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Poeta, escritor e professor da UFPB. Membro da Academia Paraibana de Letras. E-mail: [email protected]

Boa sorte, candidato!

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publicado em 30/03/2022 às 07h00
atualizado em 28/03/2022 às 17h56

 

Se você é candidato ou candidata à próxima vaga da APL – Academia Paraibana de Letras -, por gentileza, não me peça o voto. Seu pedido certamente vai me constranger ou vai me fazer pensar que você se humilha, ou, o que me parece pior, está agindo de má fé. Considere a semântica desta expressão no sentido existencialista da palavra, segundo Jean-Paul Sartre. Ou seja, não use de sua “liberdade negativa” em detrimento da suposta “liberdade positiva” de que os acadêmicos dispõem para escolher um nome, livre, secreta e silenciosamente, conforme os estatutos da mais lídima democracia. Enfim, seja autêntico.

Apresentar-se, sim, me parece de bom tom, porém, o faça sem cavilações, salamaleques e hipocrisia. Muito menos com qualquer tipo de pressão moral ou psicológica. Digo isto porque acadêmico é um bicho muito susceptível, muito vaidoso, muito esquisito, muito cioso de sua possível autonomia e independência ética e intelectual.

Para apresentar-se, você não precisa fazer a protocolar visita aos acadêmicos, como se dá, por exemplo, nas pré-eleições da ABL – Academia Brasileira de Letras -, exigência por sinal descrita e narrada com humor e derrisão por Guilherme Figueiredo em delicioso livrinho, intitulado As excelências ou como entrar para a Academia.

Dessa via crúcis, que beira o ridículo e o grotesco, você está livre. Sugiro ou aconselho: aos acadêmicos fale apenas de seus interesses e intenções, exponha seu currículo, agradeça-lhes a atenção e mais nada. Insisto: não peça o voto. Confie no seu taco, no seu trabalho, nas suas obras de valor científico, artístico e literário, na sua incontornável presença na cena cultural de seu estado, pois suponho serem estes os pressupostos a credenciar a figura de qualquer candidato ou candidata.

Evidente que falo por mim. Contudo, quero crer que não se passe diferente com meus ilustres confrades e confreiras, mesmo sabendo que, às vezes, a escolha atende a critérios subjetivos que pouco têm a ver com a validade do mérito intelectual.  Pressuponho também que eles devam conhecer de perto a vida cultural de sua região, os possíveis candidatos ou candidatas dentro de suas respectivas trajetórias na república das letras. Acadêmicos também estudam e leem.

De outra parte, quero lhe lembrar que as academias, e a nossa não foge à regra, são casas insólitas, complexas, fraturadas… Casas cheias de arestas, de sombras indecifráveis e de vírus patogênicos. Possuem seu lado cômico e pitoresco, sua atmosfera ambivalente e escorregadia, suas circunstâncias nefastas e insuportáveis, suas ocorrências toscas e perigosas.

A imortalidade, que a envolve, é absolutamente paradoxal, pois, no fundo, as academias nada mais são que casas de mortos, antiquários onde o chiste, as falácias, a melancolia e a glória se misturam na oratória dos pergaminhos carcomidos do panegírico e do necrológio.

Acerca da ABL, por exemplo, algumas obras literárias me dão notícia desses curiosos bastidores, trazendo à tona o ambiente difuso que a move no dia a dia, as picuinhas, a maledicência, a vaidade besta dos habitantes que vivem o lixo e o luxo daquele colendo sodalício. Na casa dos 40 e Anedotário geral da Academia Brasileira, ambas de Josué Montello; Farda fardão, camisola de dormir, de Jorge Amado; A Academia do fardão e da confusão, de Fernando Jorge, e Assassinatos na Academia Brasileira de Letras, de Jô Soares. Seria proveitoso dar uma espiada em suas páginas.

Certa feita um repórter perguntou a Érico Veríssimo por que não se candidatava a uma vaga na ABL. Ao que ele respondeu: “A uma vaga? Ora, eu já sou uma vaga”. Não sei se a palavra aí quer significar ausência, lugar vazio, sendo o vazio, segundo certa linhagem teológica, o lugar de Deus, ou se simplesmente uma onda que passa e se dissolve. Sei que o autor de O tempo e o vento nunca se candidatou. Não sei também se agiu certo ou errado. Não tenho dúvidas, no entanto, de que pulou uma fogueira.

Infelizmente tal não aconteceu comigo. A uma vaga na APL me candidatei, concorri e fui eleito, faz 23 anos, tempo suficiente para conhecer todos os cômodos da velha casa. Os fungíveis e os infungíveis. A porta de entrada e a porta dos fundos. Por isto mesmo asseguro a você, candidato ou candidata à próxima vaga, que lhe cederia cordialmente a minha, se para tanto não tivesse de morrer.

De qualquer maneira, boa sorte, candidato!

 

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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