João Pessoa, 27 de novembro de 2021 | --ºC / --ºC Dólar - Euro

ÚltimaHora
maispb entrevista

Céu lança novo trabalho reunindo sucessos da MPB e fala do desejo de voltar à PB

Comentários: 0
publicado em 27/11/2021 às 12h58
atualizado em 27/11/2021 às 11h19

Kubitschek Pinheiro MaisPB

Fotos – Érico Toscano e Cássia Tabatine

A cantora e compositora Céu não tem limites. Depois de cinco discos autorais e um ao vivo, ela acaba de lançar o 1º como intérprete: “Um Gosto de Sol”, que vem da música de Milton Nascimento e Ronaldo Bastos, (gravada no CD “Clube da Esquina” de 1972). Essa é a novidade. Não é novidade, pois sempre aparecem canções de outros artistas nos seus discos iniciais, desde 2005. Céu canta tudo e muito mais, muito mais. O CD está em todas as plataformas digitais.

Abre com a canção “Ao Romper da Aurora”, um samba antigo de Ismael Silva, Lamartine Babo e Francisco Alves, da década de trinta, gravado no álbum “Ismael canta…Ismael” (1957). A faixa foi uma sugestão de seu pai, o maestro Edgard Poças – que era amigo de Ismael -, que, ao lado dela, do produtor Pupillo, marido de Céu, e do diretor artístico Marcus Preto, foram os responsáveis por formatar o repertório deste que é um trabalho clássico, da cantora paulistana. Céu foi além da pandemia e traz de volta o samba de Ismael, que estava esquecido.

Sua interpretação de “Bim, Bom”, a 11ª faixa, gravado por João Gilberto, no disco “Chega de Saudade”, é um cantar tão suave quanto a voz de João, lá em 1959. Céu traz consigo uma pletora de alegria e sentimentalidades.

É preciso destacar o violão sete cordas que se ouve junto a voz de Céu, tocado por Andreas Kisser, o guitarrista e líder do Sepultura, uma das bandas de metais mais famosas do mundo. Ambos arrebentam. O músico acabou entrando para a banda de base do álbum de Céu e tocou em todas as 14 faixas o instrumento que ele aprendeu para participar do projeto, a pedido da artista, que desejava essa sonoridade.

O convite a Kisser foi motivado depois que Céu e Pupillo o viram, em um vídeo postado nas redes sociais, tocando cavaquinho junto ao filho. Céu é mãe de Rosa, de 13 anos, e o mais novo, Antonino, de 4 anos.

“Um Gosto de Sol”, fez com que Céu vivesse um momento mais introspectivo, que a levou a optar por dar voz a canções que ela não escreveu. Céu já cantou nomes como Caetano Veloso, Jorge Benjor, João Bosco e Aldir Blanc e Nelson Cavaquinho.

Outra canção do novo disco, a segunda faixa “Teimosa”, Céu foi buscar na Bahia e que vai tocar no rádio, da dupla Antônio Carlos & Jocafi, gravada por eles em 1973. Os vocais, com aquelas respostas ao tempo, foram feitos em falsete por Russo Passapusso, da Banda BaianaSystem.
O álbum “Um Gosto de Sol” traz também uma sonoridade sensual. A gravação de “Chega Mais”, de Rita Lee, terceira faixa, lançada no álbum “Rita Lee”, de 1979, ganhou versão puxada para o rock, em pegada executada por Pupillo na bateria, Kisser no violão, Lucas Martins no baixo e Hervê Salters nos teclados

A sua versão de “May This Be Love” a nona faixa, de Jimi Hendrix, gravada por ele no álbum “Are You Experienced” de 1967, é uma viagem no tempo.

Céu e seus discos

O nome dela é Maria do Céu Whitaker Poças, nasceu em São Paulo, 17 de abril de 1980) – uma cantora e compositora brasileira. Seu trabalho traz influências da MPB, samba, hip hop, afrobeat, jazz e R&B. Teve sua estreia em 2005 com o disco homônimo “Céu”, que lhe rendeu reconhecimento nacional e internacional (tendo sido uma das primeiras brasileiras a ser indicada ao Grammy Awards).

Em 2009, lançou seu segundo álbum, “Vagarosa”, que recebeu nota dez da crítica internacional. Em 2012, lançou o disco “Caravana Sereia Bloom”, seu primeiro disco a ser lançado em vinil. Entre 2014 e 2015, rodou o Brasil apresentando o álbum “Catch A Fire”, de Bob Marley. Esse disco é incrível, embora não tenha saído físico.
Em 2016, lançou o álbum mais aplaudido de sua carreira, “Tropix”, que lhe rendeu 2 Grammy Latino e a consolidou como uma das maiores artistas da atualidade.

Em 2019, lança seu quinto disco, “APKÁ”, com uma composição inédita de Caetano Veloso, “Pardo”, (que ele gravou este ano no disco “Meu Coco”) que lhe rendeu 1 Grammy Latino na Categoria Melhor Álbum Pop Contemporâneo em Língua Portuguesa. É uma das cantoras brasileiras com maior reconhecimento internacional, sua performance no palco é sensacional, já tendo feito shows em todos os continentes.

A artista já esteve várias vezes em João Pessoa. O MaisPB participou da coletiva organizada pela jornalista Bebel Prates e conduzida pelo produtor, Marcus Preto. Recado: “Um beijo para João Pessoa, estou louca para voltar a tocar e cantar na Paraíba”.

MaisPB – Como foi esse processo de um disco não autoral e quais são referências musicais atuais?
Céu – O processo foi esperançoso, que me aqueceu, dos meus ídolos, como se eu tivesse invertido os papéis. Eu fiz um disco de fã. Foi divertido e difícil. Não é fácil mexer nessas obras primas, até entender como a minha textura de voz, o meu jeito de cantar essas canções. Tiveram vários desafios, mas a gente foi seguindo como um farol. Eu não estou ouvindo muitas coisas agora. Quando a gente volta a trabalhar, como estamos voltando, eu ouço menos músicas. Na pandemia, eu ouvi muitas canções. Eu estou bem apaixonada por esse disco de bolero de um cara chamado Frank Reis.

MaisPB – Algumas canções que estão nesse disco foram mais difíceis para arranjar e gravar? Você se apropriou com tanta naturalidade que mais parece uma intérprete veterana. Você se sente assim ou não tem tempo para pensar nessas coisas?
Céu – Eu me sinto uma veterana. Na verdade, eu sempre cantei. Esse é meu primeiro disco de intérprete, mas tive oportunidades de cantar em outros momentos, tipo o show de Jorge Ben Jor, cantei “Palhaço” de Nelson Cavaquinho, cantei “Concrete Jungle” de Bob Marley, “Varanda Suspensa” de Hervé Salters, agora fazer um disco inteiro, essa faceta minha, foi muito bom. Eu acho que das faixas mais emocionantes, foi a que leva o nome do disco “Um Gosto de Sol”, essa canção foi bem densa, também pela valorização do Andreas (Kisser), pelo Pupillo  que trouxe coisas de Naná (Vasconcelos) que ele tinha um vínculo muito grande, além da história do Nana com Milton (Nascimento).

MaisPB – Ouvi “Feellings” de Maurice Alberto várias vezes, lembrei da versão original, que foi gravada por mais 300 artistas. Voltei a escutar a versão de Nina Simone no Montreux Jazz Festival de 1976 e a da Caetano Veloso no disco A Foreign Sound de 2004. A sua interpretação arrebenta, de uma maneira que avança no tempo. Qual é a sua história com essa canção?
Céu – Uau, obrigado primeiro por essas palavras, muito isso aí e eu fico muito agradecida. Então, essa canção é engraçada, eu tive uma ressalva, pelo fato de ser uma canção muito gravada. Ele é mundialmente gravado, de Nina Simone, Caetano (Veloso) e The Offspring e tem uma série de polêmicas em volta. Marcus Preto e Pupillo, acabaram insistindo muito para eu gravar e tem uma coisa karaokê. E tem o fato de ter sido um brasileiro que fez essa canção, essa bagunça. Foi muito interessante topar, porque eu gosto dessa música. Eu mesma estava desconfiada que eu iria acrescentar algo a ela. Essa canção está na minha cabeça. Enfim, eu gostei muito do resultado

MaisPB – Como é gravar um álbum com o marido e seu pai também do lado?
Céu – Isso é treta, muita treta. (risos) Mas na verdade, a gente tem uma afinidade musical incrível, eu penso, ele (Pupillo) já está entendendo. Para além do nosso relacionamento, eu admiro muito Pupillo, como ele resolve, o jeito como contornar as coisas, muito respeitoso com os artistas de um modo geral. Com meu pai foi a primeira vez, ele sempre costuma dizer que eu tomei as aulas que ele não me deu. Foi um prazer o trazer para algo mais real, mais perto, o elo, o acesso.

MaisPB – Foi uma surpresa ouvir você cantando o pagode…
Céu – É inesperado, mas aconteceu. Os anos 90 aconteceu e eu tinha dez anos, ouvi muita coisa do Raça Negra. O pagode tem esse extra romantismo, uma espécie de sofrência. É do mesmo lugar que Feellings, da Marrom, que gravei “Pode esperar”. Eu acho bonito e eu queria trazer essa camada.

MaisPB – O lançamento de “Um gosto de sol” foi proposital diante dessa volta à normalidade dos shows?
Céu – Não, na verdade não foi proposital, acabou acontecendo, mas claro que a gente percebeu que isso ia acontecer e nós ficamos felizes com o andamento das vacinas, as pessoas querendo o sol, esperança e foi uma coincidência muito, muito feliz.

MaisPB – Como funcionou o processo de adaptação das músicas, os novos arranjos, nova roupagem?
Céu – Não pensei: vou fazer uma nova roupagem. Veio mais no lugar por essa pessoa que sou, foi por esse viés. Pensei muito no artista, tem que ter uma coisa de Rita Lee, da Marrom (Céu gravou “Pode esperar” a décima faixa do disco, que Alcione em 1978 no álbum “Alerta Geral”), foi mais uma coisa de pesquisa, fomos afunilando na obra do artista.

MaisPB – Como você olha sua carreira fonográfica?

Céu – Eu sempre preciso me lançar para entender melhor. Durante o processo eu fica ensimesmada. Quando eu percebi que eu queria fazer música, eu me encontrei num lugar cheio de gavetas, de não me encaixar na MPB, eu achava que fazia MPB, mas os jornalistas diziam que eu não faço MPB. Desde sempre eu tinha uma coisa de frente do jeito que queria me expressar. Eu estava numa liberdade, mas com unidade. Todo esse tempo de trabalho eu procuro entender a compositora, que eu sou todos esses anos, ser artista no Brasil, mas me entendo bem melhor. E finalmente um novo caminho como intérprete, que é um lugar que você está a serviço de um artista. Eu sou uma compositora que tem uma unidade, que conduzo meu trabalho.

MaisPB – “Um Gosto de Sol”, é um disco de um caráter revelador da artista. Como Emicida e Russo Passapusso entraram no projeto, além do guitarrista do Sepultura?

Céu – Eu sou uma artista que não é de lacrar, eu vou pelas beirinhas, de boa. As pessoas falam da minha obra. Eu sou de juntar gente e contar minhas histórias através das histórias dos outros. O Russo eu admiro muito, inteligente, tivemos muitas conversas. Eu cantei no trabalho deles no BaianaSystem. Bom, o Leandro… conheci há muitos anos o Emicida, desde quando eu cantava no show do Instituto, ele era um moleque e já estava bem claro que não veio a passeio. Sou muito fã (nessa hora a artista pediu desculpas porque sua cachorra estava roncando alto).
Já Fioti quando rolou a gente fez bonito, muito animador cantar  algo bacana do Revelação, canções que têm uma leveza. O Andreas Kisser é genial, eu queria assinatura, personalidade. Ele é um baita violonista, incrível, que tomou o projeto para si. Esse é um disco de Andreas também.

MaisPB – Vamos ter um volume 2?
Céu – Eu gostei de fazer isso, vai ter sim, 2, 3, 4…

MaisPB – Poderia citar alguns livros que lhe trazem inspiração para suas composições?
Céu – Eu estou lendo, “o Som do Rugido da Onça”, (de Micheliny Verunschk) que fala dessa coisa de colonizar o Brasil. Li tudo de Krenak. Gosto de Manoel de Barros, minha predileção por Neruda, os seus poemas de amor e Clarice Lispector. Eu sou um tipo de pessoa que engrandece com a grandeza dos outros.

Leia Também