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Tokenização imobiliária expõe graves riscos à propriedade e à segurança jurídica

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publicado em 30/10/2025 ás 17h20

Um imóvel não cabe em um arquivo digital. A advertência vem de quem conhece as entranhas da proteção patrimonial no país. O presidente da ANOREG-SP e da ARISP, George Takeda, foi direto ao alertar sobre a chamada tokenização imobiliária, “fenômeno” apresentado como inovação por alguns grupos no setor.

Takeda afirmou que a história da humanidade aprendeu cedo a distinguir propriedade de posse, motivo pelo qual surgiu o registro de imóveis: sem ele, ninguém sabe quem é dono de verdade. O dirigente revela que transformar frações imobiliárias em “tokens” digitais cria uma névoa perigosa: “Quem é responsável, quem garante, quem indeniza, se aquilo desaparecer”, questionou.

Segurança jurídica ameaçada

Para o presidente da ANOREG-SP, a ilusão tecnológica esconde um problema maior que a própria instabilidade do sistema digital. Crimes como lavagem de dinheiro, perda de acesso ao token, furtos virtuais e disputas sem base registral seriam inevitáveis em um modelo que não assegura titularidade pública e verificável.

Ele esclareceu que o que se vende como tokenização no exterior é, quase sempre, a fragmentação de créditos. “Isso pode existir, como no PIX, mas o crédito não é o imóvel. Imóvel é de quem registra, não de quem segura um código na tela”, declarou e comparou ainda o registro à essência de um seguro permanente: o comprador paga uma única vez e tem garantia enquanto durar a propriedade. Se houver dano, o Oficial responde.

Competência institucional desrespeitada

O presidente lembrou que o Conselho Federal de Corretores de Imóveis (Cofeci) não tem competência para normatizar registro imobiliário, como tentou ao propor iniciativas de tokenização. “É como se o Conselho Federal de Medicina pudesse autorizar laboratório a fabricar medicamentos”, ironizou. Quem regula o serviço é o Conselho Nacional de Justiça, não um órgão de classe.

Ao final, Takeda reforçou uma verdade histórica: segurança jurídica não pode ser privada nem obscura. “A propriedade precisa ser pública e rastreável para que a sociedade confie nela”, concluiu.

Suspensão de Resolução de Conselho Federal

Recentemente, a Justiça Federal suspendeu liminarmente a resolução do Conselho Federal de Corretores de Imóveis que regulamentava a tokenização imobiliária no Brasil. A decisão, proferida pelo juiz Francisco Valle Brum, da 21ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal, retirou a validade da Resolução nº 1.551/2025, publicada em agosto, que permitia o registro em blockchain de imóveis e disciplinava o mercado de compra e venda de tokens imobiliários.

A medida atendeu a uma ação movida pelo Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis, que acusou o Cofeci de extrapolar suas competências legais. Segundo o ONR, o conselho teria invadido atribuições próprias dos registradores imobiliários ao criar normas sobre um modelo de registro paralelo ao oficial. Em decisão fundamentada, o magistrado reconheceu que a competência do Cofeci “é restrita à disciplina ética e técnica da profissão de corretor de imóveis, não podendo inovar no ordenamento jurídico nem instituir regimes jurídicos inéditos.”

Afronta à Lei dos Registros Públicos

Na sentença, Valle Brum destacou que o Cofeci acabou criando um sistema alternativo de transmissão de propriedade de bens imóveis em plataformas digitais, em afronta à Lei dos Registros Públicos. O juiz também ressaltou que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) já conduz tratativas para regulamentar o tema da tokenização imobiliária dentro do marco legal do registro público eletrônico.

Cândido Nóbrega