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Francisco Leite Duarte é Advogado tributarista, Auditor-fiscal da Receita Federal (aposentado), Professor de Direito Tributário e Administrativo na Universidade Estadual da Paraíba, Mestre em Direito econômico, Doutor em direitos humanos e desenvolvimento e Escritor. Foi Prêmio estadual de educação fiscal ( 2019) e Prêmio Nacional de educação fiscal em 2016 e 2019. Tem várias publicações no Direito Tributário, com destaque para o seu Direito Tributário: Teoria e prática (Revista dos tribunais, já na 4 edição). Na Literatura publicou dois romances “A vovó é louca” e “O Pequeno Davi”. Publicou, igualmente, uma coletânea de contos chamada “Crimes de agosto”, um livro de memórias ( “Os longos olhos da espera”), e dois livros de crônicas: “Nos tempos do capitão” …

Era, assim, a vida

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publicado em 04/02/2022 às 07h06

A recua de meninos entrava no bar de Inácio de uma só vez. Era boquinha da noite. Dona Expedita, naquele dia, preparava as cocadas, que, ainda mornas, dormitavam em uma tábua fria, mas convidativa.

A caçarola, ainda morna, evaporava as partículas da melhor cocada de Uiraúna. Ali, em cima do fogão, buscava se esconder, para preservar as suas beiradas, mas tínhamos um faro aguçado e dedos anarquistas. Se aquela caçarola de açúcar derretido pudesse ser invisível, ainda assim achávamos o pote de ouro. Éramos todos prosa para Dona Expedida, que, dentro da sua bondade, sorria um riso aberto e maternal.

Inácio, o esposo, era paciente e parecia gostar daquela algazarra. Nós aproveitávamos. Jailma e Jailson não competiam pelas rebarbas das cocadas ou dos doces, porque viviam de bucho farto, o privilégio de serem filhos dos donos do modesto restaurante.

Entre a molecada, a competição era grande, mas não havia briga. Éramos pré-adolescentes muito comportados. Todos nós, ainda suados do jogo de futebol, com colheres ou dedos enérgicos, raspávamos as sobras do manjar pregado nas beiras da caçarola até se derreterem em nossas línguas ávidas e gulosas.

Dona Expedita sorria como se aquela anarquia na sua cozinha fosse o ápice do processo, uma das partes importantes da sua alegria de doceira e de proprietária de um estabelecimento minúsculo, mas cheio de amor e de compreensão.

O final dessa comilança era o início de outra, se tivéssemos dez centavos. Picolé de coalhada na sorveteria de Horácio. Sem dúvida, era uma explosão de simplicidade degustativa, mas transformada em um banquete real.

Chupávamos os picolés no salão do bar de Dona Expedita. Na vitrola, a voz de Roberto Carlos “O sol ainda não chegou e o relógio há pouco tempo despertou…”. Todos sorriam, como se estivéssemos no céu, de tanta inocência.

Falávamos todos ao mesmo tempo. De futebol, cada um puxando a sardinha para o seu time, todos cariocas. No outro dia, haveria aula de Português com a Professora Inês Vieira.  Era, assim, a vida!

@professorchicoleite

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