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Graduado em Jornalismo, Yago Fernandes é um “pitaqueiro” sobre a vida, relações humanas e um apaixonado pela comunicação. É mestre de cerimônias e tem experiência com palestras e oficinas de Oratória. Atualmente, também é assessor de comunicação.

O bom do Alzheimer, a doença sem filtros 

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publicado em 28/03/2022 às 11h26
atualizado em 28/03/2022 às 13h16

Todo mundo já deve ter escutado, em algum momento, a expressão “fulano está com mau de Alzheimer”. Tanto para quem diz quanto a pessoa que ouve, a reação, em seguida, é de espanto e tristeza. Absorver o diagnóstico não é fácil, mas a história pode ser contada de outra maneira… bem-vindos/as ao Bom do Alzheimer.

Há alguns anos – não sei exatamente quanto tempo – descobri um canal no YouTube chamado O Bom do Alzheimer. Ao me deparar com cenas reais de uma filha amorosa cuidando de uma mãe a qual carrega a doença há 11 anos, despertou em mim uma curiosidade sem igual… e olhe que não tenho muita paciência para ficar vendo vídeos e vídeos em canais afora.

A Cláudia é filha da Francisca – ou Francisquinha, como já é conhecida. Ambas protagonizam histórias do dia a dia e compartilham um amor para mais de 230 mil inscritos. São vídeos curtos, caseiros e sem caprichos de edição. Do outro lado da telinha, não há quem não se concentre vendo as duas imersas em diálogos banhados de afeto – embora nem seja constantemente assim. Quando a Francisquinha não está bem, tipo zangada, ah, o cenário é outro… É nessa hora que a filhota entra em ação e nos ensina que com amor, paciência, música relaxante e até biscoitos… tudo volta a ficar bem.

Pude conversar um pouco com a Cláudia e saber como é viver tal realidade. Ao perguntar o porquê do tema ser tão pouco discutido entre as famílias e se, na avaliação dela, o Alzheimer ainda é visto como tabu na sociedade, ela me diz que as pessoas não procuram informação, daí surge o preconceito.

Para alguns, mostrar a rotina da mãe, suas fragilidades, outros membros parentais vivendo em tal contexto, enfim, o teto do seu apartamento e divulgar na internet… é algo que muita gente não faria, no entanto, a Cláudia intitula a situação de “exposição de amor”. Os seguidores do canal são aceitos e queridos no sofá de sua residência, todos cabem ali, todos querem estar ali.

Há sempre gente boa por perto. A rede de apoio – formada por pessoas da própria família – vai ajudando a cuidadora nas tarefas corriqueiras. Seres comuns, assim como nós aqui do lado de fora, de boa energia e que nos recebe em seu apartamento no Rio de Janeiro – local onde vivem.

A Cláudia assegura que paciência é treino. Talvez aí está o grande fulcro do sucesso encontrado no canal – com vídeos ultrapassando a marca de 1 milhão de visualizações. E toda essa “fama” parece ser algo simples, um status desejado, claro, embora o principal foco seja o de levar mensagens de esperança a centenas, milhares de cuidadores vivendo com algum idoso com Alzheimer. “O que era uma dor, hoje é um propósito de ajudar famílias”, lembra.

O idioma “Francisquês” – forma descontraída de dizer das palavras que às vezes se atrapalham na comunicação, algo natural da doença – é mostrado nos vídeos, assim como suas queixas e pedidos para ir embora, ir para casa. “Daqui a pouco a gente vai, tá?”, diz a filha… e a mãe nem lembra mais. Discutir? Negar? Revidar? Nem pensar… afinal, vão esquecer.

Já me emocionei, já sorri, já refleti sobre a vida… graças a essas mulheres que tocam nosso coração e nos fazem elucubrar; é, a vida passa rápido e sofrer não é a melhor saída.

Atualmente, a filha da Francisquinha tem um curso próprio chamado “Método Love Care”, com mais de 1.600 alunos querendo aprender de quem aprendeu (por conta própria) cuidar da mãe. Cláudia quer promover palestras, na finalidade de levar sua história a tantos outros lugares sedentos de esclarecimentos e respostas. Ainda que não haja receita para cuidar da melhor maneira o paciente com Alzheimer, o que se vê é um jeito mais leve de conviver com a patologia.

Cerca de 1 milhão de brasileiros sofrem de demência atualmente – a maioria deles têm a doença de Alzheimer. Há 30 anos, eram 500 mil. Daqui a 30 anos, serão 4 milhões.

Esta é a principal conclusão de um estudo realizado por pesquisadores da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pela Universidade de Queensland, da Austrália. Os índices foram divulgados ano passado.

Se isso assusta… não devia assustar. Quando leio que o exemplo da Cláudia é a maior “referência de generosidade […], inspirando milhares de pessoas a abraçar seus processos, ressignificar suas dores, ver o lado bom das coisas mesmo quando ninguém mais vê”, enxergamos, nessas palavras, um conforto e a certeza de que podemos encarar as adversidades da vida com calma, sabedoria e vontade. A citação acima foi tirada de uma publicação feita pela Carol (filha da Cláudia), homenageando a genitora.

A verdade é que o Bom do Alzheimer é, indubitavelmente, a receita do amor, o caminho para a paz. Quisera eu que todos pudessem ter acesso aos conteúdos do canal, aliviando pensamentos equivocados e estigmas arcaicos sobre a doença. No mais, só posso dizer: obrigado, Cláudia e Francisquinha! Vocês são inspirações a futuras gerações e bússola a quem quer viver mais e melhor.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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