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Paraibano da Capital. Tocador de violão e saxofone, tenta dominar o contrabaixo e mantém, por pura teimosia, longa convivência com a percussão, pandeiro, zabumba e triângulo. Escritor, jornalista e magistrado da área criminal do Tribunal de Justiça da Paraíba.

MECÂNICA, LANTERNAGEM E PINTURA

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publicado em 27/05/2025 ás 17h44

Em tempos idos, a conquista da “Carteira de Motorista”, que ainda não se chamava CNH , era motivo de orgulho para a garotada. Lembro até de um colega, que , aos 16 ou 17 anos não se agüentou e recolheu todas as taxas cobradas pelo DETRAN, e partiu serelepe para fazer os exames. Obviamente foi descoberto que ainda não havia completado a idade mínima, 18 anos, e convidado a se retirar do recinto, ao som de estrondosa vaia.

Era necessário entender o funcionamento do motor do automóvel, ainda que em linhas gerais. Em todas as categorias da carteira, era exigido no exame. Havia um “Livro de Máquina”, cujo autor não lembro, que era uma mão na roda. Lá estavam as informações básicas sobre a combustão, movimento dos pistões , virabrequim , diferencial, carburador (acho que nem existe mais) , homocinéticas , distribuidor, etc. Além da exigência da prova, pegava mal um rapaz não entender nada de motor. Para as meninas, bastava saber dirigir. Mas, tinham que fazer a prova de motor também.

Esse conhecimento básico era útil na hora de deixar o carro numa oficina. Não existiam oficinas elegantes como atualmente, com sala de espera refrigerada, água, poltronas e cafezinho para os clientes. Atendentes limpos e uniformizados.  As melhores eram mesmo das poucas concessionárias, duas ou três marcas. Os preços cobrados, entretanto, cuidavam de afastar os clientes. Só se recorria a elas em último caso.

O normal mesmo era a oficina estabelecida num galpão, com chão preto de óleo queimado e teto cheio de goteiras. Em alguns casos, frondosa mangueira servia para sombrear o espaço extra. Muitos carros, em diferentes estágios do conserto , lado a lado, e dois ou três mecânicos, também enegrecidos pelo óleo. O cliente chegava, combinava com o dono do local, deixava o carro e vinha buscar depois. Tudo verbal. Raramente dava errado.

Todo mundo tinha uma oficina de preferência e confiança. Dr. José Urquiza preferia a Oficina de Pelé , na Torre, perto de casa. Era lá que levava os carrões para serviços grandes e pequenos ajustes. Pelé dirigia uma equipe de 4 ou 5 profissionais, e era o único que não sujava a mão. Muitas vezes ia com Gustavo, deixar ou buscar o Opala Diplomata azul marinho. Atividade típica pai e filho nos anos 1970. Pelé sempre cordato , tranqüilizava o cliente: “Pode deixar doutor, vou dar um capricho”.  Dr. Urquiza, que tinha zelo por bons equipamentos – onde o automóvel estava  incluído – partia tranqüilo.

Certa feita, deixa Dr. Urquiza suas múltiplas tarefas de Secretário de Estado, escritor, jornalista e mais um monte de coisas, e , ocupadíssimo, chega na hora combinada para resgatar o possante. Chega e o carro não está pronto. Descobre que , sequer, o capô foi levantado. Mesmo um cavalheiro, por vezes, se irrita. Pelé , sempre de mãos e roupas limpas, de quem não abre um carro há anos, leva severa descompostura do antigo e fiel cliente. Sem ter o que dizer, a solução foi descontar em “Esprito”. Sai aos gritos pelo galpão: “Esprito, cadê você seu feladaputa?” . Depois de uns três berros, emerge Esprito das profundezas de um Dauphine , magro, sujo, imundo, da cabeça aos pés, dentes faltando na boca e de um amarelo doentio. Parecia mesmo uma abantesma.  Sem saber do que se trata, balbucia: “Que foi Seu Pelé?”.    Para que perguntou? O esbregue duplicou. “Cadê o carro do doutor que você não ajeitou”? O pobre do Esprito ainda tentou argumentar que não sabia de nada, mas, os inúteis protestos foram abafados pelos gritos e esculhambações. Resolvido o problema da culpa, Pelé se volta para o cliente e assegura: “Pode deixar doutor, vou dar um capricho, pode vir buscar amanhã”.

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