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Titular em Letras Clássicas, professor de Língua Latina, Literatura Latina e Literatura Grega da UFPB. Escritor, é membro da Academia Paraibana de Letras. E-mail: [email protected]

A sátira como essência

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publicado em 06/07/2022 às 12h18

Escolhi o poema satírico como essência de meu texto, publicando três epigramas de minha lavra e três décimas heptassilábicas, em que desenvolvo um mote do poeta seiscentista Gregório de Matos (foto) (1636-1696). Os epigramas se completam, desvelando a face do Brasil atual, perdido em disputas estéreis e afogado em mares de mentira, em que os partidários de ambos os lados se veem imersos.

Já as décimas revelam, a um só tempo, como denunciar e como escapar à patrulha que, vilipendiando o nome da democracia, quer calar a todos os que são contrários às coisas funestas, que se pregam à direita e à esquerda.

Vamos aos textos!

Epigrama 1

Entre o Mito e o Minto, o embate se avizinha

e a farândula – matula –, ao seu lado se alinha.

Epigrama 2

No Brasil dos descarados, tudo é claro, sem nuança,

o que é cafajestagem se tornou uma aliança.

São bandidos que se agridem todo o dia ab ovo

de repente se aliam pra poder roubar o povo.

Epigrama 3

Não importa o conteúdo, só importa o continente:

quando alguém diz o que quero, é senhor da minha mente;

quando o meu olhar é vesgo, já não tenho atitude,

a virtude vira vício e o vício é virtude.

Mote encontrado em uma décima de Gregório de Matos:

CALE-SE A LÍNGUA MELHOR,

EM TANTA DIFICULDADE.

  1. Desenvolvendo o mote

Nestes tempos de patrulha,

há um cão em cada esquina,

se ladrar é sua sina,

ele o faz pra fazer bulha.

Lança mão de uma fagulha,

incendeia a verdade,

vai tecendo a inverdade,

com a intenção pior:

CALE-SE A LÍNGUA MELHOR,

EM TANTA DIFICULDADE.

  1. Glosando o mote

Não te troques com qualquer

e cultiva a indiferença,

bota fé em tua crença,

paciência se requer.

Nada entregues de colher,

mas de versos faze um ror,

retém todos bem de cor,

o silêncio é semente

que germina no repente:

CALE-SE A LÍNGUA MELHOR.

Se o cão quiser ladrar,

faz de conta que te assusta.

Estratégia muito justa

é fingir o recuar.

Não o deixes de irritar

e mantém tranquilidade,

espicaça a vaidade,

ironiza sorrateiro,

é costume bem matreiro,

EM TANTA DIFICULDADE.

Em suma, o Brasil mergulhou, há tempos, numa situação muito estranha, para dizer o mínimo, em que até os provérbios viraram contravérbios, concedendo boa munição para a sátira. Particularmente, não vejo outro jeito de enfrentar a situação, senão desnudando com a ironia os que, de tanto se acostumarem a bocas tortas, adotaram o uso e a defesa dos mais reles cachimbos.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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