João Pessoa, 10 de maio de 2023 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Ainda estou a indagar por que o poeta Marcus Alves me chamou para apresentar seu livro, seja como prefaciador da obra ou na noite de autógrafo. Eu que sou um leitor comum sem se apegar aos conceitos da leitura, da estética ou da métrica das frases.
Marcus Alves, não precisa de apresentação, porque todos o conhecemos pelo seu trabalho como poeta e agente público exemplar ligado à cultura. Natural da cidade de Itabaiana, ele é sociólogo, professor e jornalista. Depois de publicar livros de poemas, agora faz sua estreia como contista.
Uma baita estreia como contista. O livro é composto de pequenos contos tensos, de leitura atraente, agradáveis. O conto sempre me fascinou.
O poeta Marcus Alves, que pela primeira vez enveredou pelo caminho do conto, fez esse mais curto e natural dos mestres deste gênero literário, porque escreveu suas histórias de modo simples, sem muito floreio. A leitura dos contos que compõem este livro, que ousadamente prefaciei, é prazerosa, flui como a correnteza dos riachos de água cristalina e saborosa, como são os do meu Brejo e do Vale do Paraíba, onde estão nossas raízes familiares.
São histórias simples, retiradas do cotidiano das pessoas, tão reais que imaginamos se o enredo não teria acontecido com alguém próximos a nós.
Marcos pegou acontecimentos aqui, outro acolá, um fato corriqueiro, desses que presenciamos ou ouvimos dizer, o transformou em texto de bom gosto. Ele trabalha a palavra como quem lapida uma peça de madeira ou uma porção de barro para a transforar em artesanato. Isso porque, como poeta, sabe capinar as palavras para expressar emoções e o lenitivo que abastece a alma. Na poesia e no conto consegue fazer isso, pelo menos é o meu entendimento.
A Paraíba sempre foi pródiga de contistas, no passado os tivemos em elevado destaque, portanto, é necessário que novas safras de contistas apareçam. Cheguem com seus recados, com suas histórias, reais ou inventadas. Inventadas porque o contista é feito do mesmo barro do poeta que transforma os sentimentos em poesia, mesmo que as vezes seja um fingidor, como se revelou Fernando Pessoa, que, por sinal, também produziu contos.
Desculpem os entendidos, mas Marcus conquista espaço na história do conto paraibano nesse começo do século.
Escrever contos não é fácil, requer muita técnica, como dizia o escritor Júlio Cortázar, mestre no gênero, “porque o conto deve girar como uma esfera em que a história se desenvolve até o desfecho”. Marcos consegue isso.
Há autores que estabelecem parâmetros para esse tipo de narrativa, que deve ser breve, ter coerência e crie tensão para o desfecho.
Seguindo a ordem estética, o conto de introspecção, o conto fantástico, o conto alegórico ganha vida e conquista leitores.
Marcos é capaz de montar uma história a partir de pequenos acontecimentos, fatos corriqueiros, tudo transforma em texto com uma linguagem límpida. Como são as cenas do conto sobre uma manhã em que o personagem central é acordado com a notícia funesta do atropelamento de um amigo. Como o outro conto sobre um encontro casual em uma livraria. De um fato aparentemente banal, ele transforma em narrativa atraente.
Ele também dialoga com temas atuais, usando a ficção para convidar à consciência ecológica, a necessidade de se plantar árvores.
O conto que dá nome ao livro – O Menino e a Sineta -, chama a atenção pelo modo da abordagem, a mística do ambiente religioso onde as crianças se encontram. Me fez lembrar do meu tempo de crianças quando, junto com mamãe e os irmãos, íamos aos domingos pela manhã para a missa na Igreja do Sagrado Coração de Jesus, em Serraria. A construção da Igreja é do final do século 19, com quatro imponentes colunas tipo romanas que embelezam a nave da Igreja e nos chamam a atenção. Como no conto, a criança que visita estes ambientes sente insubstituível emoção. Meus netos sempre lembram do lugar de minha posse na Academia Paraibana de Letras, que ocorreu na imponente nave central da Igreja de Santo Antônio do Centro Cultural São Francisco, antigo Convento São Francisco, com suas pinturas no teto e altar luminoso.
Neste livro alguns contos têm uma grande intensidade, outros nem tanto, mas isso é normal. Mas no conjunto da obra há a nítida intenção do autor em costurar a narrativa de modo que o leitor seja conduzido pelas veredas por onde passam os personagens. Autor e leitor estão unidos, juntos, um contando a história para o outro. Isso é bom em uma obra literária.
Nessa linha de raciocínio, o poeta Marcus Alves enveredou pelo gênero e, salvo melhor juízo, se saiu muito bem.
O jornalista deve saber escutar para bem narrar. Aprendi isto com Nathanael Alves e com Gonzaga Rodrigues. Sem ter ido aos bancos da Universidade, como estes também sempre acreditei que o romancista, o cronista e o poeta devem ser sujeitos que sabem escutar. Quem sabe ouvir, geralmente, consegue escrever bem. Marcus Alves procede desse modo. Sempre calmo na escuta para melhor entender o que se passa ao seu redor, para depois transmitir com palavras acertadas o que pensa e imagina.
Marcos se encaixa muito bem ao que descrevem alguns teólogos sobre determinados profetas, que são mansos e humildes de coração. Perfil que podemos encaixar Marcus, um sujeito que fala pensando as palavras antes de as pronunciar ou escrever.
Seu livro de contos, como seus poemas nos fazem refletir sobre a vida que nos cerca. Desejo a todos uma boa leitura, e façam suas apreciações.
HORA H NA TV MANAÍRA - 10/12/2024