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Marcos Pires é advogado, contador de causos e criador do Bloco Baratona. E-mail: [email protected]

Liso

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publicado em 25/03/2023 às 07h00
atualizado em 24/03/2023 às 17h53

Quando meus pais perderam tudo, não tinham evidentemente condições de contratar um advogado para defender a família nas centenas de causas judiciais que pipocaram por todos os lados. Então fui estudar Direito e desde o primeiro dia de aula já estava atazanando o juízo de amigos advogados para me ajudarem a peticionar. Meus maravilhosos professores da U. F. PB. muito me ajudaram e fui empurrando com a barriga o quanto pude a avalanche de broncas que só aumentava. Mas isso é história para outros escritos.

O que importa hoje é relatar como sobrevivi sem qualquer fonte de renda naquela longa noite de precisão, já que por toda a vida só tinha me dedicado a uma única profissão; ser filho de rico. Creiam estimados leitores, nada se compara a ser filho de rico. Ser rico nem chega perto porque o rico preocupa-se com impostos a pagar, negócios a fazer, empregos a manter. O filho de rico tem uma única preocupação; gastar o dinheiro dos pais, e nessa matéria sempre fui doutor. Porém Dona Necessidade bateu à porta e lá fui eu ganhar dinheiro para sustentar a minha família enquanto estudava à noite.

Meu capital era zero, nem carro possuía. Então eu “inventei” a Bolsa de telefones. Através de um pequeno anuncio nos jornais as pessoas tomavam conhecimento que eu comprava e vendia telefones (na verdade só dispunha de uma única linha, aquela da casa dos meus pais, que usava para os negócios). Então João ligava oferecendo uma linha telefônica e eu ficava esperando José ligar procurando essa linha. Já dizia o preço acrescentando meus 10%, juntava os dois na Telpa e fazia a transferência. Até aquele momento tanto o vendedor como o comprador ignoravam a existência um do outro. Eu os apresentava, pagava ao vendedor e ficava com minha comissão. Era maravilhoso; não tinha empregados, não pagava imposto e ainda ficava com as ações da Telpa, pelas quais ninguém dava a mínima.

Cheguei mesmo a ter alguns milhares daquelas ações. O problema era que às vezes uma das partes demorava a chegar e eu ficava enrolando o outro até poder inteirar a transação. Bronca mesmo era quando um desses falsos milionários daqui pagava em cheque, porque eu não tinha conta corrente e ia para o banco com o vendedor sacar a grana e receber minha comissão. Lembro bem que um dia fiz uma venda de 4 linhas para um banco. Era o céu, mas fui parar no inferno porque tive que dar um recibo que foi enviado à matriz que só mandou o cheque dez dias depois. Enquanto isso os vendedores ficaram mordendo meus calcanhares e eu usando minha única arma, conversa, que é coisa boa mas não paga dividas.

Ali eu aprendi que o melhor cliente é o humilde. Já chegavam com o dinheiro embrulhado num jornal e eu era feliz por mais um dia. Não é sem razão que deles será o reino dos céus.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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