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Professora Emérita da UFPB e membro da Academia Feminina de Letras e Artes da Paraíba (AFLAP]. E-mail: [email protected]

O passeio a cidade de Monteiro

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publicado em 18/12/2021 às 11h40

Há muitos anos conheci Monteiro, porém de passagem quando meu esposo Itapuan era Presidente da Campanha Nacional de Escolas da Comunidade (CNEC). Hoje, volto por um outro bom motivo, participar da inauguração do Centro de Referência da Renda Renascença e do Artesanato (CRENÇA), local onde serão expostas e comercializadas todas as peças produzidas na região, ao mesmo tempo que divulga os valores culturais e costumes do Cariri paraibano.

A viagem foi denominada Caravana da Esperança, porque, segundo entendimento da geógrafa Gislaine Teles “a esperança é como o combustível da vida, daí a necessidade de sempre trazermos à memória tudo o que nos pode dar esperança, especialmente quando nos sentimos desanimados e abatidos. Seria trocar de janela para enxergar a vida em outra dimensão”. Capitaneada pela professora Janete, que reuniu um grupo de amigos, os casais Margareth Abrantes e Bermann Andrade, Regina e Itapuan Bôtto, Antônio Gumercindo e Janete Lins Rodriguez, Marcos e Helena Serrano Lins, Fatima Ventura, Gislaine Teles e Rita Alcântara Domingues.

Logo de saída foi distribuída uma pasta onde constava um texto com conteúdo sobre a região que íamos conhecer e a programação a ser cumprida. Isto para conhecimento dos interessados que tinham os mesmos objetivos: participar do evento e conhecer um pouco da região, considerada uma das mais expressivas do Estado, situada a 600 km das duas metrópoles regionais nordestinas, Fortaleza e Recife.

Já no trajeto da viagem, deslumbrávamos observando a paisagem o que nos deixava extasiados diante das transformações que se sucediam, pois partimos daqui do litoral vendo praias, várzeas, e tabuleiros representados pelo Planalto de Santa Rita. Em seguida vem um espaço de transição compreendendo uma depressão que vai dar lugar à subida do Planalto da Borborema, zona agrestina, que será sucedida pela região dos Cariris, topo da Borborema, assim nomeada por que era habitada pelos índios Cariris. Essas explicações foram da geógrafa e comandante do grupo, professora Janete.

O cenário ia se descortinando e se alterando, ao mesmo tempo que eram dadas explicações sobre as questões geológicas, demográficas e paisagísticas, pela mudança da vegetação, do relevo, do solo e do ambiente físico-natural. Essa representação passava a presença do homem construindo o panorama cultural. Podíamos identificar o sentimento de luta, o espírito aguerrido, desafiador, imposto pela caatinga do boiadeiro, do vaqueiro e pela do sertanejo, partícipes do processo de hominização determinados pela geofísica, conseguindo vencer os desafios que a aridez do local obriga.

O Cariri possui uma área de 986.370 Km² (IBGE, 2016), fica a 319 km de João Pessoa localizada na Microrregião do Cariri Ocidental Paraibano. Monteiro é um dos municípios que compõem a região do Cariri Paraibano, com uma população estimada de 33.039 hab. Numa região com características marcantes, sua vegetação nativa é a caatinga com a presença de cactáceas. Fortes cenas típicas de ressequidos espinhos, imagens inesquecíveis, onde dominam o mandacaru, facheiro, jurema, coroa de frade etc.  Os limites dos Cariris (Oriental e Ocidental) são: ao norte, os municípios de Salgadinho, Junco do Seridó, Tenório e Juazeirinho; ao sul, municípios de Pernambuco; a leste, municípios de Soledade, Boa Vista, Campina Grande, Queimadas, Gado Bravo e Santa Cecília; e, a oeste os municípios de Areias de Baraúna, Passagem, Cacimbas e Desterro. Tem um clima semiárido quente com chuvas de verão e um dos menores índices pluviométricos do Estado.

A chegada da caravana à cidade de Monteiro deu-se às 14 horas. Fomos almoçar no Restaurante Paraíba, com comidas típicas muito saborosas, onde encontrei a velha amiga e colega do Colégio das Lourdinas, Vania Vasconcelos e sua filha Sheila, convidadas para almoçarmos juntas. Em seguida, sai para passear com elas. Estive em sua casa da cidade, depois fomos à fazenda Cristo Rei, ambas decoradas para as festas do final do ano.

A cidade estava vivendo o clima de Natal. Ficamos hospedados na Pousada do Tião. Lugar simples, mas condigno e muito bem cuidado. Aprontamo-nos rápidos porque às 18:30 seria a inauguração do CRENÇA, seguida de desfile realizado em comemoração ao evento. Um espetáculo com glamour igual ao de grandes grifes francesas.  Muito prestigiado por todos os líderes regionais e locais, pela autoridade maior do Estado, o Governador João Azevedo, a primeira dama Ana Maria, presidente de honra do Artesanato Paraibano, e da Prefeita do Município, Anna Lorena de Farias Leite Nóbrega, além de outros políticos. Contou com a presença, segundo informações locais, de cerca de três mil pessoas. Após o espetáculo foi oferecido pela Prefeitura um jantar de confraternização. Tudo muito bom, impecável, indicativos do carinho da recepção.

No outro dia, seguiu-se a programação turística. Fomos em direção ao museu da família dos patriarcas Nilo Feitosa Ferreira Ventura e de sua esposa Filomena Alves Feitosa Ventura, que eram primos, e casaram fugidos, cuja vida daria um belo conto de amor e dedicação.  Tornou-se um homem rico, conhecido e respeitado na região pelo seu temperamento rígido em querer as coisas corretas e honestas. A fazenda, chamada Garapa, é mantida e conservada como patrimônio familiar. Interessante esse nome: procurei saber o porquê e me foi contado pela prima do atual proprietário, Gislaine Maria: “O nome advém de ter existido no local, um antigo engenho de cana de açúcar, que ainda hoje tem uma construção do seu lado esquerdo onde funcionava. Fabricava um açúcar escuro, chamado “açúcar preto,” que era armazenado em sacas. Tudo bem no verão, mas quando chegava o período das chuvas, apesar de chover pouco na região, acontecem de forma torrencial. Então o açúcar derretia e provocava uma sujeira imensa com a calda que soltava molhando todo o chão, chamada de garapa. Na época, o alojamento era precário para evitar que isso acontecesse, não continha frieza, então o açúcar dissolvia-se. Daí o nome garapa como é ainda conhecido”. O seu atual dono, o médico Dr. Nilo Feitosa de Oliveira, formado em Recife, em 1968, cujo sonho era retornar à terra natal, voltou e fixou-se em Monteiro, onde tornou-se profissional famoso na região, foi Secretário de Saúde, médico do hospital da cidade etc. Casou-se com Telma Mayer, moça residente na cidade de Sumé, descendente de franceses.

A fazenda conserva-se dentro dos padrões históricos da época e guarda relíquias de peças, móveis, fotografias e um acervo dos proprietários que o converteram num pequeno museu, que transmite aos visitantes informações sobre   cultura, hábitos e costumes de seus antepassados.   “Monteiro, é e foi a terra das paixões de Nilo, onde vive até os dias atuais, considerado como uma figura humana extraordinária e queridíssima pela comunidade. Hoje detentor de um hospital e com seu filho exerce e se dedica à medicina, servindo com amor a sociedade monteirense”. No encerramento da visita, foi servido um lanche com comidas típicas para todos os presentes. Disse Gislaine: “O Garapa nos remete a uma história de honra e gloria dos nossos antepassados. Orgulho para toda família.”

Após essa visita nos dirigimos ao município do Congo, que tem esse nome devido a um senhor construtor da capela, um preto velho que se chamava Congo. Segundo historiadores teria sido escravo e de procedência congolesa, daí a origem do topônimo. Localizada na microrregião do Cariri Ocidental, Estado da Paraíba, a cidade fica próxima à confluência dos rios Paraíba e da Serra, sendo conhecida como Cidade das Águas. Tem, segundo o IBGE, uma população de 4.687 hab, com uma área de 333,471 km², e como bioma a Caatinga. Fomos recepcionados pelo Coordenador do Programa de Combate a Seca do Cariri (PROCASE), Aristeu Chaves, no restaurante Paraíso da Serra, que oferece comida típica muito saborosa e famosa na região, situado à beira do açude que abraça a cidade e alimenta a população e também leva a salvação para as cidades vizinhas que pelejam pela água que lhes falta. Um lugar muito bonito onde se pode ver lanchas e barcos de pesca. Daí uma senhora dizer com orgulho: “Sou caririzeira, terra nomeada de “mãe das águas”!

Ao retornarmos do Congo fomos recepcionados pela anfitriã Vânia Vasconcelos e suas filhas Sheila e Steffania na sua fazenda Cristo Rei, situada na região chamada Sítio Mocó, ficando a uns 9 km distante da cidade de Monteiro. Abriu as portas de sua bela casa de campo e nos ofereceu um lanche requintado, no final da tarde/noite, com guloseimas, salgados, comida típica e coisas da terra, nos proporcionando um ambiente alegre, agradável e muito acolhedor, deixando-nos muito à vontade. Tudo preparado com muito esmero e bom gosto, alias é a marca de minha amiga Vânia. Para surpresa geral, presenciamos, durante nossa estada, uma chuva torrencial, muito forte, com relâmpagos e trovoadas, cheiro de terra molhada, que pareceu ter sido uma benção de Deus recepcionando-nos, deixando-nos felizes, encantados com a hospitalidade.

No dia 27/11, tomamos o café matinal e antes de partimos com destino a João Pessoa foi sugerido que passássemos pela feira livre. Assim fizemos: fomos a feira e lá achamos tudo que temos aqui em uma feira da capital e mais, as guloseimas típicas da região. Constatamos as frutas e verduras mais baratas. Visitamos a Selaria, loja de Vania, onde seu filho Marco Antônio é o gerente e que nos atendeu muito bem. Aí compramos um chapéu de aba larga que é vendido para cavalgadas, pois na região pratica-se tal esporte, bom para proteção do sol.  Valeu a pena conhecer a feira.  Ao sair de Monteiro nos dirigimos ao Lajedo de Pai Mateus, situado no Município de Cabaceiras, distante da capital do Estado, João Pessoa, cerca de 200 Km, e Campina Grande 66 Km, na Serra dos Coroás, na região da Borborema.  O lajedo fica a 25 Km da cidade de Cabaceiras. “Nele há predomínio de um quadro natural com certa uniformidade, onde ocorrem baixos índices pluviométricos, solos rasos, pedregosos, que influenciam a agropecuária e, consequentemente, a ocupação territorial. Embora de povoamento antigo, desde os tempos coloniais é a mesorregião que apresenta os mais baixos índices demográficos. Possui um artesanato rico e muito diversificado: rendas renascença, labirinto e de bilro, artefatos de couro, cerâmica e objetos em madeira”, conforme Informações da geógrafa Janete Lins Rodriguez.

Lugar paradisíaco, em que a paisagem é constituída de grandes pedras aglomeradas, ao entardecer o pôr do sol com os seus raios batem e oferecem reflexos dourados, tornando-as alaranjadas, extasiando os visitantes pela beleza que proporciona.  Ao olhar as pedras, descobre-se as várias formas que apresentam como exemplo, um capacete, etc. Fala a lenda que teve esse nome devido a um senhor que viveu ali no século XVIII, que tinha a propriedade de curar com ervas as pessoas em troca de comida, o que o notabilizou como uma figura mítica. Este sítio entrou na rota do turismo ecológico e ganhou fama entre os arqueólogos devido as inscrições rupestres dos índios Cariris e ter semelhança com outras regiões do mundo.

No local, além do sítio arqueológico, há um restaurante que serve comidas típicas e um hotel com instalações condignas aos seus hóspedes. Sua reserva tem que ser feita com antecedência porque tem sua ocupação sempre repleta. A região é escolhida por cineastas por oferecer condições peculiares típicas do retrato fiel do que foi a época do velho sertão dos tropeiros de Lampião, popularmente chamada “Roliúde Nordestina”. Atualmente está sendo gravada tanto na região urbana de Cabaceiras como na zona rural, com ênfase o Lajedo de Pai Mateus, um filme intitulado “Cangaço novo”, que faz parte da nova serie brasileira original do Amazon Prime Video, dirigida por Aly Muritiba e Fabinho Mendonça. A obra traz a história de um bancário paulista que retorna à cidade natal nordestina. A trama retrata um bando de cangaceiros modernos. Entre os cineastas estão Luiz Carlos Vasconcelos (Marighella), Marcélia Cartaxo (Pacarrete), entre outros.

Retiramo-nos do Lajedo de Pai Mateus às 17:00 horas, retornando a João Pessoa. A estrada de barro, até a Br não ajuda muito. A Van tinha que andar devagar, o percurso foi divertido pois relembramos muitas coisas engraçadas. Uma delas foi a desistência da subida do Lajedo por Itapuan e Janete que preferiram ficar sentados no meio da ladeira, mesmo morrendo de medo da cobra cascavel, enquanto o grupo seguia adiante, e por aí vão as histórias hilariantes.  Muito animado. Na estrada, depois de Campina Grande, paramos em uma lanchonete chamada de Irmão Firmino onde jantamos café com tapiocas de vários tipos e para todos os gostos, além de comida de milho etc. A refeição foi concluída por volta das 22 horas de modo que chegamos a nossa casa por volta da 1:30 da matina.  Exaustos, foi chegar, tomar banho e capotar para dormir.

O que dizer desse passeio? Foi um dos mais proveitosos que já fiz aqui dentro do Estado da Paraíba. Por que? São muitas as razões que nos levam a falar assim. Uma viagem de recreio converteu-se em uma viagem turística cultural em que o conhecimento adquirido foi bastante matizado; geográfico, em que as duas geógrafas, Gislaine e Janete, membros do grupo, iam colocando o conteúdo para que compreendêssemos os acidentes, as formas de relevo, as propriedades do solo, a distribuição das águas, os fenômenos climáticos. A dinâmica do espaço e as ações do homem, analisando as interações sociais como: economia politica e cultura. O que facilitava entender o processo histórico que regula a formação das sociedades humanas e o funcionamento da natureza na observância do espaço e da paisagem.

A constatação “in loco” da produção do artesanato, sobretudo da renda renascença, que hoje representa a maior expressão cultural local, além de outras manifestações sem maior notabilidade. A gastronomia típica do Cariri onde a predominância das carnes de bode e de carneiro são iguarias de pratos gostosos e sortidos; O reencontro afetivo com a amiga Vania Vasconcelos, de longos anos separadas, em que cada uma seguiu seu destino, e justo ali naquele lugar e momento nos tornamos a nos ver e reavivamos nossa amizade e lembranças, sua história de vida edificada e que o tempo afastou, mas ele mesmo se encarregou de nos unir e trazer de volta o que nos fez muito felizes; O conhecimento da vida bucólica, comportamentos, tradição e a história da sociedade campesina antepassada, cujo patrimônio hereditário cultural é preservado pelos donos de fazendas com todo arsenal de móveis, utensílios e tradições da época, fazendo-nos transportar aos tempos antigos, a exemplo da família Feitosa.

Diante de todo esse enriquecimento cultural acrescente-se as boas companhias e as amizades construídas e consolidadas dos amigos parceiros de viagem. Recomendo a todos fazer o mesmo. Foi enriquecedor. Valeu a pena!

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