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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

Deus é um políptico complexo

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publicado em 11/06/2022 às 08h40
atualizado em 11/06/2022 às 06h47

Eis a cidade, toda escorchada, com casas e prédios em ruínas.

Eis o menino, o mendigo e o malabarista boliviano no sinal da Rua Rodrigues de Aquino, que já foi mais pacata, quando era Rua da Palmeira.

Eis a fome, o feijão, o instinto, a esperança e eis o desuso de máscaras e o vírus voltando. Eis o medo, a morte e o castigo.

Eis a obra de arte a mais cobiçada, “Retábulos de Ghent”, também designada por Adoração do Cordeiro de Deus (foto) obra-prima dos irmãos Van Eyck, que passou por vários percalços. A mais roubada do mundo.

Eis o profeta Dostoiévski, eis a consciência humana.

Eis a sinuosa nudez da mulher de cobre que se cobre e me cobre.

Eis a língua portuguesa.

Eis a língua ferina, a língua de trapo e o viés.

Eis o rapaz em seu transe de gozo falante.

Eis a palavra sem precisar de “palavra de homem”. Eis o estado de espírito.

Eis uma frase de Pascal estampada numa rua de Belo Horizonte: “Se você não acredita em Deus e nas Escrituras e estiver errado, você irá para o fogo eterno”.

Eis um estado de sítio, o Brasil.

Eis a multiplicação das facções.

Eis o odor do abraço dissolvido e esquecido. Eis a mulher macia. Eis o sol semântico iluminando o mar.

Eis o Pessoa e as pessoas mortas. Eis a chegada, olho no furacão anímico dizendo: “eis-me”.

Eis o Vesúvio!

Eis a vida bruta e líquida, atordoada o que é e está, em contraposição a todos os “anti-eis”, coisas que não existem, como o dinheiro e a expressão “conforme foi dito acima”, que sempre foi dita.

Eis o exclusivo, mesmo que não seja, eis a bailarina, com ou sem pentelhos, eis o homem triste da nossa época.  Eis o prato e a cocaína.

Eis a sociedade, uma horda virtual única de mal educados. Eis as tribos valentes, eis a milicia.

Eis o som, eis o ringue, o suingue, a madrugada, eis o sêmen, o rito erótico.

Eis o trânsito infernal, eis o marginal, eis a rotina e a mágoa, eis o friso e o cabelo, eis o chiclete na boca.

Eis o sonho e o tapete, eis o livro e eis o passageiro da agonia. Eis a lavanda, a roupa lavada, a saideira e a facada.

Eis o corredor, as batidas na porta, eis o tempo.

Deus está no políptico complexo de Van Eyck.

Kapetadas

1 – Não gostar de mim não faz de você uma boa pessoa, mas já atesta um certo bom gosto.

2 – Pessoas que encontram a paz interior em uma xícara de café, por favor, se apresentem.

3 – Som na caixa: “Eu possuo apenas o que Deus me deu”, Tom Jobim

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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