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Francisco Leite Duarte é Advogado tributarista, Auditor-fiscal da Receita Federal (aposentado), Professor de Direito Tributário e Administrativo na Universidade Estadual da Paraíba, Mestre em Direito econômico, Doutor em direitos humanos e desenvolvimento e Escritor. Foi Prêmio estadual de educação fiscal ( 2019) e Prêmio Nacional de educação fiscal em 2016 e 2019. Tem várias publicações no Direito Tributário, com destaque para o seu Direito Tributário: Teoria e prática (Revista dos tribunais, já na 4 edição). Na Literatura publicou dois romances “A vovó é louca” e “O Pequeno Davi”. Publicou, igualmente, uma coletânea de contos chamada “Crimes de agosto”, um livro de memórias ( “Os longos olhos da espera”), e dois livros de crônicas: “Nos tempos do capitão” …

Os meninos do sertão

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publicado em 25/03/2022 às 06h31

Faça-se a luz. E a luz se fez. Foi assim que se deu, com os meus onze anos, quando adentrei o portão do Grupo Escolar Jovelina Gomes. Tudo ali era diferente da sala da casa da madrinha Maria Dantas, a professora das primeiras letras.

A nova escola situava-se na cidade de Uiraúna, nos confins do sertão paraibano, e não nas grotas do Sítio Saco Senhorinha. Mas, era também encantamento, um sonho teimoso nascido em um garoto, em cujo mundo todos eram analfabetos.

Aos fundos do grupo, havia um pátio e um parque, onde a molecada se atirava, com ímpeto, nos aparelhos, dava piruetas e fazia estripulias parecidas com os saltos dos cabritos nos pedregulhos do terreiro da minha casa. Eu nunca tinha visto aquilo. Que louco!

Nos dois anos que estudei ali, só brinquei nos aparelhos por duas vezes. Eram muito disputados pelos meninos da cidade, e eu não me sentia com o direito a algo que eu nunca imaginara existir.

As duas vezes ocorreram, quando fui me matricular. Tudo era silêncio e solidão. Todos os aparelhos de férias, cochilando ao sol, aguardando-me. Naquele dia, eu os vi inteiros. Eram de ferro e eram frios. Ainda me desloquei por três barras, mas meus braços eram muitos finos, e eu não vi graça alguma naquilo.

Uma calça azul ferrete. Camisa branca. No bolso da camisa, o símbolo do educandário. “A farda custou os olhos da cara”, disse minha mãe. Ah! Um Kichute de bico retorcido e uma macaúba no bolso. Não, no bolso, não. Mãe conseguira comprar uma lancheira. A macaúba fazia um barulho seco dentro da lancheira, mas eu a envolvi em uns pedaços de pano, para ninguém ouvir o que da macaúba tinha para se roer.

Não sei hoje, mas, em 1972, meninos nascidos na zona rural eram outro tipo de gente, bem diferentes dos meninos da cidade. Os da cidade eram muito limpos, soltos, saltitantes por todos os cantos da escola, como se aquele lugar fossem deles desde sempre. Eu, não. Eu era emborcado para dentro de mim. Estava ali apenas para sonhar. No mais, era telúrico demais, a cabeça cheia de feridas, um beradeiro, meu Deus, que dava dó.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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