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Kubitschek Pinheiro – MaisPB
O jornalista e escritor Oswaldo Carvalho foi longe, ao escrever a biografia “Domingos Montagner – O Espetáculo Não Para” com selo da Editora Máquina de Livros. Um texto de fôlego, que amplia o tempo em que o ator ainda viveria entre nós, sua arte, sua performance, um plural nessa estrada, cujo espetáculo não para. A obra foi lançada recentemente.
São 352 páginas de mil histórias, depoimentos e imagens da vida e da carreira do artista, desde a infância em Tatuapé, São Paulo, até se consagrar como um dos grandes atores brasileiros. Vida breve: Domingos partiu com 54 anos, nas águas do Rio São Francisco, esse mesmo rio vem matando a sede de muitos nordestinos, com a transposição das águas.
Oswaldo Carvalho entra na cena, na vida, na família, nos amigos e passa pela novela “Velho Chico” (2016), em que Domingos interpretava o protagonista, contracenando com atores paraibanos no elenco Zezita Matos, Verônica Cavalcanti, Marcélia Cartaxo, José Dumont, Lucy Alves e Lucas Veloso, filho do humorista Shaolin.
Um belo palhaço, o Domingos, tinha a cara circense brasileira. Oswaldo Carvalho, foi além do personagem, da trajetória do ator, do menino Mingo, dos palcos e nas telas. Uma biografia recheada de imagens, depoimentos, um catatal.
Está lá o atendente de bar, assistente de almoxarifado, jogador de handebol, professor de educação física, cenógrafo, trapezista… Domingos Montagner era um artista brasileiro.
Oswaldo caiu em campo e traz centenas de depoimentos vivos para escrever Domingos Montagner – O espetáculo não para. Da atriz Camila Pitanga a José Wilson Moura, fundador da Circo Escola Picadeiro, as várias facetas de Domingos são contempladas. Mas o que se vê no livro não é uma compilação de depoimentos, mas saga, de um menino que construí sua vida seus amores, a família, pai e mãe, o irmão e os amigos Trata-se de uma linguagem literária e romanesca.
A viúva de Domingos, a artista e produtora Luciana Lima tem lugar de destaque na obra. Foi ela quem disponibilizou todo o acervo do marido para o livro.
Está lá o inseparável parceiro Fernando Sampaio e o também saudoso Luiz Gustavo até estrelas com quem contracenou, como Antonio Fagundes, Lilia Cabral, Ingrid Guimarães, Cauã Raymond, Maria Fernanda Cândido, Gabriel Leone, Camila Pitanga e muitos outros.
O texto da orelha é da atriz Denise Fraga, amiga que conviveu de perto com o ator. Além das 150 fotos, muitas delas inéditas, do acervo de Domingos, o leitor ainda tem a chance de conhecer o talento dele como atleta, professor e desenhista, a partir de ilustrações que fez ao longo da vida.
Em um dos capítulos, o livro descreve as últimas horas de vida de Domingos, mas sua partida não é tratada como desfecho. Sua obra segue viva, pulsante. Sem fim.
O autor conservou como o MaisPB. Leia a entrevista e conheça mais sobre Domingos Montagner e sua arte.
MaisPB – Um livro para se ler repetidamente, a biografia de Domingos Montagner. Pela riqueza do personagem, a gente percebe que Domingos, (Mingo) tem várias facetas e daria até um filme sua história, não é?
Oswaldo Carvalho – Domingos produziu muito e mergulhou de cabeça em tudo o que fez. Demorou para se descobrir artista e depois foi trapezista, palhaço, ator, cenógrafo… É uma vida cheia de reviravoltas, dessas que a gente gosta de ver no cinema. Enquanto eu escrevia o livro, às vezes eu mesmo duvidava que ele tivesse feito tanta coisa em tão pouco tempo. Voltava às minhas anotações e pensava: caramba, ele fez mesmo!
MaisPB- Certamente vem daí o subtítulo de seu livro – “o espetáculo não para?”
Oswaldo Carvalho – Sim, o título reflete essa profusão criativa do Domingos. Além disso, traz a ideia de que o seu legado continua entre nós. Sua companhia La Mínima e seu circo Zanni continuam aprontando todas, e Domingos inspira uma nova geração de atores e artistas circenses. Meu desejo é que o livro contribua para que a arte de Domingos Montagner viva para sempre.
MaisPB – Como veio a ideia de escrever essa obra tão importante para a história da arte brasileira?
Oswaldo Carvalho – Recebi o convite da Jaqueline Lavôr, responsável pela pesquisa de imagens do livro. Topei de cara, pois já tinha curiosidade sobre essa trajetória circense que Domingos sempre evocava nas suas entrevistas. Era um palhaço diferente, contemporâneo, sem nariz vermelho, e ao mesmo tempo um galã bombadíssimo nas novelas da Globo. Um personagem instigante. Comecei a pesquisar sobre o assunto e percebi que havia uma grande história por trás, uma reviravolta na história do circo. E o Domingos é um dos protagonistas dessa aventura.
MaisPB – No livro a gente consegue sentir o lado mais humano de um ator, que nasceu e se agigantou a começar pelos esportes, até chagar ao circo, o teatro, a telenovela. Fala aí pra gente?
Oswaldo Carvalho – Eu conversei com muita gente próxima de Domingos e consegui fazer esse retrato do artista em tom íntimo. Pego o leitor pela mão e o levo à maternidade onde ele nasceu, às coxias de teatrinhos de rua de São Paulo, ao palco do Municipal, aos bastidores das novelas da Globo. Devo isso a todos os amigos e parceiros de Domingos, que me contaram os causos tão saborosos que estão no livro.
MaisPB – Nada conseguiu mudar a busca de Domingos pela cultura, pela arte, seja de professor, ator, palhaço e tudo que ele representou, não é?
Oswaldo Carvalho – Domingos fez muita coisa antes de se tornar artista, foi professor de educação física, atendente no bar do pai… Mas eu consegui detectar em minha pesquisa que ele demonstrou uma curiosidade artística desde cedo. Era o mais culto entre os colegas da faculdade de educação física, e misturava teatro e música com o trabalho corporal que fazia com os alunos do ensino médio. Mais tarde, já estabelecido nos palcos de São Paulo, enfrentava dificuldades para levantar seus espetáculos, mas jamais pensou em desistir. Com o sucesso nas novelas, veio a estabilidade, mas sobrou pouco tempo para o teatro e o circo. Ainda assim, ele continuou a fazer. Chegou ao ponto de ouvir recomendações dos colegas para descansar! Conto no livro que Lícia Manzo, autora de Sete vidas, ao ouvir do amigo que ele estava fazendo um seriado de TV e um filme ao mesmo tempo, logo depois de terminar uma novela, disse: “Você precisa parar um pouco”.
MaisPB – Quanto tempo durou a pesquisa, idas e vindas a Tatuapé, e outros lugares, onde buscou informações?
Oswaldo Carvalho – Foram cerca de três anos. Comecei fazendo uma vasta pesquisa em livros sobre história do circo, em jornais e revistas que cobriram a carreira de Domingos, e em trabalhos universitários sobre o teatro e o circo dos anos 1990. Em seguida, mergulhei no acervo pessoal de Domingos: ele era um colecionador, guardava tudo, e isso me ajudou muito. Por fim, muitas entrevistas e bate-papos com quase uma centena de amigos, parentes e parceiros de todas as fases da carreira do ator.
MaisPB – No seu livro “Domingos Montagner – O espetáculo não para”, de fácil leitura e que empolga do leitor, a gente descobre quem realmente era o ator e a falta que o personagem nos faz, nesses tempos sombrios, no Brasil e no mundo. Estou certo?
Oswaldo Carvalho – Está certíssimo. Eu acredito que a arte nos torna pessoas melhores e sinto que um artista da tarimba de Domingos faria falta em qualquer tempo, mas é pior agora, pois estamos carentes de grandeza. Além disso, o palhaço carrega uma enorme energia de provocação e contestação. Acho que a arte cômica de Domingos nos ajudaria a sair da crise social, econômica e moral em que nos metemos. Como disse Dario Fo, grande inspiração de Domingos: “o poder não resiste à risada”.
MaisPB – Como se deu seu contanto com a esposa dele, Luciana Lima. que também militava nesse campo das artes?
Oswaldo Carvalho – Luciana tem uma sensibilidade apurada, acolheu o projeto com carinho e nos abriu muitas portas. Mas eu e Jaqueline Lavôr também respeitamos o tempo dela e sabíamos que seria preciso ganhar sua confiança, em todos os sentidos. Eu me equilibrava entre a minha busca por informações e o meu respeito à dor da perda. Foi uma parceria que deu certo e rendeu esse belo resultado.
MaisPB – E o irmão, Dico?
Oswaldo Carvalho – O Francisco é uma simpatia, me levou à casa do Tatuapé e me contou causos saborosos da infância de Domingos. Com ele também foi preciso dosar o meu ímpeto jornalístico com o respeito à saudade do irmão.
MaisPB – Quase 400 páginas. Alguma coisa ficou de fora? E as fotografias como conseguiu, além dos desenhos?
Oswaldo Carvalho – É impossível contar uma vida em um livro sem deixar de fora alguma coisa. O que posso garantir é que a trajetória artística de Domingos está toda registrada no livro; tenho orgulho de deixar esse registro para as próximas gerações. Além disso, muitas histórias, curiosidades de bastidores e da vida íntima do artista, que contribuem para essa leitura com sabor de romance.
MaisPB – O cara teve vida mínima, digamos assim, cuja morte nas águas do Rio São Francisco, nos últimos dias de gravações de “Velho Chico”, em que interpretava o protagonista da trama. Isso mexeu muito com os fãs, amigos, atores, diretores, enfim, o povo brasileiro que é muito solidário?
Oswaldo Carvalho – A morte de Domingos foi uma comoção nacional, compreensível, se levarmos em conta que ele era um dos atores mais queridos do Brasil, um galã com fama de boa-praça, que todo mundo gostava de ver nas novelas mas também nas entrevistas. Além de tudo isso, era o protagonista da novela das nove, que é uma instituição brasileira. Nós temos a compaixão cravada em nossa cultura, o que aguçou o pesar com a perda do artista, do marido, do pai…
MaisPB – Você nasceu em Minas, a terra fértil da poesia de Drummond, o canto belo do Clube da Esquina e tantas artes espalhadas pelas cidades históricas… Tem orgulho desse chão?
Oswaldo Carvalho – Orgulho demais da conta! Amo todos do Clube da Esquina, mas não só: já assisti mais de vinte shows do Skank. O Drummond eu adoro, não só os seus poemas geniais, mas também o seu jeitão mineiro, me perco vendo suas entrevistas no YouTube. Da poesia de Drummond nasceu o Anjo Torto que vive aparecendo em outros textos por aí e que veio dar um charme extra às aventuras de Domingos.
MaisPB – Seu livro também é rico em várias informações paralelas, nomes de bandas, literatura, acontecimentos mundiais, ligados ao percurso da vida e morte da personagem. Inclusive, o ambiente geográfico, que lembra um romance. Vamos fechar com isso, sobre a pluralidade de sua obra?
Oswaldo Carvalho – Quis apresentar todo o universo sociocultural em que Domingos nasceu e se fez artista, isso é fundamental para entendermos sua personalidade. O livro acabou se tornando também um registro de uma época, narrando um capítulo importante da história do circo e da TV no Brasil. Conto tudo isso sem abandonar o protagonista, tudo é narrado a partir da perspectiva de Domingos. Eu trago para o leitor o conhecimento que eu mesmo adquiri percorrendo a sua trajetória.
ENTREVISTA À REDE MAIS - 12/09/2025