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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

Geni é a cobra 

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publicado em 05/11/2023 às 08h12
As Genis se multiplicam. São Dorotéias, Martycleides, Julientas e Dulcimares. Fui ao brechó do Fábio Araújo, em frente ao Pavilhão do Chá, e vi que aumentou o número de mulheres de negócios do sexo e agora, o pedaço acolhe também os trans. Trilegal, o sol nasceu para todas. Chavão, né?
Tava conversando com Olivia Hime, sobre seu disco novo, ‘Se eu te eternizar’,  quando chegamos a canção “Pássara”, letra de Chico Buarque e Francis Hime. Ela falou que foi feita há anos para o Musical Geni. São muitas Genis, né Olivia?
Eu acredito que a Geni, muito conhecida nossa e o Zepelim, não chegam a todos os imaginários. O Zepelim que  sobrevoa a cidade da canção de Chico Buarque, composta para o musical “Opera do Malandro”, lançada entre os anos de 1977 e 1978, em plena ditadura militar,  é só para compor a cena.Geni continua sendo a cobra do paraíso.
Os inquilinos de Jesus  ainda hoje cantam e jogam pedras na Geni, não a do Chico, mas a Geni que se deixa ser apedrejada. Aqui não estamos falando em feminicídio. Não, eles não matam a Geni, precisam dela, esfolam, jogam tuias de bosta, mas não matam. Não sei o que é pior.
Ainda hoje a cantoria está nas calçadas e o refrão é construído  na convivência – joga pedra na Geni, entoando o dialeto, mil vezes sem nem entender a metalinguagem que a personagem transmite. Mas cada um tem sua Geni.
Geni, a personagem retratada na obra de CB, representa uma travesti, mas também uma puta, que também representam o Brasil, o país que sufoca, que reúne o maior número de bandidos, bem longe dos clássicos batedores de carteira. Sim, dizem que os ladrões não querem mais os celulares, por conta do rastreamento. Sei
Então, a composição, em sua primeira estrofe, apresenta uma Geni, que trabalha com a pior clientela, banguela, fodida, dos olhos ramelados da sociedade brasileira. Ninguém assume a pancadaria, mas todo mundo sabe quem mandou bater no lombo, nunca no lombo de quem mandou bater.
Geni atende a todos, os moleques do internato, os capitães de areia de Jorge Amado, os loucos, os lazarentos. Ela se deita com caducos fedorentos,  os paus mole, os banguelas. Ela é uma prostituta, por falta de opção, mas não temos e nem teremos a solução para a imensa legião das Genis, nesses pelos brasis. Será que elas recebem o Bolsa Família?
De todo modo, Geni faz um serviço à sociedade careta, ao se deitar com os excluídos que não conseguiram estudar ou não quiseram, sequer o tal do amor, ao passo que faz um serviço a si mesma, conseguindo seu sustento, mas a população continuar a jogar bosta nela.
 Vejamos “Ela é um poço de bondade, E é por isso que a cidade, Vive sempre a repetir, Joga pedra na Geni! Ela é feita pra apanhar! Ela é boa de cuspir! Ela dá pra qualquer um! Maldita Geni!”
Isso de dizer “Maldita Geni” virou um mantra dos becos,  das garrafas, das algazarras, bem longe do caminhando e cantando e seguindo a canção, porque, na verdade nunca fomos, nem seremos iguais.
Geni não é a Madalena, apesar do palíndromo, ela foi salva pelo gongo de Jesus.
Kapetadas 
1 – Eu ainda  me encanto com a oportunidade de viver, apaixonado pelo Brasil, e convencido de que um dia, seremos todos Alice, num país maravilha. Sei.
2 – Os brasileiros se dividem entre insones e impunes, os primeiros por causa dos segundos. Haja Rivo-Trio

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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