João Pessoa, 25 de junho de 2024 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Apesar de termos vindo de primórdios, da contemplação da mata, eu do sertão e ela da “Fazenda Confusão”, procuramos dar toda importância ao conhecimento. Ângela Bezerra é uma mulher completa.
De um discurso acadêmico e preferido, a sala de aula, onde ensinou, Ângela alcança a percepção intensa que caracteriza a verdadeira face do estudo e do quanto isso é importante na vida de uma pessoa.
Buscando observações literárias, fiquei atento na última conversa – sempre falamos mais de literatura, que de nós mesmos. Grande parte do conteúdo eu aprendo, sem nunca ter sido seu aluno.
Fomos almoçar longe dos estridores e asperezas que o rio leva e traz, o nosso rio enquanto exemplo da poesia, de tal modo que me impressiona uma mulher com mais 80 anos declamar sonetos de Camões, quando a métrica se distende, até não mais desaparecer.
O que se mantém vivo é o enunciado. É isso, Ângela Bezerra é o próprio enunciado, a quem não precisamos cortejá-la, já é prioritária – há muito tempo, de quem só vejo clareza, conhecimento de causa e a fonte que nunca seca.
Falamos na escritora Mariana Colasanti, seu marido Afonso Romano de Santana, este com Alzheimer, e dos tempos em que Ângela fez o mestrado na PUC -Rio e o doutorado UFRJ.
Premiada
Tenho a primeira edição de seu livro “A Re-Leitura de A Bagaceira – uma aprendizagem de desaprender”, vencedor do Prêmio José Américo de Literatura, em 1987, com selo da José Olympio Editora – não é pra qualquer um.
Na dedicatória, seis anos após o lançamento, datado de 1993, ela pede desculpa “por todas as demoras”. Ângela vai bem mais, bem mais.
A conversa chegou até Luís de Camões. em que repetidas vezes o poeta português é motivo de nossos encontros, digo, encantos.
Desta vez ela declamou e eu gravei o soneto “Suspiros Inflamados”, uma obra de arte, que nos remete para o rio do esquecimento, quando o rio se chamava Lete, e ao passar por ele, tudo se apagava. É complicado de entender.
Lete
Na mitologia grega, Lete é um dos rios do Hades. Aqueles que bebessem de sua água ou, até mesmo, tocassem na sua água experimentariam o completo esquecimento.
No soneto “Suspiros Inflamados”, Camões deixa claro que não queria que seus escritos se apagassem – “Eu mouro e não vos levo, porque hei medo, que, ao passar do Lete, vos percais”
É preciso passar a vida toda para alcançar um nível de depuração sobre a obra de Luís Vaz de Camões. Obrigado, Ângela!
Aqui está o soneto
Suspiros inflamados, que cantais
a tristeza com que eu vivi tão ledo!
Eu mouro e não vos levo, porque hei medo
que, ao passar do Lete, vos percais.
Escritos para sempre já ficais
onde vos mostrarão todos co dedo
como exemplo de males; que eu concedo
que para aviso de outros estejais.
Em quem, pois, virdes falsas esperanças
de Amor e da Fortuna, cujos danos
alguns terão por bem-aventuranças,
dizei-lhe que os servistes muitos anos;
e que em Fortuna tudo são mudanças,
e que em Amor não há senão enganos.
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Em João Pessoa - 08/11/2024