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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

Funeral do amor

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publicado em 28/09/2025 ás 07h00
atualizado em 28/09/2025 ás 08h40

 

O poeta Vinícius de Moraes (foto) tratou o fim do amor como algo ainda existente, expendido e doloroso: “Encontrei em você, a razão de viver e de amar em paz e não sofrer mais, nunca mais. O amor é a coisa mais triste quando se desfaz”.

Pensando no poeta, e não no amor, algo coincide com os espaços da alma, do corpo e do juízo final.

Fui ao funeral do amor. Pouca gente em cenas ocasionais, sem reciprocidades. O amor deitado, inerte, silencioso. Pensei em discursar usando o verbo crente, mas nenhum verbo é crente, sequer, o verbo amar. Nem as palavras se calam, elas se movem e morrem com os amores.

Talvez tenham outros sons e pronunciações, talvez esbarrem na Ilha Desconhecida de Saramago, ou em estrangeirismos sem conclusões. Ou no velho paletó que enlaça o vestido.

Não, não sei escrever sobre a morte do amor, apenas uma frase invisível e enfática e uma dúvida bem batida: tudo é da boca pra fora. Aliás, na dúvida, é melhor não discursar no velório do amor. Vou dobrar a esquina das Nações Unidas, onde ficou o olhar de nada encontrar.

Na calçada do antigo Cinema Plaza, outra cena inesquecível, era noite do ´Império dos Sentidos´,  (foto) que nos levou para o Japão, 1936, onde Sada (Eiko Matsuda), uma funcionária inicia um amor com Kichizo (Tatsuya Fuji), seu patrão. Sem problemas, ovo cozido, proteína, sexo e morte.

O que parecia uma diversão de adolescentes, logo se transformou em uma intensa viagem regida sem a certeza da finitude. Para os amores não existem fronteiras no mais completo êxtase. É o amor louco, acelerado, mas o amor tem dessas coisas – possantes, cilindradas mortas.

 Um destinatário que não o mundo, que não a saudade de passar dias na companhia do amor, mas esse amor tira leite de pedra. 

Na primeira pessoa para uma terceira pessoa que permaneçam as gargalhadas e a promessa de casamento nas Torres de Gaudi. 

Saio sozinho do velório, com a receita do amor nas mãos, o celular e uma pistola, passo pelas farmácias e igrejas e reencontro a beleza no engelhar da vida, na aceitação do presente, sem o consentimento do tempo que expõe a imunidade emocional.

A música de Belchior diz que precisamos  todos é rejuvenescer, a canção ´Velha Roupa Colorida´ que é, na verdade, uma crítica a permanência de velhos hábitos e a resistência à mudança, sugerindo que o importante é superar o passado e a rigidez para que a evolução seja possível.

No  entorpecer dos músculos, a sacada é outra, dos enganos e a interiorização do limite, mas tudo tem limite, menos a afinação dos sentidos.

O falir da memória é certamente o mais cruel de todos os desenganos, que mexe até com o polimento dos princípios da suavização de tantos amores e horrores.

Já passa da hora de fintar o cansaço, com o consentimento do sentimento.  Não gostei der ter ido ao funeral do amor, mas eu estava  lá no ´Império dos Sentidos´

Por isso, o amor já não é mais a coisa mais triste quando se desfaz…

Kapetadas

1 – Nem toda escada leva a um lugar mais alto.

2 – Fazer o que agrada a todos, não trará riqueza e nem liberdade.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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