mais dura que seja a realidade e as queixas e decepções entre os membros da família, pois o apoio familiar e dos grupos sociais como, igreja, amigos não usuários, familiares que gozam do respeito e atenção do usuário, grupos de autoajuda, além do apoio profissional (médico, psicológico etc.), são vitais para a reestruturação do dependente químico, independente do estágio ou gravidade em que se encontre o problema. Pois, a comunicação franca, sincera, respeitosa e sem julgamentos, pode até ser uma estratégia de efeitos um pouco mais demorados, mas ainda é o melhor e mais eficiente remédio que conhecemos em relação ao problema da drogadição. Até porque, é mais fácil um jovem usuário abandonar o uso indevido de drogas por respeito à família e para não comprometer a harmonia desse ambiente em que ele é bem aceito, do que por medo dos efeitos degradantes destas substâncias.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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