João Pessoa, 16 de março de 2022 | --ºC / --ºC Dólar - Euro

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Poeta, escritor e professor da UFPB. Membro da Academia Paraibana de Letras. E-mail: [email protected]

Três poemas

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publicado em 16/03/2022 às 06h50

 

Raízes

Na verdade, nunca saí dali.

Se fui a Paris e a seus tormentos,

foi no navio do sonho.

Minha capital é aquela pedra

que me vigia desde o dia em que nasci.

Meus poetas foram meus bois

e meus cavalos.

Neblina, a novilha mais fina,

se fez metáfora a vida inteira.

Sob aquela árvore, no meio da caatinga,

jazia a minha Amsterdã,

o meu Van Gogh, o estampido

do tiro na garganta.

À beira da lagoa, na casa defronte,

repousavam a beleza e a tristeza

dos velhos países.

Nunca vou sair dali.

No meio dos espinhos

e sob as facas do sol

teci o aroma do meu destino.

Menino do Cariri,

me acostumei aos ventos da morte,

pois, lá no Norte, tudo aprendi.

A água e a letra,

a passagem do cometa,

suas sombras de carícia no meu verso.

Meu universo é aquela pedra.

Nunca saí dali.

(Do livro recém publicado, De quase nada se faz um poema.

João Pessoa: Ideia, 2022)

Cerimônia

 

Viver foi fazer coisas miúdas.

Deixar os dias passarem,

sem o éter do grande acontecimento.

O ouro no limpar das gaiolas.

O êxtase no folhear os livros.

Ler e amar sem dor nem ciúme.

Cada palavra, um tesouro quântico.

Espiar o nada

onde o sonha se desmancha.

Só,

repetir a cerimônia do poema.

Fim

Ácidas águas alagam a tarde.

Molhados animais se escondem.

Um vento vertical corta o crepúsculo.

Não dá mais tempo.

O outono ameaça devorar o júbilo

das coisas.

O vulcão silencia.

A alma se dilata e some.

Ser sozinho foi o meu patrimônio.

(Do livro recém publicado, … e nada aconteceu comigo.

João Pessoa: Ideia, 2022)

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