João Pessoa, 07 de janeiro de 2023 | --ºC / --ºC Dólar - Euro

ÚltimaHora
MAISPB ENTREVISTA

Gerald Thomas trabalha peça teatral ‘Traidor – Uma história de amor impossível’

Comentários: 0
publicado em 07/01/2023 às 11h30
atualizado em 07/01/2023 às 13h22

Kubitschek Pinheiro MaisPB

Gerald Thomas é um dos principais diretores de teatro do mundo. Com várias peças montadas e aplaudidas nos quatro cantos, ele trabalha atualmente no texto e montagem de: “Traidor – Uma História de Amor Impossível” que fará homenagem ao ator Marco Nanini. O processo criativo de Thomas é uma aula permanente. Thomas vai além da cronologia.

O dramaturgo Gerald Thomas que fará 70 anos em 2024, nasceu no Rio de Janeiro, estudou com Ivan Serpa e Hélio Oiticica, foi orientado por Sérgio Mamberth e aos 16 anos já estudava arte e dança num grupo experimental artístico em Londres. Thomas hoje se instalou em Nova Iorque, onde trabalha e vive com a mulher Adriane Gomes.

Lá atrás, em 1985, dirigiu a peça Quatro Vezes Beckett, que o levou à Bienal de Viena e lhe rendeu o Prêmio Molière Especial. Em 1986, Gerald Thomas dirigiu a peça Quartetti, numa montagem do texto de Heiner Muller, depois fundou a Companhia Ópera Seca, em São Paulo.

A recente montagem do espetáculo “G.A.LA”  (2021) faz referência à elegância da personagem em uma noite de gala, mas também é levemente inspirada em Gala Dali, do Salvador Dali, que foi exibido no Festival de Curitiba, dentro da Mostra Lucia Camargo, com sucesso.

Dentre os muitos sucessos produzidos pelo artista Eletra Com Creta (1986); A Trilogia Kafka (1988); Carmem Com Filtro (1989); Mattogrosso (1989); Fim de Jogo (1990); M.O.R.T.E. (1990); The Flash and Crash Days (1991); O Império das Meias Verdades (1993) e UnGlauber (1994), nessas últimas três peças estrelou Fernanda Torres, com quem já foi casado. Em 2010 fundou a Cia London Dry Opera, com a qual consolidou sua carreira internacional, nela escreveu e dirigiu “Throats”, que estreou em 2011, no Teatro Pleasance e Islington, e muitos outros espetáculos. Thomas não sai de cena.

É dele a frase – “reclamar é a alma do negócio”.

Este slideshow necessita de JavaScript.

Em conversa com o MaisPB, Thomas fala de tudo – sem papa na língua, desde o novo espetáculo que está escrevendo “Traidor – Uma História de Amor Impossível”  que vai estrear com Marco Nanini– da morte que ele chama de traição e da não originalidade das coisas, Shakespeare, Goethe, e o Brasil, é claro.

MaisPB – Como anda o trabalho da peça “Traidor – Uma História de Amor Impossível”

Gerald Thomas – Ainda estou escrevendo, fiz muita coisa durante a pandemia – escrevi G.A.L.A  que foi ao ar,  já foi encenado, “Terra em Trânsito 2”,  fiz muitos projetos: F.E.T.O. (Estudos de Doroteia Nua Descendo a Escada 2022)  também já foi apresentado no Brasil passado.

MaisPB – A peça “Traidor – Uma História de Amor Impossível” nos remete a Nelson Rodrigues?

Gerald Thomas – De jeito nenhum. Nelson Rodrigues era “Dorotéia Nua Descendo a Escada”.

MaisPB – Como Thomas vê a morte?

Gerald Thomas – Eu não aceito a morte, eu não sei se você aceita, eu não sei se ninguém aceita…

MaisPB – Tem uma postagem em que você fala da morte de Contardo Calligaris, que escrevia na Folha de SP, de Gal e Arnaldo Jabor…

Gerald Thomas – Para mim eram essencialmente amigos. O Contardo era grande amigo meu, ele viveu em New York junto comigo viu as quedas das torres, era um psicanalista de primeira ordem. Para mim, não era o que escrevia na Folha, era uma pessoa que eu via todos os dias em Nova Iorque, me visitava aqui, em São Paulo também. Eu acompanhei a doença dele por vídeo e nunca imaginei que fosse tão rápido. Jabor era uma pessoa que me acompanhava sempre, eu dividi o Manhattan Connection durante uma época, nós substituímos o Francis (Paulo) e dividimos a coluna da Folha às sextas-feiras. O Jabor era muito próximo de mim – de repente foi-se sem mais nem menos.

MaisPB  – E Gal?

Gerald Thomas – Gal do nada se foi – não creio que há idade para se ir. Eu sou uma pessoa muito próxima de pessoas como a Fernanda (Montenegro) que tem uma idade avançada. Eu fico rezando todos os dias para que não aconteça. Ela tem 95 anos, lúcida, como só ela é. Fico rezando para que eu não receba essa notícia. Eu falo com ela todos os dias, mas quando você está numa idade dessas… Eu conheço muita gente, Zuenir Ventura, Ziraldo, essas pessoas todas estão com a idade muito avançada.

MaisPB – Voltemos a Gal Costa, aquele show que você dirigiu em 1994, uma das coisas mais modernas que aconteceu no Brasil, a artista vem para o palco e canta com os seios de fora. Ninguém faria aquilo, né Thomas?

Gerald Thomas – Era o Brasil mostrando sua cara.  Era o momento Cazuza do espetáculo e ela topou. Gal sempre foi corajosa, como diz um dos obituários, “a mulher da vanguarda”, Gal é a Janis Joplin do Brasil. É a mulher que se alguém topasse na música brasileira, seria Gal e foi Gal. Nenhuma outra faria aquilo. Eu conheço Gal desde os 15 anos, eu posei com ela para Marisa Alvarez Lima, no livro Marginália.

MaisPB – Gal certamente terá uma estátua no Rio, assim como Clarice Lispector, Jobim, Drummond…

Gerald Thomas – Eu estou em contato com o Eduardo Paes, o prefeito do Rio e se ele topar, vamos montar o Museu Gal.  Eu tenho muita coisa que não entrou no show, tenho uma ala inteira que não entrou de cenários, até de música que não entrou, esboços. Estou oferecendo para o Rio de Janeiro. Tem que ter uma ala composta de Gal no Rio. A vida dela foi no Rio, mesmo que ultimamente ela estivesse morando em São Paulo.

MaisPB – Já faz um tempo, li um texto seu em que Gerald Thomas estava se despedindo do teatro

Gerald Thomas – Ah, isso foi um Manifesto em 2009, porque naquela hora foi verdade, eu desmaiei na frente de um quadro de Rembrandt em Amsterdã e naquele momento, eu não vi relevância nenhuma em fazer teatro depois. Só que no ano seguinte, em Londres, montei uma companhia e voltei. Nada é muito duradouro no mundo teatral, voltei no ano seguinte com Gargólios. Na hora eu senti aquilo e fez sentido. Diante do autorretrato de Rembrandt com 55 anos, eu estava também e fez todo sentido do mundo, me senti aquele invalido, na frente de um gênio, como Rembrandt, com minha cara de maçã.

MaisPB – Tem uma frase  “esse espaço é meu, faço o que eu quiser”,  que  é atribuída a Shakespeare… todas essas coisas estão num caldeirão, né Thomas?

Gerald Thomas – Nada é original. As coisas são roubadas ou apropriadas. A gente acha que está sendo incrivelmente criativo e não está, a gente ouviu isso em algum lugar. Shakespeare não era autor de quase nada, ele ouviu em algum lugar. Goethe não é autor de quase nada, ele se apropriou de uma história de bonecos e tascou de Fausto, que também não é dele. Então, a história é só reciclagem. Quem é o primeiro Adão, quem é primeira Eva?

MaisPB – E Dante?

Gerald Thomas – Eu fui na tal casa de Dante várias vezes em Florença, onde ele morava no quarto piso, em cima daquela ponte, (aliás, o entorno de onde o artista mora, tem uma enorme importância de quanto o artista produz). Ele morava atrás da Uffizi, aquele museu maravilhoso. Mas na época de Dante, já tinha o primeiro original sanduiche judeu, o Pastrami. Eu não estou anunciando uma descoberta minha, mas ele, provavelmente, descia pegava o sanduíche comia e namorava a tarde inteira, nos infernos e nos paraísos. São círculos que eu Dante traçava.

MaisPB – A gente percebe suas curiosidades e descobertas. Gerald Thomas encontra inspiração nas pessoas?

Gerald Thomas – Eu adoro os seres humanos, adoro observá-los. Tem gente que adora ir a museus, adora discussão cultural. Eu odeio isso. Eu não vejo o menor sentido ficar olhando para as paredes. Gente que chama para ver uma instalação, vamos ver o Josef Bolf? Eu gosto de ficar em frente ao Pompidou em Paris, que é a maior passarela de pessoas do mundo, é maravilhoso sentar ali ou o Café de Flore, em Paris, que passa milhões de pessoas, que te dão um carnaval humano, é mais ou menos um filme de Jacques Tati. Eu escrevi textos sobre Fellini, Pasolini, Costa Gravas. O Vaticano também, a maneira como se fantasiam. Hoje em dia um pouco menos, porque tudo virou jeans. Desde que o jeans invadiu o mundo que tanto faz você vir da China, como da Romênia, do Brasil, todo mundo usa jeans. Então, sentar na rua e olhar o povo, é o máximo.

MaisPB – Essas sensações acontecem quando você está em São Paulo ou no Rio de Janeiro?

Gerald Thomas – Não porque não existe esse hábito de sentar na rua, sentar num café, o Brasil não tem o hábito disso. É tudo dentro. A Avenida Atlântica até tem. Mas o que passa perto de você é uma mendiga pedindo, um garoto pedindo, o cara que toca bandolim no teu ouvido, é muito barulho.

MaisPB – Você tem predileção pelos poetas brasileiros?

Gerald Thomas –  Eu vou te confessar, eu gosto de poesia concreta, minha proximidade com os concretas,  por causa do Haroldo de Campos. Eu não sou muito pela poesia, não sou muito tocado pela poesia. É claro que se eu conhecesse Drummond a fundo, eu seria tocado por ele. Também não tem como não gostar de Fernando Pessoa, dos vários heterônimos que ele usou.

MaisPB – A primeira vez que conversamos foi capa do extinto Jornal Correio da Paraíba, sobre seu livro “Nada Prova Nada”. Você tem muitos livros publicados?

Gerald Thomas –Tem a autobiografia, o livro de Desenhos, textos do Haroldo de Campos a meu respeito, por aí. São seis livros, eu acho

MaisPB – Você faz parte do time que não dorme à noite, né?

Gerald Thomas – Sim, fico no computador, leio muito e confesso que já li mais. A Covid destruiu um pouco a minha memória. Existe uma coisa chamada Covid longa, ela existe, é bom que as pessoas saibam que é um fato. Eu não sei se ela destrói permanentemente ou se é uma coisa temporária. O meu português não é mais o que era, eu penso em inglês. As palavras não vêm com muita facilidade, um esforço fenomenal, estou muito mais cansado depois desses dois anos de Covid. Eu faço exercícios com peso, mas para andar, subir escadas é terrível. Eu nadava todos os dias, mas é difícil, meu esporte é caiaque. Eu estou esperando a Primavera chegar para voltar ao caiaque. Eu sou um leitor ávido e infelizmente, eu sou viciado em notícias – leio todos os jornais do mundo, não leio mais jornais brasileiros.

MaisPB – Muitas pessoas já não lêem a Folha…

Gerald Thomas – O melhor deles, o articulista Jânio Freitas foi demitido. É uma loucura, como o Jânio Freitas pode ser demitido? Eu não consigo entender isso.

MaisPB – Você está feliz, Gerald Thomas?

Gerald Thomas – Você está feliz, Kubi? Aqui na tela do computador eu vejo você de camiseta, com a imagem de uma prancha de surfe em cima de um fusca. Você é bonito e está feliz.

MaisPB – Como você organizou todo esse acervo, que sai sobre seu trabalho no mundo?

Gerald Thomas – Tenho tudo digitalizado. Olha, eu adoro o sotaque de vocês do Nordeste. É lindo.  A cultura brasileira vem do Nordeste – Caetano (Veloso), Gilberto Gil,  Glauber Rocha…  O Norte e o Nordeste do Brasil, é o que eu considero a cultura brasileira. Da Bahia para cima. Dei uma entrevista em Belém para a tevê Silvio Santos, o cara falou para de Lukács, de Gilles Deleuze. Outra vez, fui dar uma palestra para a Petrobrás em Salvador, e o motorista do táxi veio falar comigo num português lindíssimo, que eu não sou capaz de articular e na palestra, umas 500 pessoas falando tão lindamente. Realmente da Bahía para cima é uma coisa fantástica.

MaisPB – Já ouviu “Meu Coco”, o novo disco de Caetano Veloso?

Gerald Thomas – Ainda não. Mas tudo que Caetano faz é genial. Eu fiquei uma tarde inteira explicando quem é Caetano Veloso para o Beckett, (Samuel), quando mostrei quem era Caetano para ele, o Beckett, disse: “is genius!

Leia Também