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Francisco Leite Duarte é Advogado tributarista, Auditor-fiscal da Receita Federal (aposentado), Professor de Direito Tributário e Administrativo na Universidade Estadual da Paraíba, Mestre em Direito econômico, Doutor em direitos humanos e desenvolvimento e Escritor. Foi Prêmio estadual de educação fiscal ( 2019) e Prêmio Nacional de educação fiscal em 2016 e 2019. Tem várias publicações no Direito Tributário, com destaque para o seu Direito Tributário: Teoria e prática (Revista dos tribunais, já na 4 edição). Na Literatura publicou dois romances “A vovó é louca” e “O Pequeno Davi”. Publicou, igualmente, uma coletânea de contos chamada “Crimes de agosto”, um livro de memórias ( “Os longos olhos da espera”), e dois livros de crônicas: “Nos tempos do capitão” …

Nos cabarés de Sousa

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publicado em 28/04/2023 às 07h00
atualizado em 27/04/2023 às 17h28

Morar na rua do cabaré mais famoso de Sousa tinha suas vantagens, quase tão boas quanto trabalhar na farmácia frequentada por todas as prostitutas do bairro da Estação. O trabalho de balconista na farmácia de Seu João me deu a oportunidade, em um tempo em que isso não era proibido, de aplicar injeção em todas as prostitutas, que eram muitas e alegres.

E tristes. Todas as alegrias das prostituas eram tristes, muito embora, essa tristeza fosse socada para dentro, como alguém que engole o choro à força. Soube disso desde o primeiro dia em que conheci a primeira delas, tão fora de lugar quanto eu, por razões diversas.

Ela, porque era bem difícil ser mulher da vida, sobretudo no cabaré mais barato, o último, no final da rua, periferia da periferia; eu, porque a juventude já protagonizava em mim, embora imprópria para o momento, elevada compaixão por aquela jovem de olhar morto, lábios escarlates, voz e tempo apressados para outro cliente. Aquilo não poderia funcionar a contento.

Mas, não é desse fracasso precoce que quero falar. O fato é que eu me sentia perfeitamente integrado ao bairro, um elemento importante dele. Um bairro alegre, movimentado e pobre; um bairro grande, dividido, segundo os haveres dos seus moradores, em áreas, umas, mais nobres do que as outras, como os seus cabarés; um bairro amado, minha única morada na cidade sorriso no início dos anos 80.

O bairro da estação possuía seu centro. Nas cercanias da Estação ferroviária. Pertinho dali o parquinho na frente da Paróquia Nossa Senhora de Santana, dois ou três cabarés mais discretos do outro lado da linha férrea, o mercado, a mercearia de seu Laurindo, ali, na esquina, onde, nos domingos, ficávamos um grupo de garotos batendo papo sobre futebol. E um pouco mais distante, o Colégio de Macedo, onde lecionei matemática por dois anos. Na periferia, outros cabarés, porque o bairro tinha essa vocação, um vício para a alegria, mesmo que, amalgamado nela, dores, como muitas eram as agruras das suas prostitutas.

Nos dias da semana e no sábado eu ficava na farmácia. Lia, com extrema facilidade, o nome de todos os medicamentos, mesmo aqueles que continham apenas um rabisco entre a primeira e a última letra, como eram as prescrições médicas daquele tempo. Algo me encantava de verdade: os apelidos dos remédios postos pelos clientes da farmácia: Poliplex era “pau que cresce”; novalgina era “navagina”, banotal para binotal, o remédio do peixe, para a emulsão scott. Comprimido era “cachete” e por aí vai.

Sim, as pessoas que frequentavam a farmácia de Seu João eram pessoas muito simples, tão simples quanto o proprietário e eu. Mas aquilo era uma alegria farta, afinal a farmácia ficava no coração do bairro, na rua principal que corria de um lado ao outro da cidade, como uma dessas artérias principais que bombeia a existência de felicidade. Não é à toa que Sousa punha o seu sorriso de um canto ao outro do seu destino. Vocação, só isto.

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