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REFLEXO

França se mostra dividida após massacre do ‘Charlie Hebdo’

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publicado em 07/01/2016 às 09h20
atualizado em 07/01/2016 às 06h24

O ataque à sede do jornal ‘Charlie Hebdo’, em Paris, completa um ano nesta quinta-feira (7). Passadas as grandes manifestações de união e solidariedade por causa do atentado, o clima na França atualmente é bastante diferente: uma nova série de atentados, em 13 de novembro, expôs ainda mais a divisão do país e, entre os efeitos, podem ser observados um aumento da intolerância religiosa, a ampliação das desconfianças em relação à comunidade islâmica e o fortalecimento da extrema direita.

“Eventos como os ataques de janeiro e novembro provocam momentos de união, em reação. Mas isso não é o bastante para desfazer divisões profundas”, disse à agência Reuters Brice Teinturier, diretor do instituto de pesquisa Ipsos na França.

“As divisões são enormes. Existem muitas Franças, e elas estão em confronto”, disse, descrevendo um país de grandes cidades progressistas, uma França antiquada que se sente oprimida pela globalização e outra França que abriga comunidades que se sentem esquecidas.

12 mortos
Atualmente, pouco restou do espírito do “Je suis Charlie”, slogan criado em solidariedade às vítimas e sobreviventes do ataque à publicação satírica, em 7 de janeiro de 2015. Naquele dia, os irmãos Chérif e Said Kouachi invadiram a redação e mataram cartunistas, colunistas, dois policiais e um funcionário do prédio. No total, foram 12 mortos e 11 pessoas gravemente feridas.

Chérif e Said Kouachi, mortos dois dias depois em um cerco policial, deixaram o local aos gritos de “Vingamos o profeta! Matamos Charlie Hebdo!”, de acordo com testemunhas. Os dois se identificavam como membros da Al-Qaeda, assim como Amédy Coulibaly, que na madrugada de 8 de janeiro matou uma policial em Montrouge e depois atacou um supermercado judeu em Porte de Vincennes, onde matou mais quatro pessoas e foi morto pela polícia.

Em reação aos dois ataques, quase 4 milhões de pessoas tomaram as ruas francesas no dia 11 de janeiro, quando o presidente francês François Hollande caminhou por Paris acompanhado por cerca de 50 líderes estrangeiros, entre eles a chanceler alemã, Angela Merkel; os chefes de governo italiano, Matteo Renzi; espanhol, Mariano Rajoy; e britânico, David Cameron, e os primeiros-ministros israelense, Benjamin Netanyahu; e turco, Ahmed Davutoglu; e o presidente da Autoridade Palestina, Mahmmud Abbas. Na ocasião, Hollande disse que Paris havia se tornado “a capital do mundo”

Capas polêmicas
Uma semana após os ataques, porém, uma nova polêmica foi lançada com a “edição dos sobreviventes”. Com uma tiragem de cinco milhões de exemplares (contra os 60 mil de costume) e traduzida em cinco idiomas, a Charlie Hebdo estampou em sua capa o profeta Maomé chorando, segurando uma placa com a frase “tudo está perdoado”. A atitude gerou protestos em diversos países de maioria muçulmana, onde bandeiras da França foram queimadas e manifestantes entraram em confronto com a polícia.

Segundo a agência France Presse, mesmo dentro da França houve resistência à onda de solidariedade à publicação. Professores tiveram dificuldades em impor os minutos de silêncio em homenagem às vítimas, enquanto os assassinos foram, por vezes, glorificados na internet.

A França passou a questionar seu modelo de integração. Como os jihadistas, nascidos e criados na França, chegaram ao ponto de cometer tais atos extremos? O primeiro-ministro Manuel Valls denunciou um “apartheid territorial, social, étnico” no país.

A extrema-direita acabou por se beneficiar da tensão, registrando resultados históricos nas eleições territoriais em março (25% dos votos no primeiro turno) e, em seguida, nas regionais de dezembro (quase 28%). Neste último pleito, a Frente Nacional, contrária aos imigrantes, ficou em primeiro, indo bem em áreas rurais e pequenas cidades francesas. No segundo turno, no entanto, os eleitores das grandes cidade ajudaram a manter a Frente fora do poder, expondo a profunda cisão entre aqueles que se voltam para a extrema-direita em busca de esperança e aqueles que a rejeitam.

Já o jornal viu um crescimento de sua popularidade sem precedentes. Dos 10 mil, passou a 200 mil assinantes em menos de um mês, e o faturamento de milhões de euros permitiu o resgate de suas finanças, bastante debilitadas antes do atentado. Um ano depois, o semanário tem uma tiragem de cerca de 100 mil exemplares em bancas, com 10 mil deles distribuídos no exterior, e 183 mil assinantes.

Na quarta (6), véspera do primeiro aniversário do ataque, uma nova capa polêmica foi revelada, com o título: “1 ano depois, o assassino ainda corre” e a charge de um deus barbudo, carregando um Kalashnikov e com a veste ensanguentada. O desenho é assinado por Riss, que ficou gravemente ferido há um ano e é o atual diretor da Charlie Hebdo.

Entre os colaboradores externos da edição estão a ministra francesa da Cultura, Fleur Pellerin; atrizes, como Isabelle Adjani, Charlotte Gainsbourg e Juliette Binoche; intelectuais, como Élisabeth Badinter, a bengalesa Taslima Nasreen e o americano Russell Banks; e o músico Ibrahim Maalouf.

Vítimas
Foram mortos pelos irmãos Kouachi o editor e cartunista Stéphane Charbonnier, conhecido como Charb, o lendário cartunista Wolinski, o economista e vice-editor Bernard Maris e os cartunistas Jean Cabu e Bernard Verlhac, conhecido como Tignous, além do também desenhista Phillippe Honoré, do revisor Mustapha Ourad e da psicanalista Elsa Cayat, que escrevia uma coluna quinzenal para a “Charlie Hebdo” chamada “Divan”.

Entre as outras vítimas fatais, segundo o jornal “Le Monde”, estão o policial Franck Brinsolaro, morto dentro da redação, e o agente Ahmed Merabet, que morreu já na rua, durante a fuga dos atiradores. No ataque também morreram um funcionário da Sodexo que trabalhava no prédio, Frédéric Boisseau, de 42 anos, e um convidado que visitava a redação, Michel Renaud.

Homenagens
As homenagens às vítimas dos atentados de janeiro de 2015 tiveram início na terça (5), quando o presidente François Hollande inaugurou três placas, a primeira delas na antiga sede da Charlie Hebdo, uma na rua onde um policial foi morto durante a fuga dos atiradores e a terceira no supermercado kosher atacado por Amédy Coulibaly.

As cerimônias terminarão no domingo na Praça da República com uma cerimônia de recordação aos mortos de janeiro, mas também aos 130 falecidos nos atentados de 13 de novembros, os mais violentos da história da França.

Na data está prevista a instalação de uma “árvore da recordação”, um carvalho de 10 metros de altura, nesta praça que se transformou em um local de homenagem às vítimas.

O cantor Johnny Hallyday interpretará a canção “Un dimanche de janvier” (“Um domingo de janeiro”), que recorda as grandes manifestações de 11 de janeiro de 2015, que contaram com a presença de quatro milhões de franceses.

G1

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