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Poeta, escritor e professor da UFPB. Membro da Academia Paraibana de Letras. E-mail: [email protected]

Cuidado com as palavras!

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publicado em 23/03/2022 às 08h19

As palavras são como as pessoas: nascem, crescem e morrem. Possuem, portanto, uma história que pressupõe, por sua vez, origem, desenvolvimento, uso e desuso, conforme o primado das circunstâncias linguísticas e dos percursos filológicos.

Não se deve, assim, ser indiferente à trajetória de sua significação. Vezes retilínea, vezes sinuosa, vezes previsível, vezes surpreendente; inusitada, insólita, absurda, a semântica é ponto nevrálgico no organismo das palavras. O sentido primeiro, originário, no frescor de suas ressonâncias sensíveis e ideativas, não pode ser esquecido e deve ser sempre recuperado nas instâncias frutíferas do ritual dialógico – serve também às práticas humanas em ambiência social, política e afetiva.

Cuidado com sua história, sua geografia, sua arquitetura, seus funcionamentos, virtualidades, sutilezas, falhas e vazios. É preciso sondá-las e, se possível, decifrá-las, ainda em estado de dicionário, como sugere o poeta. E como sugere o poeta, não nos recusemos à luta com seus sortilégios, mal se rompe a manhã, pois, lutar com palavras é travar uma luta fraterna, na medida em que esta nos leva a ocupar o lugar mais adequado e mais correto, isto é, o lugar do humano. Dito de outra forma, o lugar da linguagem, ou seja, “a morada do ser”, como nos ensina o filósofo.

Existe mesmo uma ciência que privilegia a origem etimológica das palavras, preocupada, a princípio, com as tensões e as harmonias dos significados que transitam por entre as raízes, radicais, desinências, sílabas e fonemas que compõem o complexo interior de sua natureza morfológica. É esta ciência – a etimologia – que nos ensina e nos devolve o saber e o sabor que cada palavra contém, sobretudo quando quisermos aferir seu poder semântico na sociabilidade fraseológica do campo sintático e, ainda mais, em suas ressonâncias receptivas e pragmáticas.

Quando se captura a virgindade significativa das palavras, a concepção de sua autonomia, o caráter de sua singularidade, enfim, seu ethos inconfundível e irredutível a qualquer outra significação, descobrimos, perplexos e maravilhados, que toda palavra é especial, é única e insubstituível. Quase diria, sagrada, assim como as pessoas, assim como as criaturas de Deus. Afinal, como postula o texto bíblico: Primeiro, veio o verbo…

Cuidado, sim, com as palavras!

As palavras são seres vivos, e esse cuidado exige respeito e amor. Respeito e amor pela textura que revelam no ritmo das orações nominais ou verbais; respeito e amor pela força imagética que carregam na prosa e no poema; respeito e amor pela riqueza multifacetada de sua música silenciosa; respeito e amor pelo perfume que exalam na surpresa miraculosa de uma sinestesia; respeito e amor pelo sabor que imprimem, em cada contato ou confronto, na relação incescapável com outras palavras.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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