João Pessoa, 09 de agosto de 2025 | --ºC / --ºC Dólar - Euro

ÚltimaHora
Marcos Pires é advogado, contador de causos e criador do Bloco Baratona. E-mail: [email protected]

A arte de advogar

Comentários: 0
publicado em 09/08/2025 ás 09h13

Em 1934 Getúlio Vargas promulgou uma Constituição avançada, que criava a justiça do trabalho e garantia tanto o voto secreto como o voto feminino. Um ano depois o querido Gegê expediu o Decreto 702, instituindo um estado de guerra e suspendendo muitas garantias fundamentais. Na pratica tornou-se ditador e foi nesse contexto que no ano seguinte foram presos Luiz Carlos Prestes e Olga Benário Prestes. Incomunicáveis, cada um procurou seu Advogado, o que se mostrou tarefa difícil já que seus defensores teriam que desafiar todo o autoritarismo que o governo impunha, além obviamente de terem que defender os mais “infames comunistas” do país.

No caso de Olga foi convidado o Advogado Heitor Lima. Não estava nem aí para a esquerda ou a direita. Mas era apaixonado pela causa feminina. Escreveu a Olga dizendo que “…num período em que ao advogado não se outorgam imunidades, a recusa ao patrocínio redundaria em ato de covardia… os crimes da civilização masculina contra a mulher, no quais como homem tenho a minha parte de responsabilidade…”. Meu colega ainda destacou a gravidez de Olga e aceitou a causa.

Impetrou um Habeas Corpus que tinha um pedido diverso do que normalmente se pretende com os HCs. Ao invés de pedir a sua soltura, queria que ela continuasse presa para que não fosse expulsa com sua filha no ventre e entregue à Gestapo.

Juridicamente seus argumentos eram fantásticos. Demonstrou que enquanto a Constituição vigente só admitia a expulsão de estrangeiros “nocivos”, Olga era uma mulher gravida, sem recursos e inofensiva. Mais ainda, deveriam ser protegidos os direitos do nascituro. Dizia que a expulsão de uma estrangeira implicaria na expulsão simultânea de uma criança brasileira, indefesa, cuja existência dependia da permanência em seu ventre. Sendo a mãe judia e comunista, não escaparia viva ao regime nazista, “-… se a expulsão é uma pena, se tal pena alcançará em seus efeitos o filho da expulsada embora ainda não nascido, segue-se que o decreto de expulsão, além de ferir o preceito constitucional protetor da maternidade, ofende ainda o princípio da personalidade da pena.”.

Nós Advogados sentimos até pelo olfato quando uma peleja jurídica não vai dar certo, por mais razão e direito que nosso cliente tenha. Tudo depende da época e das circunstâncias. Porém nós, Advogados, não exercemos nossa profissão para perder ou ganhar e sim para ofertar o melhor do nosso conhecimento, sem temer os arreganhos do poder. Hermes sabia que não podia ganhar a causa, mas não temeu perder e lutou até o fim. Assim somos nós, os artistas da advocacia.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

[ufc-fb-comments]