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Espaço K

Angélica Lúcio, jornalista de múltiplas experiências

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publicado em 25/03/2024 às 09h51
atualizado em 25/03/2024 às 08h04

Kubitschek Pinheiro

Angélica Lúcio é sertaneja, nasceu em Patos e, certamente, vem dai essa força que nunca seca – as mulheres que brotam no sertão são fortes por natureza – são donas de suas cabeças, apesar do machismo que se arrasta nos 4 cantos do mundo.

Convidada pelo Espaço K, ela topou na hora a entrevista. Angélica tem bem mais que “bagagem de mão”, muito mais, ela é múltipla, singular, seu percurso e experiências mostram isso. Sim, ela é uma jornalista séria como abordamos no início da entrevista – e durona – “Mas todo mundo tem um lado B, e os mais próximos o conhecem bem”, lembra ela.

Há anos ela está entre nós. Migrou para João Pessoa a década de 1990. Graduada pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), tem mestrado em Jornalismo pela mesma instituição e possui MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas.

Jornalista concursada da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), ainda mantém uma coluna semanal no jornal A União. Além de jornalista profissional, é poeta com participação em diversas antologias.

Leiam a entrevista e saibam mais sobre Angélica Lúcio, que avança e dá dicas de leituras, fala da vida, agradece e retribui conhecimentos.

Espaço K  – Você passa uma imagem de uma jornalista séria, durona, ou é só impressão minha?

Angélica Lúcio – Sou uma jornalista séria, sim, e assertiva. E imagino que essa minha característica transmita a ideia de que sou durona. Mas todo mundo tem um lado B, e os mais próximos o conhecem bem. Inclusive, meu lado B acredita em horóscopo. Sou taurina com ascendente em áries, e talvez minha imagem de durona venha dessa mistura explosiva.

Espaço K  – Angélica Lúcio escreve bem, é profissional, jornalista era o que você queria ser, mesmo?

Angélica Lúcio – Sempre gostei muito de ler e de escrever, na época em que fiz vestibular (sou das antigas, quando o Enem ainda nem sequer existia), Jornalismo pareceu-me a melhor alternativa. Muitos professores diziam que eu deveria fazer o curso de Direito, mas eu não considerava uma profissão interessante, que combinasse com meu perfil. Hoje, quando vejo muitas mulheres defensoras públicas cuja trajetória eu acompanho e admiro, penso que essa área talvez tivesse me interessado, se eu a conhecesse melhor na época. Voltando ao Jornalismo, é o que eu sei fazer e que me traz muitas alegrias na vida. Mas, se eu fosse adolescente de novo, Jornalismo não seria a minha escolha, tampouco Direito. Hoje a meninada tem muito mais opções e escolher “o que fazer da vida” ficou mais divertido.

Espaço K  – Aliás, de onde vem o Lúcio de Angélica?

Angélica Lúcio Lúcio é sobrenome, herdado do meu pai: João Lúcio de Sousa (que hoje me olha lá do alto. Bença, pai?). Lúcio é um sobrenome muito conhecido em algumas cidades do Sertão da Paraíba. Então, quando você conhecer alguém aqui do Estado com o sobrenome Lúcio, se pesquisar bem, vai descobrir que tal pessoa tem algum parentesco com a minha família, a exemplo da também jornalista Marly Lúcio.

Espaço K  – Ainda muito jovem você foi editora do 
Jornal da Paraíba – hoje extinto. Não deve ser fácil comandar uma equipe grande, não é?

Angélica Lúcio – Fui para a Rede Paraíba de Comunicação, em 2005, a convite do querido Roelof Sá, que nos deixou há alguns anos e foi um grande mestre para mim. Lá, atuei como secretária de redação, auxiliando Roe na condução do JP. Com a morte dele, um editor de Recife assumiu a edição do jornal, e eu fui mantida no cargo. Posteriormente, a direção da empresa me promoveu a editora-executiva.
Fiquei oito anos no cargo de editora-executiva do Jornal da Paraíba, trabalhando com uma equipe que era muito colaborativa, que gostava do que fazia, que se divertia na redação e que se ajudava muito (pouquíssimas pessoas não tinham esse perfil de se ver como parte do todo). Além da redação de João Pessoa e da sucursal em Campina Grande, houve uma época em que tivemos também colaboradores em várias cidades da Paraíba.

Espaço K – E a equipe?

Angélica Lúcio – Era uma equipe grande de fato (mas sempre pequena para dar conta da demanda do jornalismo…),  e claro que houve desafios em alguns momentos. “De perto, ninguém é normal”, como canta Caetano. E todos nós temos dias bons e dias ruins. Lidar com gente é assim. Minha experiência na Rede Paraíba de Comunicação foi um grande aprendizado e agradeço a Eduardo Carlos por ter confiado em mim para conduzir o Jornal da Paraíba durante oito anos. A propósito, Kubi, permita-me uma pequena correção: o Jornal da Paraíba ainda existe na plataforma online. O que morreu foi a versão em papel, mas a marca Jornal da Paraíba continua.

Espaço K – A gente tem assistido como jornalista e cidadão muitas barbaridades a olho nu, como o caso do jogador Robinho, que estuprou uma mulher e disse rindo que ela estava embriagada e nem sabia quem ele era. O que você diria sobre a continuidade desse comportamento dos homens?

Angélica Lúcio –Ser mulher não é fácil, e o patriarcado atua para continuar nos mantendo em situações desconfortáveis, excludentes, violentas e muitas vezes fatais. Mas quem alimenta o patriarcado também somos nós, jornalistas: eu, você, os outros e outras aqui e acolá. Pecamos por omissões e também por atitudes. Pecamos pela notícia que não divulgamos e também pela forma equivocada com que abordamos alguns temas. Felizmente, há bons exemplos no combate ao machismo, sim, em nível local. E vou destacar apenas dois, para não me estender muito: Tatyana Valéria, que está à frente do site Paraíba Feminina (https://paraibafeminina.com.br/); Mabel Dias, colunista do site Brasil de Fato-PB e autora do livro “A desinformação e a violação aos direitos humanos das mulheres: Um estudo de caso sobre o programa Alerta Nacional”. Voltando a Robinho, que nos remete a Daniel Alves, que também nos leva ao caso do goleiro Bruno, o que percebo de mais gritante nisso tudo é que sempre há quem os defenda (mesmo sendo culpados) e muitos ainda continuam “passando pano”, batendo palmas, idolatrando e defendendo tais figuras. Mais: muitos ficam em silêncio, quando deveriam se manifestar. E silêncio, muitas vezes, é conivência.


O poder público, inclusive, também faz parte disso. Um exemplo é a Prefeitura de Campina Grande, que acabou de anunciar a dupla sertaneja Victor e Léo entre as atrações do Maior São João do Mundo. Só que o “V” da dupla foi condenado há alguns anos por agressão contra a mulher.. Conforme divulgado pelo jornalista Maurílio Júnior (
mauriliojunior.com), a Prefeitura de Campina Grande está trazendo para a cidade um artista que agrediu a própria esposa grávida. “Victor Chaves foi condenado em primeira instância na acusação de agressão contra a mulher dele, em Belo Horizonte. Na época, Poliana Bagatini Chaves estava grávida do segundo filho do casal. A esposa acusou Victor Chaves de jogá-la no chão aos chutes”. Vamos refletir: que mensagem o prefeito Bruno Cunha Lima dá à população quando atrela a principal marca turística da cidade a um homem famoso que agrediu a esposa? Diz que “tudo bem” bater em mulher. Ou seja, é o poder público validando a violência contra a mulher. No mais, tenho um filho de 19 anos de idade. E minha missão é educá-lo para que ele continue sendo uma boa pessoa, para que ele cresça e se torne um homem que respeita e valoriza as mulheres.

Espaço K – Pelo seu jeito, a sua cabeça, não creio que seja muito ligada ou fissurada nas redes sociais. Estou certo?

Angélica Lúcio –Tempo é escolha, e redes sociais tomam muito tempo da gente. Ainda tenho perfil no Facebook, mas pouco vou lá. Frequento mais o Instagram e, mesmo assim, publico pouca coisa da minha vida pessoal: árvores, plantas, quadros, livros, bichos, uma selfie pela metade. Até uma sobrinha minha comentou um dia: “Tia, você posta cada coisa estranha…”. Mas todos os dias eu entro no Instagram: acompanho o que os amigos postam, leio as novidades dos portais de notícias, me encanto com perfis de arte e salvo mil receitas que nunca serão feitas…

Espaço K – Por onde anda Angélica Lúcio?

Angélica Lúcio – Já fui pedra (atuando em redação) e hoje sou vidraça, pois trabalho com assessoria de imprensa. Desde 2018, sou jornalista concursada da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), uma empresa pública vinculada ao Ministério da Educação e que administra mais de 40 hospitais universitários federais. 

Atualmente estou cedida para o Instituto Federal da Paraíba (IFPB), onde integro a equipe da Diretoria Geral de Comunicação e Marketing (comandada pela relações-públicas Mayara Guimarães) ao lado de gente conhecida e querida do mercado, como Ana Carolina Abiahy (ex-O Norte) e Heranir Oliveira (ex-TV Cabo Banco).

Além disso, faço alguns trabalhos freelancers, seja na área de assessoria de comunicação, seja na área editorial, com publicação de livros e revistas.

Espaço K – Escreve um bom texto aos domingos no Jornal A União, sempre cutucando os profissionais e muitas vezes a veracidade da notícia. Isso parece que não tem fim, né?

Angélica Lúcio Sou uma fiel defensora do bom jornalismo, e mais do que nunca precisamos defender o jornalismo profissional. Em tempos de pós-verdade e fake news, lutar pelo jornalismo de qualidade é cada vez mais urgente.  E, como você mesmo diz, uma tarefa sem fim. Sabe o mito de Sísifo a rolar a pedra todo dia, todo dia, todo dia? É bem por aí. A luta precisa ser constante.


Espaço K – O mundo fervilhou com a onda dos podcast – que vem dos rádios americanos – que continua, mas muita gente não consegue fazer bem e perde o entusiasmo. Vamos falar sobre isso?

Angélica Lúcio –Eu gosto de ouvir podcast em atividades corriqueiras, do dia a dia mesmo. Escuto especialmente quando estou lavando louça e gosto mais de projetos caprichados, que fogem do chamado hard news. Nessa linha, a Rádio Novelo ainda é o meu preferido. Também gosto muito dos programas produzidos pelo UOL. Em nível local, há alguns colegas e conhecidos buscando se encontrar nesse espaço. Às vezes, escuto um ou outro podcast, mas admito que as propostas não factuais despertam mais a minha atenção.


Espaço K – Angélica fala na cara, não leva desaforo pra casa?

Angélica Lúcio –Tenho esse perfil, de não levar desaforo para casa, mas o tempo é um grande professor. Já falei muito na cara, porém tenho aprendido a ficar em silêncio. Mas não sei fazer cara de paisagem e sempre entrego o que penso, sem nem sequer abrir a boca. Como diz o título de um livro de Astier Basílio: “Eu sou mais veneno que paisagem”.


Espaço K – Acredita em Deus ou integra o time das mulheres ateias?

Angélica Lúcio Acredito em Deus e em Nossa Senhora (com todos os seus nomes). Sou católica, mas não “igrejeira”, e rezo toda noite (ou quase). E um dos salmos de que mais gosto é este:  “Dai Graças Ao Senhor Porque Ele É Bom, Eterna É a Sua Misericórdia”. 


Espaço K – Tem lido sempre, poderia dar a dica de livro para nossos leitores?

Angélica Lúcio – Leio muito. Mas tudo ao mesmo tempo agora. No momento, estou lendo as seguintes obras:

– Pós-Verdade: A Nova Guerra Contra os Fatos em Tempos de Fake News,  de Matthew D’Ancona;

– O super-homem vai ao supermercado, de Norman Mailer (este livro é um clássico do chamado jornalismo literário);

– Escrever é muito perigoso, de Olga Tokarczuk (escritora polonesa vencedora do Prêmio Nobel de Literatura);

–  e também duas distopias de autores paraibanos: Verde Gás, de Ricardo Oliveira; e Porco de Raça, de Bruno Ribeiro.

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