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Rodrigo Faour lança 2º Volume da “História da Música Popular Brasileira”

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publicado em 03/12/2022 às 11h10

Kubitschek Pinheiro MaisPB

A colaboração que o jornalista e escritor carioca Rodrigo Faour, tem feito para a cultura brasileira, focado na música, não tem tamanho. Com selo da Editora Record, já está nas livrarias, o segundo volume de “História da Música Popular Brasileira – Sem Preconceitos”, que traz um mapeamento completo desde o fim dos anos 1970 até o início dos anos 2020.

No segundo volume de “História da Música Popular Brasileira – Sem Preconceitos”, o leitor tem acesso não apenas aos estilos que a maioria dos estudiosos do assunto e da mídia culta costumam valorizar, como a chamada “MPB”, o samba e o rock nacional, mas também aos diversos gêneros (e subgêneros) que outrora eram considerados de menor valor, seja por estarem alinhados a interesses mais comerciais, como boa parte da música de linhagem mais popular – rotulada de “cafona”, depois “brega” -, ou por não chegarem com muita força ao Rio de Janeiro (a capital cultural e da indústria fonográfica do país, no século XX).

O autor foi mais longe – as canções caipiras/sertanejas e outros fenômenos “regionais” estão neste segundo volume –  a exemplo os minicapítulos sobre o cancioneiro do Pará, Maranhão, Pernambuco, Bahia e Rio Grande do Sul, além de fenômenos de São Paulo mais restritos ao estado, como o punk rock e a vanguarda paulista; ou por serem, em tese, “menos brasileiros”, como o pop mais despretensioso, o soul, a disco e a dance music, a axé-music, o forró eletrônico, o funk carioca e o hip-hop.

Por uma coincidência fatal, o jornalista e produtor cultural Rodrigo Faour lançou o livro “História da Música Popular Brasileira — Vol. 2”, no dia 9 de novembro passado, no mesmo dia em que Gal Costa nos deixou.

Gal havia repostado um vídeo falando exatamente sobre ela, 12 horas antes da sua morte, postado por Rodrigo Faour. “Fiquei chocado! Como a vida é imprevisível!”, disse Faour, que fez homenagem à cantora durante o encontro, na conversa com Tarik de Souza e Pedro Paulo Malta sobre MPB, o processo de pesquisa do autor e tudo sobre Gal. “Já disse diversas vezes que ela foi minha primeira grande referência musical. No meu boletim do maternal, aos 3 anos, está escrito que eu cantava ‘Gabriela’ o dia inteiro. O LP ‘Gal Tropical’ foi meu ‘Chega de saudade”.

Tarik de Souza, Rodrigo Faour e Pedro Paulo Malta

Pela segunda vez Rodrigo Faour conversou com o MaisPB (entrevistamos ele quando do lançamento do primeiro volume) e revela mais sobre o volume 2 , volta a homenagear Gal Costa e revela um comentário de Erasmo Carlos, também falecido em novembro e, claro eleva o talentos dos artistas paraibanos, que estão nesse segundo.

MaisPB – O segundo volume de História da Música Popular Brasileira Sem Preconceitos traz um apanhado mais atual, o que tínhamos desde o final dos 70. Você acha que esse volume seduz outro público, como  as pessoas que viveram esse tempo?

Rodrigo Faour – Por ser de um tempo mais recente, dos últimos 44 anos, acredito que mais pessoas vão se identificar com este “volume 2”. O que elas vão se impressionar é com a quantidade absurda de artistas, que quintuplicou em relação a outros tempos devido ao barateamento do custo de se produzir e se divulgar, primeiro pelo CD, depois pela internet. E também vão colocar a cabeça para pensar, pois há um epílogo em que eu mostro todas as transformações na produção, gravação e distribuição da música de 2008 para cá, que teve um lado positivo, de qualquer um poder colocar suas músicas e vídeos nas plataformas, mas também outro bastante perverso. Para um artista fazer sucesso sem estar alinhado aos ritmos da moda, a um apelo adolescente e aos padrões imagéticos hegemônicos ficou cada vez mais difícil, isto sem contar a imensa padronização estética e estilística geral, num mundo cada vez mais globalizado que faz tudo ficar com a mesma cara. Os livros não fazem juízo de valor de nenhum artista em especial, mas não há como não ter um enfoque crítico em relação ao sistema, ao mercado da música contemporânea, que a meu ver restringe a diversidade musical do país nas paradas.

MaisPB – Tipo assim- no Volume 2 – o leitor tem acesso a um trabalho que tem mais seus ídolos, do samba ao rock e outros gêneros?

Rodrigo Faour – –Ecletismo é o que não falta em ambos os volumes. E também muitos gêneros e artistas que jamais foram contemplados em outros livros que pretendiam contar a história da nossa música popular. Tentei ser o mais descentralizador possível, já que moro num dos centros culturais do país, o Rio de Janeiro. Daí que analisei cenas musicais fortes, como, por exemplo, do Rio Grande do Sul, do Pará, do Maranhão e de Pernambuco que têm uma montanha de artistas e movimentos que não são tão divulgados em nível nacional. Outra preocupação foi não segregar nenhum estilo musical considerado “menos brasileiro” ou “menos sofisticado” para estar num livro como este. Daí que temos do hip-hop ao funk (do Rio, de SP, de Pernambuco etc), do pagode romântico e do forró eletrônico ao samba e forró de raiz, da dance music nacional e a cultura dos DJs (jamais incluídas em livros do gênero) ao incrível apelo da nossa música em nichos de mercado do exterior, incluindo o velho intercâmbio Brasil/Portugal.

MaisPB – Aliás, volume 1 e 2 é compêndio, traz tudo e também servirá para estudos, pesquisas, defesas de teses. Isso é um diferencial acadêmico que os dois volumes trazem, não é?

Rodrigo Faour – Nunca fiz meus livros pensando nisso, mas principalmente após o “História sexual da MPB”, de 2006, passei a ser bastante citado em trabalhos acadêmicos. Como minha pesquisa é séria, trazendo sempre novos olhares sobre temas de música e comportamento, e sem “achismos” ou informações imprecisas tão comuns num país que jamais valorizou a memória como um bem cultural, meus livros acabaram virando referência para estudiosos. No caso deste meu último trabalho, o índice onomástico ao final de cada volume também facilita bastante a vida dos pesquisadores.

MaisPB – Roberto Menescal disse que seu um livro é único, Maria Bethânia  disse que já é bom  desde o título. Esses comentários dos artistas mostra que eles estão vendo e lendo suas trajetórias e até  as glórias, na obra de Rodrigo  Faour?

Rodrigo Faour – Ainda teve o saudoso Erasmo, que me levou às lágrimas dizendo que sou uma “enciclopédia ambulante” e que era “meu fã número ‘todos’”. O livro tem uns 16 depoimentos sobre meu trabalho nas orelhas e na contracapa. De Ana Carolina e Russo Passapusso do BaianaSystem a Elza Soares e DJ Marlboro. Isso é muito forte. Me sinto com uma responsabilidade muito grande. Você não imagina a quantidade de vezes que revisei o texto desses livros, inclusive com a ajuda de amigos. Tenho pavor de informação errada. Sempre vai escapar uma ou outra, mas fiz meu nome em cima de muita seriedade. Nunca quis aparecer na aba de artista, sempre quis servir como um veículo para a divulgação ou como ferramenta para um melhor entendimento daquilo que mais amo, a nossa música. Eu a amo tanto que consigo até me entender melhor como pessoa por meio dessa nossa produção musical. Ela me traduz bastante.

MaisPB – Vamos voltar no tempo –  você já tinha essa ideia de fazer os dois tomos  – deve ter dado uma trabalheira, né?

Rodrigo Faour – Sim, eu comecei a ministrar um curso de história da nossa música na PUC-Rio e senti falta de um livro com uma abordagem mais contemporânea do assunto, então eu mesmo resolvi escrevê-lo. Sabia que seria um projeto ambicioso, mas conforme foi passando o tempo, vi que era muito mais louco do que eu poderia imaginar. Eu ia escrevendo, sem acreditar que estava me lançando em algo tão vasto, múltiplo. Mas, enfim, terminei. Creio que estou dando uma contribuição importante não só para fãs da nossa música, mas para os novos artistas que agora terão um apanhado bem condensado de referências importantes desse nosso caldeirão cultural-musical. Um caldeirão de uma potência fabulosa, muito raro de ver em outras partes do mundo, e que não merece ser subestimado, tampouco apagado.

MaisPB – Quanto tempo durou a pesquisa?

Rodrigo Faour –Sete anos, mas se não fosse minha mania de guardar documentos e catalogar/colecionar discos a vida inteira, teria sido impossível realizá-lo em apenas sete anos. Mas eu tenho um poder de produção muito grande, pois sempre fui muito disciplinado. Se você pensar que além dessas 1.300 páginas dos dois volumes eu ainda estou com meu canal do YouTube “Rodrigo Faour Oficial” há cinco anos, criando vídeos semanalmente (já fiz mais de 330), e que desde 2018 fiz por dois anos um mestrado e emendei num doutorado na PUC-Rio, além de projetos avulsos, dá para imaginar a loucura que é a minha cabeça.

MaisPB – Legal o destaque dado ao frevo, o carnaval da Bahia, Olodum, velhos carnavais. Vamos falar sobre isso?

Rodrigo Faour – Assim como as cenas “regionais” que já citei, as carnavalescas da Bahia, de Recife, fora a do Rio de Janeiro e a menos conhecida do Maranhão, não poderiam ficar de fora, pois são muito originais, isto sem contar o punk-rock e a vanguarda paulista, que nasceram em São Paulo.

O livro é de certa forma cronológico, mas faço uma volta ao tempo lá pelos anos 80 para contar de onde surgiu a chamada Axé Music, ou seja, tudo que a antecedeu, como os primeiros afoxés, os trios elétricos e os blocos afro. Também mostro  a evolução do frevo e quando também o frevo baiano surgiu no meio desse caminho, com hits de Caetano Veloso e Moraes Moreira que ganharam todo o país. A história do nosso cancioneiro carnavalesco é de uma riqueza fabulosa.

MaisPB – As capas dos discos trazem uma beleza a obra, com informações tais que muitas pessoas não sabiam?

Rodrigo Faour –No segundo volume, resolvi ilustrar apenas com capas de LPs, compactos, fitas cassete, CDs, DVDs e até um playerzinho imitando as plataformas de streaming, de modo que uma pessoa que esteja começando a vida agora possa entender como nossos artistas foram vendidos em cada tempo. E quem gosta de música mais a fundo tem um fetiche especial por essas capas e projetos gráficos, pois trazem consigo um espírito de época – o grafismo, a moda das roupas e cabelos e até de expressões nos títulos dos álbuns.

MaisPB – Os paraibanos estão no livro – Chico César, Elba Ramalho, Zé Ramalho, Renata Arruda, Glorinha Gadelha, Geraldo Vandré. Vamos falar um pouco deles?

Rodrigo Faour – Sim. Desses todos que você citou, a Elba me cativou desde pequeno. O pôster do LP “Alegria” ficava pregado num mural que havia no meu quarto. Aprendi a gostar de forró com ela, com Gonzagão e com a dupla Gal e Gonzaguinha, desde que ouvi “O gosto do amor”, no LP “Água viva”, da Gal, aos sete anos. Eu tive o cuidado de dizer os estados de origem dos artistas citados nos dois volumes, inclusive os que acabaram indo morar no eixo Rio-São Paulo muitas vezes por questão de mercado. Fiz isso propositalmente, para mostrar que há talentos nascidos nos quatro cantos do país.

MaisPB – E Jackson do Pandeiro?

Rodrigo Faour  -A Paraíba nos trouxe todos esses nomes que você citou e ainda o ícone Jackson do Pandeiro, o qual tive o privilégio de produzir o relançamento de toda sua obra nas gravadoras Copacabana e Philips numa caixa de 15 CDs “O Rei do Ritmo”, da Universal Music; e ainda Sivuca, músico e arranjador de renome internacional, o irreverente Genival Lacerda; os sanfoneiros Zé Calixto, Geraldo Correia e Abdias (também produtor); o genial compositor Antonio Barros e mais o grupo Os 3 do Nordeste, os cantores da Era do Rádio Roberto Luna e Jairo Aguiar, a “cantautora” Cátia de França, Pinto do Acordeon, o astro Flávio José, o roqueiro Herbert Vianna (que depois se radicou em Brasília e no Rio), o soulman Cassiano, o apresentador e cantor brega Barros de Alencar, os também bregas Bartô Galeno e Fernando Lelis, a sertaneja Roberta Miranda e não pára por aí. Também nos deu Vital Farias, Biliu de Campina, Fuba de Taperoá e seu primo Zito Borborema, Rouxinol (Paraibano), o violonista virtuose Canhoto da Paraíba – que tocava com o violão invertido –, Novinho da Paraíba, Amazan, Lucy Alves, as bandas de forró eletrônico Vereda Tropical, Metrópole, Laços de Amor, Magníficos e Capim Cubano e até o DJ/produtor Ivis, que uniu o “funk” com piseiro, que teve sua carreira arruinada por agredir a ex-mulher.

MaisPB – Vi que você citou o livro “Minha Fama de Mau”  a biografia de Eramos Carlos, que também perdemos no mês de novembro. Como a RF avalia essa perda para a MPB? Os jovens conhecerão a obra dele?

Rodrigo Faour – Citei sim, gosto desse livro, acho bem sincero. Erasmo e Roberto fizeram juntos como autores o maior número de canções de sucesso de todos os tempos no país, nos discos de um, de outro e também em músicas que compuseram para outros cantores. Num projeto que fizemos juntos, a coletânea “Erasmo 65 – Na estrada”, em 2006, na Universal Music, ele me confidenciou que todas as músicas de 1970 para cá que deram para outros cantores eram, em verdade, só dele, embora aparecessem como de autoria da dupla. Ele era o lado mais arejado, moderno e ousado da dupla com Roberto, que sempre foi mais pé no chão e devoto ao estilo que os fãs dele o consagraram. E pessoalmente era uma unanimidade, um cara sempre educado, divertido e com um lado criança que nunca perdeu.

MaisPB – A perda de Gal mexeu muito com o Brasil e as redes sociais – e tudo mais.  Vamos falar sobre ela, a sua importância para o mundo da música?

Rodrigo Faour  – Gal, principalmente dos anos 1960 ao início dos 90, lançou um cancioneiro próprio com uma voz cristalina, convencendo em qualquer gênero musical que interpretasse, do mais simples ao mais sofisticado. Nunca vi uma cantora que convencesse entoando desde uma canção de ninar até uma bossa nova, de um xaxado a um standard americano, de uma música de vanguarda a um rock. Isto sem contar o lado comportamental, que nos anos 70 foi modelo a um sem número de mulheres, que não suportavam mais aquele papel tão limitado na forma de se comportar publicamente. Por fim, de 2011 para cá, a partir do álbum “Recanto”, gravando novos autores e experimentando novas estéticas, conquistou uma nova juventude que passou a idolatrá-la.

MaisPB – Rodrigo não para. Já está pensando em algo novo para 2023?

Rodrigo Faour – Sim, já tenho um livro pronto para o ano que vem, por incrível que pareça. Mas é segredo ainda.

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