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Poeta, escritor e professor da UFPB. Membro da Academia Paraibana de Letras. E-mail: [email protected]

Recomendo este!

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publicado em 08/05/2024 às 07h00
atualizado em 07/05/2024 às 15h10

 

Sempre gostei de recomendar livros para as pessoas. Na sala de aula, qualquer que fosse o assunto, estava eu a dizer leiam isto, leiam aquilo. Deixei a sala de aula, mas a mania, ou o gosto, o prazer, a obsessão continuam a compor a minha singela escala de afetos.

Sim, porque indicar um livro não deixa de ser um sinal de afeição, uma tentativa de me aproximar desta ou daquela pessoa, ou, em possibilidades mais ousadas, tocar a pele do desconhecido, sugerindo, ao próximo, as venturas e desventuras que um bom livro pode trazer na sua floresta de signos.

De outra parte, quando recomendo a leitura de um autor de minha eleição, por exemplo, um poeta como Jorge Luís Borges (foto) , ou um romancista como Dostoiévski, estou querendo, entre tantas coisas possíveis, costurar um laço de amizade, um ponto de cumplicidade, uma linha de compartilhamento que nos podem unir dentro dos sigilos da vida e no reino daquilo que Goethe chamou de “afinidades eletivas”.

Às vezes não só gosto de recomendar. Gosto de dar. E, se dou um livro a alguém, estou me dando um pouco neste gesto gratuito e docemente humano. Pudesse, daria sempre certos livros a certas pessoas. Certas pessoas são como certos livros. No momento certo, bafejados pelo halo dos deuses estéticos, certos livros e certas pessoas se encontrarão para sempre. Uns não saberão viver sem as outras e vice versa.

Imagino que a Divina comédia, de Dante, seria um presente essencial para os ouvidos e para a fantasia do leitor. Imagino que não existe sabor mais raro do que ler seus tercetos de ouro pela primeira vez. Dante, sempre o vi como um mágico maestro manuseando a partitura das palavras como se as palavras fossem pepitas do fogo divino, perpassando as rotas do Inferno, do Purgatório, do Paraíso.

Concordo com Gerardo Mello Mourão: “Ou Dante ou nada!”.

À Lara, minha netinha querida, conto os dias para um dia poder lhe doar o meu Jorge de Lima, quase todo sublinhado em sua coleção de sonetos espetaculares e, mais ainda, nas escarpas lancinantes das estrofes multifárias que edificam a Invenção de Orfeu, sem dúvida, o poema mais ousado da literatura de língua brasileira.

Se dou este monumento de metáforas visionárias, e já o dei a tantos amigos e amigas, sinto que estou me desnudando nas águas principiais do que penso ser a poesia. Poesia, não somente como a gramática criativa na medula das palavras, mas também como as lições intangíveis que vêm da fala multi-idiomática da eternidade. A tristeza das coisas, a sabedoria do tempo, as belezas do espaço solar.

Quando recomendo um livro, o meu saber, os meus desejos, os meus conceitos, as minhas ideias estão em jogo. A minha ética vai, embutida, no silêncio de cada página, assim como a minha fé, por mais paradoxal que seja, se assenta nos conflitos e nos sonhos daqueles personagens amados.

Toda a minha generosidade se cristaliza quando recomendo um livro. Se eu lhe disser leia este aqui, depois aqueloutro, principalmente este que passei a minha vida lendo, fique certo de que você já integra a esfera amorosa de meu coração. Coração aberto e plural, sedento de novos afetos e novas leituras.

Não me levem a mal, mas tenho absoluta certeza de que sou meio Raskolnikov,  meio Bartleby, meio Madame Bovary, meio Julien Sorel, meio Joseph K., meio Florentino Ariza, meio Carlos de Melo, meio Luís da Silva, meio Riobaldo, meio Quaderna etc. etc. etc.

Também habito a alquimia da “vida que poderia ter sido e não foi”, como escreve Manuel Bandeira neste verso perfeito. Também navego no “Ó mar salgado, quanto do teu sal ∕ são lágrimas de Portugal?”, de Fernando Pessoa. Também repito, com Cecília Meireles, que “A vida, a vida, a vida só é possível ∕ reinventada”.

Ora, o que são os livros senão uma maravilhosa reinvenção da vida. Por isto mesmo, quem recomenda ou dar um livro dar ou recomenda muito mais que papel e tinta. Muito mais que um objeto industrial ou um artefato artístico. Tal gesto, na sua pequenina singularidade, é pedido, é dádiva, é bálsamo, é bênção.

Se é assim, vamos aos livros. Vamos doá-los, ofertá-los, recomendá-los. Os livros enriquecem as regiões de nossa intimidade, ampliam o nosso olhar, nos aproximam uns dos outros, podem nos fazer melhores e mais felizes.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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